17 Mai 2017
“Todos nós somos migrantes. Por milhões de anos temos cruzado o planeta em que nos cabe viver. Eu não vejo novidade em quem descobre isso hoje". Rigoberta Menchú, indígena da Guatemala, foi migrante no México para fugir da morte certa. Lutadora pela defesa da terra, sobreviveu ao extermínio de sua família e agora se sente livre. Mesmo para enfrentar questões espinhosas. Depois de viver tragédias familiares dolorosas e ter sido agraciada com o Prêmio Nobel da Paz em 1992, ela continua a dar testemunho de sua história de mulher e de indígena em um país "machista".
A entrevista é de Nicola Nicoletti, publicada por Avvenire, 13-05-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
A ativista pelos direitos humanos guatemalteca está agora em visita ao México por ocasião da Feira Internacional do Livro de Arteaga, onde um pequeno grupo de jornalistas aguarda ansioso para ouvi-la falar sobre infância. Ela chega ao encontro com um vestido bem colorido, típico dos Maia Quiché. Ao redor do pescoço um vistoso medalhão. Enquanto o país chora a morte de um menino de quatro anos em um assalto, o seu discurso é dedicado justamente aos mais jovens.
"Uma parte importante para o crescimento da sociedade é o desenvolvimento dos jovens: o aprendizado sobre o mundo começa através do núcleo mais próximo a eles, onde fazem uma experiência útil para o futuro. Eu vejo a diferença de crianças que cresceram com os avôs e os pais, com uma visão integral da família, em comparação com aqueles acostumados à violência doméstica".
Como você se vê hoje?
Passaram-se 25 anos desde o prêmio Nobel... que saudade! O futuro? Espero uma vida ativa, uma agenda cheia de compromissos com os jovens, a universidade. Eu gostaria de criar jogos eletrônicos para crianças.
Você passou por muitas situações difíceis, mas agora se sente diferente?
Disseram que era uma vergonha dar um Prêmio Nobel para uma jovem, uma mulher. Indígena. Por outro lado, teve quem apreciou. Agora estou livre, paguei por isso.
Olhando para trás, para sua condição na Guatemala, quanto foi importante o envolvimento das vítimas para o caminho da justiça?
Tudo começa a partir daí. É preciso iniciar processos em que as vítimas não são apenas um objeto, mas protagonistas de uma mudança para reconstruir a própria vida. Nós estudamos a Constituição, a lei. Investigamos. Aprendemos que é preciso preservar a memória da vítima. Esperei 16 anos para ter uma sentença judicial. No México, alguns familiares de vítimas criticaram a lei sobre o desaparecimento de pessoas. A lacuna criada pelo desaparecimento forçado é um crime social. Um crime. Vive-se uma vida diferente. Depois de 36 anos eu penso em minha mãe, desaparecida, e a vejo na porta de casa. Uma pessoa desaparecida não é o mesmo que uma vítima assassinada; é (caso fosse possível) ainda pior.
Não existem leis totalmente satisfatórias, mas precisamos avançar no caminho da justiça. Hoje temos sentenças de prisão de 25 anos para isso, a serem transladadas para outros países.
O que você pensa sobre o desaparecimento de irregulares na fronteira entre Estados Unidos e México?
Desde sempre atravessamos o planeta. Mas agora o migrante é mais prático. Procura os melhores salários, as melhores condições de vida, os melhores carros. Não aceito que um pai envie para os EUA seus filhos com o risco de violação de seus direitos para ter mais dinheiro. É preciso cuidar das crianças, protegê-las da escravidão.
Em seu País hoje existe muito ódio, racismo e violência.
Temos presidentes que ganharam o poder através de campanhas de desprezo. Como podemos viver quando se chega ao ponto de oficializar tudo isso?
O premio Nobel de alguma forma revelou a realidade indígena ao mundo, de um país manchado de sangue. Eu parecia a única sobrevivente do mundo indígena, porta-voz de desaparecimentos, torturas e genocídio. Hoje temos a Declaração dos Direitos Indígenas, a Convenção 169 e a alteração da Constituição na Bolívia.
Qual é o seu sonho hoje?
Trabalhar para as crianças, suas leituras, para um presente sem barreiras. Os livros são uma realidade que nos abre os olhos e permite às crianças serem protagonistas do amanhã, cidadãos do mundo.
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O "grito" de Rigoberta Menchú "Desaparecer? É pior que ser assassinado” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU