22 Junho 2017
Sete dias para tomar uma decisão. Sete dias para evitar o risco de trazer ao Colégio dos Cardeais um candidato sobre quem paira a sombra de um escândalo financeiro.
A reportagem é de Marco Politi, publicada por Fato Quotidiano, 21-06-2017. A tradução é de Ramiro Mincato.
2017 não é para o Papa Francisco apenas mais um ano de triunfos mediáticos, mas também um ano de espinhos. Em março passado, Mary Collins, a católica irlandesa (vítima de abuso sexual por um sacerdote), que era membro em 2014 da Comissão para a proteção das crianças, deixou o organismo Vaticano denunciando a falta "vergonhosa" de cooperação do "Dicastério envolvido mais diretamente na abordagem dos casos de abuso": isto é, a Congregação para a Doutrina da fé. Nestas horas está explodindo o caso do primeiro Auditor Geral das contas do Vaticano, Libero Milone - especialista financeiro, com experiência internacional, ex-presidente e ex-administrador delegado da empresa Deloitte – ter-se demitido bastante antecipadamente do cargo por ter colidido com a APSA (Administração do Patrimônio Sé Apostólica), "já sob o foco no momento da Vatileaks2. Em 2015, de fato, Reuters tinha publicado a notícia de que - ao contrário de toda a lógica e regra - o financista Giampietro Nattino possuía contas cifradas junto a APSA que usou para transferir dois milhões de euros para a Suíça.
Outro incidente apresenta-se agora no horizonte, que investe escolhas diretas do Papa Francisco. No mês passado, o Papa anunciou a criação de cinco novos cardeais. Entre os pré-escolhidos o Arcebispo de Bamako, Jean Zerbo, personalidade conhecida pelos seus esforços pela paz, num país devastado pela guerra civil e violência dos terroristas jihadistas.
A alegria pelo ingresso no Colégio Cardinalício foi, no entanto, logo perturbada pela publicação, no Le Monde, de uma investigação que demonstrava a existência no banco suíço HSBC Private Bank, em Genebra, de fundos equivalentes a 12 milhões de euros, divididos em várias contas bancárias, cujos códigos de acesso estavam nas mãos de Dom Jean Zerbo.
Os meios de comunicação relataram que no dia 1o. de junho, os bispos de Mali reagiram emitindo um comunicado, publicado pela agência católica FIDES, enfatizando que "a Conferência Episcopal do Mali opera com total transparência. Dispõe de estatutos, de um regulamento interno e de um manual de procedimentos que estabelecem as funções de cada Bispo (...). Nenhum bispo age a título pessoal ... Todas as atividades são regularmente revisadas".
A história acabou aí? Muito pelo contrário.
Há que se registar, entretanto, que Francisco não sabia de nada, "e não aceita isso muito bem", como apontado por um representante do Vaticano em contato regular com o Papa e a Secretaria de Estado. Muitas perguntas permanecem abertas e em questões de dinheiro, nem o Vaticano e nem as igrejas locais podem dar-se ao luxo de sacudir os ombros como se as revelações documentadas pela imprensa não passassem de fofocas.
A uma semana da solene cerimônia na qual Zerbo deveria receber das mãos do Papa o barrete vermelho, do Vaticano não chegou qualquer esclarecimento final. E são vários os pontos obscuros. A começar pelo fato de que se uma igreja local, num cenário de guerra, sente a necessidade de proteger seus fundos, há uma instituição própria para isso: o Instituto para as Obras de Religião.
1. Por que o Arcebispo Zerbo respondeu aos autores da investigação do Le Monde, primeiro com: "Eu? uma conta na Suíça? Então sou rico e nem sabia. E depois: “É uma conta velha ... um sistema que herdamos da Ordem dos Missionários da África"? Monsenhor Zerbo, nem na primeira, nem posteriormente, forneceu informações precisas.
2. Em 2007 (última data nos documentos do HSBC Private Bank), os 12 milhões, divididos em várias contas mantidas pela Conferência Episcopal de Mali são acessíveis a três pessoas: Mons. Zerbo, na época encarregado das finanças da Conferência Episcopal de Mali, Mons. Jean-Gabriel Diarra, Bispo de San, e Cyprien Dakouo, o então secretário geral do episcopado de Mali. De onde vêm esses fundos, levando em consideração que Mali é um país extremamente pobre, com 17 milhões de habitantes, e uma minúscula população católica?
3. Em 2012 Dakouo deixa o seu ofício, desaparece de Mali e encontra-se atualmente na França, em Lyon, preparando uma tese em economia. Por que Dakouo ainda possui o acesso às contas bancárias na Suíça, com delegação de assinatura?
4. Por que o atual responsável pelas Finanças do episcopado do Mali, Padre Noel Somboro, nada sabe sobre essas contas? Somboro declara: “É possível que elas existiam, mas não tenho nenhum vestígio".
5. Finalmente, a última grande e séria questão. Estes 12 milhões de euros, onde foram parar? Em que banco estão hoje? Por que os Bispos de Mali não têm condições ou não querem esclarecer seu destino, uma vez que afirmam a existência de "regras precisas"?
Para complicar ainda mais o cenário vem a notícia - relatada pela agência Adista - que os dois autores da investigação, David Dembélé e Aboubacar Dicko, depois de uma série de violentas ameaças anônimas por telefone e na web, foram colocados sob proteção policial em Mali.
No dia 28 de junho ocorrerá na basílica de São Pedro a magnífica cerimônia da criação dos novos cardeais. Até agora, no Vaticano, prevê-se que Dom Zerbo receberá o barrete vermelho, e que não haverá reenvio. Mas o entourage do Papa não deveria subestimar esse caso. “Transparência” é uma das palavras-chave do atual pontificado. Esse affaire não mais diz respeito a uma igreja local distante, mas ao "Senado da Igreja". E nunca devemos esquecer que a multidão midiática é como a plebe romana no Coliseu. Um dia se exalta pela excomunhão dos corruptos, no dia seguinte está pronta para gritar "ad leones".
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Os milhões na Suíça do novo cardeal do Mali embaraçam Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU