02 Junho 2017
O mais novo e um dos principais representantes do Dicastério para Leigos, Família e Vida é um jovem sacerdote brasileiro, que não só está em sintonia as ideias e perspectivas do Papa Francisco, mas tem uma longa história de amizade e colaboração com o pontífice.
A reportagem é de Austen Ivereigh, publicada por Crux, 01-06-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla
É só falar com pessoas próximas ao Papa Francisco sobre a Reforma do Vaticano e ouve-se muitas vezes que há uma frustração dele por ter chamado poucas pessoas que compartilham de sua visão e perspectiva para cargos importantes.
Os que foram chamados - como o ex-bispo de Dallas, o cardeal Kevin Farrell, selecionado para ser prefeito do novo dicastério para os leigos, a família e a vida em agosto do ano passado - foram recomendados por outras pessoas e não eram conhecidos do Papa.
Isso seguiu até o anúncio de quarta-feira nomeando Farrell para ser primeiro secretário do Dicastério para leigos, família e vida - indicação fundamental para um dos dois dicastérios mais vitais para a vida externa, que ajudará o Vaticano a lidar melhor com problemas reais da humanidade.
O Padre Alexandre Awi Mello, diretor nacional do movimento Schönstatt no Brasil, tem um currículo que faria qualquer recrutador selecioná-lo para este posto: sua experiência na pastoral juvenil, anos de trabalho pastoral com famílias, conhecimento em direção espiritual e teologia fazem dele a pessoa certa para implementar Amoris Laetitia e colher os frutos do Sínodo do próximo ano sobre o discernimento vocacional e a juventude.
Alexandre Awi tem até um livro sobre esse último tópico - El Arte De Ayudar ('A arte de ajudar', em tradução livre) - somente com edição em espanhol.
Mas o que torna a nomeação ainda mais interessante é a sua estreita relação pessoal com Francisco, que remonta ao grande encontro dos Bispos Latino-americanos em Aparecida, no Brasil, em 2007 - uma oficina, digamos, para o Papado de Francisco.
O Padre de 47 anos juntou-se à Marinha brasileira antes de ser chamado ao sacerdócio, foi um dos secretários da comissão de elaboração do documento final liderada pelo então Cardeal Arcebispo de Buenos Aires.
Foi uma intensa experiência de conexão para os participantes da comissão: depois de muitas noites trabalhando até tarde e tendo um prazo impossível, eles produziram um documento poderoso que hoje sustenta o programa da Igreja universal.
Particularmente notáveis foram as palavras de Aparecida sobre a religiosidade popular e a importância dos santuários marianos. Esta é uma das razões pela qual ele estava na comissão: os Schönstatt da América Latina tiveram um papel especial em muitos desses santuários e Alexandre Awi é especialista em Mariologia.
Em seus escritos e entrevistas, ele frequentemente refere-se ao princípio da "teologia do povo" de que Deus se revela nas pessoas comuns que creem e essa eclesiologia católica requer uma conversão pastoral para ouvir melhor essa voz.
Quando Francisco fez sua primeira visita ao Brasil como papa, na Jornada Mundial da Juventude, em julho de 2013, ele pediu que Awi fosse seu assistente e tradutor. Ele colaborou com a escrita e a revisão de seus textos durante a visita, como lembrou um ano depois em entrevista à revista brasileira Época. "Você acha que estou sendo muito duro com os bispos?", perguntou-lhe Francisco em um dado momento.
Awi diz que eles riram das semelhanças com a experiência de Aparecida. "Mas não se preocupe, desta vez não vou lhe deixar acordado até duas da manhã", garantiu Francisco.
No final da viagem, Awi presenteou Francisco com uma imagem da "Mãe Três vezes Admirável", imagem da Virgem Maria de Schönstatt, que o Papa guarda ao lado de sua cama na Santa Marta.
Depois, Awi visitou Francisco várias vezes para entrevistá-lo para um livro sobre o significado de Maria em sua vida. Maria É Minha Mãe foi lançado em português em 2015 e depois também em espanhol e alemão. A edição em inglês deve sair em breve.
Em abril de 2015, em uma palestra no Chile, ele revelou algo que vale ouro para este biógrafo papal: uma carta do Papa Francisco em que ele revela que duros conflitos familiares que ocorreram sua infância estão por trás de sua busca por uma "cultura de encontro". (Se você entende espanhol, está aos 14 minutos deste vídeo).
"Na minha família houve uma longa história de desentendimentos", disse o papa. "Tios, primos, brigavam muito. Quando eu era criança, sempre que se falava disso ou eles estavam prestes a brigar, eu me escondia e chorava muito e, algumas vezes, fiz algum sacrifício ou penitência para que isso não acontecesse. Isso me feriu muito.”
"Graças a Deus, entre meu pai, minha mãe e os cinco irmãos vivíamos em paz", prosseguiu a carta. "Mas acredito que esta história de minha infância me marcou muito e criou em meu coração um desejo de que as pessoas não briguem, mas permaneçam unidas, e se brigarem, que continuem amigos."
Foi uma revelação extremamente íntima. O Papa acrescenta na carta que, ao reler o que havia escrito, ele ficou "envergonhado", e acrescentou: "mas eu acredito que nesta história está a semente de algo que com o passar do tempo eu passei a chamar de 'cultura de encontro'."
Mesmo sendo amável e direto, Francisco notoriamente também se protege, famoso por ser impenetrável e por raramente revelar muito de sua vida emocional. Com Awi, entretanto, ele se revelou - uma marca da confiança e do vínculo que há entre eles.
Em uma entrevista com o site chileno Portaluz, ele disse que "diante da Virgem, [Francisco] é como uma criança. A frase 'ela é minha mãe' diz tudo. Ele disse: 'Acho que ela é a única pessoa para quem eu posso chorar'. "
A entrevista revela um teólogo brilhante e apaixonado, em profunda sintonia com o Papa, que claramente fez com que ele se abrisse de modo que nenhum outro escritor conseguiu.
Em um momento da entrevista, o entrevistador diz a Awi: "Ouvindo-o, é impossível não ver o quanto o senhor sente-se ligado ao Papa Francisco."
Ele ri, mas não nega. "Eu realmente me identifico com suas ideias."
Seja lá o que possa se dizer sobre essa nomeação, há um fato indiscutível que ofusca todos os outros.
Chegou ao Vaticano um alto funcionário que é totalmente, assumidamente e com todo o coração um homem de Francisco - não apenas do coração da teologia do povo latino-americana, mas também perto do coração do próprio homem.
Por fim, alguns diriam.