12 Mai 2017
O discurso de formatura no dia 21 de maio deste ano na Universidade de Notre Dame pode, de novo, gerar uma polêmica intensa e, por vezes, cega, no momento em que a instituição celebra o seu 175º aniversário.
A reportagem é de Catherine M. Odell, publicada por National Catholic Reporter, 10-05-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Em 2009, quando a Notre Dame convidou o presidente Barack Obama para ser o orador de formatura, grupos pró-vida exigiram que a universidade católica desfizesse o convite por causa das opiniões pró-escolha (pro choice) da autoridade pública. Pelo menos 90 mil pessoas assinaram uma petição com essa demanda, enquanto Dom John D’Arcy ameaçou boicotar a formatura pela primeira vez em 25 anos à frente da Diocese de Fort Wayne-South Bend. Após a Notre Dame se recusar mudar os planos, centenas de manifestantes contrários ao aborto chegaram no dia da formatura segurando cartazes.
Na época, as polêmicas geralmente centravam-se nos direitos homoafetivos. Dando continuidade à tradição de convidar líderes nacionais para discursar a seus graduandos, a Universidade de Notre Dame pediu que o vice-presidente Mike Pence, ex-governador de Indiana, seja o orador principal no dia da formatura.
Quando concorreu pela primeira vez ao Congresso em 2000, Pence propôs que os financiamentos federais para a pesquisa em HIV/Aids fossem desviados para apoiar a terapia de conversão – intervenção psicológica para mudar a orientação homossexual que a Associação Psiquiátrica Americana se opõe como sendo “antiética” e potencialmente prejudicial.
Por várias vezes Pence manifestou a sua oposição sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e em 2015 como governador sancionou a “Lei de Restauração da Liberdade Religiosa”, que, segundo opositores, permitia que estabelecimentos comerciais e empresas no estado de Indiana praticassem discriminação – com base em suas crenças religiosas – contra membros da comunidade LGBT. Em poucas semanas, uma onda nacional de protestos e ameaças de boicote pressionaram a legislatura de Indiana a revisar o projeto.
Assim que terminaram as aulas universitárias no primeiro período de 2017, a Notre Dame começou a preparar o campus tendo em vista receber um evento que reunirá formandos, pais e amigos, além de convidados especiais e o Serviço Secreto.
Diferentemente, os alunos e ex-alunos da comunidade LGBT da Universidade de Notre Dame e da St. Mary’s College estiveram também ocupados preparando-se para a formatura. Na terceira semana de abril, eles distribuíram ao redor do campus quase 500 bandeiras com as cores do arco-íris, representando o orgulho gay, e pediram o apoio da comunidade para que as usassem em protesto contra a visita de Pence. Em pouco tempo as bandeiras estavam penduradas às janelas da Notre Dame. Elas foram vistas também no Salão Nieuwland de Ciências e no Salão Geddes, onde ficam as salas dos professores do curso de teologia. Bandeiras também foram colocadas nas janelas da Biblioteca universitária.
“O nosso objetivo foi organizar esta manifestação antes de os alunos irem embora e antes também da formatura”, explicou o formando Bryan Ricketts, ex-presidente do conselho estudantil e liderança LGBT. Ricketts disse que a “Prism ND”, a única organização LGBT oficialmente reconhecida na Notre Dame, quis incluir a comunidade estudantil no debate em curso sobre os direitos das pessoas homossexuais. A montagem dos piquetes no local e marchas em protesto à visita do vice-presidente deverão ocorrer no fim de semana.
No entanto, nem todos no campus gostaram da ideia das bandeiras. De acordo com um artigo em 2 de maio publicado no jornal estudantil “The Observer”, alguns dos organizadores do protesto ouviram que deveriam remover as bandeiras espalhadas pelo campus, porque seria injusto supor que todos os que vivem e trabalham aí apoiam as causas LGBTs. Outros que se envolveram na distribuição das bandeiras ouviram que havia uma norma institucional que proibia exposição de coisas do tipo pelo campus.
Distribuíram-se as bandeiras com as cores do arco-íris para chamar a atenção dos eventos LGBTs que foram realizados na última semana de abril.
O dia 29 do citado mês, a LGBT Alumni/ae of Notre Dame and Saint Mary’s College (entidade que reúne ex-alunos LGBTs da Notre Dame e da St. Mary’s College, conhecida por GALA ND/SMC) concedeu o Prêmio Thomas A. Dooley Award a Kristen Matha, formanda da St. Mary’s. Matha recebeu o prêmio por seu trabalho de educação e liderança dentro da comunidade LGBT.
Com o departamento de estudos de gênero da Universidade de Notre Dame, a organização de ex-alunos gays e lésbicas igualmente realizou um painel de debates no dia 29 de abril, intitulado “Como reconciliar a liberdade religiosa com os direitos civis”.
Liam Dacey, porta-voz da GALA ND/SMC, disse que um painel que explorasse estas preocupações era realmente necessário num campus prestes a receber Pence.
O painelista Anthony M. Kreis, professor de direito na Chicago-Kent College, apresentou um resumo das décadas de casos que impactaram os direitos da comunidade LGBT.
“O desenvolvimento realmente grande é o Título VII”, concluiu Kreis, ao abordar casos contemporâneos. “A lei, que diz que não se pode discriminar pessoas na área do emprego, protege as pessoas nas áreas da raça, cor, sexo, origem nacional e religião”.
“Embora o Título VII não mencione orientação sexual ou identidade de gênero”, continuou, a Corte de Apelações do Sétimo Circuito em Chicago recentemente decidiu que “a discriminação pela orientação sexual é essencialmente discriminação sexual”.
Kreis acrescentou que, no futuro, “é possível que todas as pessoas LGBTs estejam protegidas sob a o Título VII”. Isso, completou ele, ajudará as pessoas desta comunidade que acabam sendo demitidas por causa da orientação sexual.
Em seguida, Catherine Pittman, professora de psicologia da St. Mary’s College, falou sobre o seu envolvimento em questões LGBTs na qualidade de feminista, psicóloga clínica, professora e ativista. Disse que foi a sua atuação como psicóloga que a fez se apaixonar pela problemática envolvendo a questão LGBT.
“Em meu trabalho, vi pessoas tendo dificuldades em conseguir um tratamento justo. Eram pessoas que lidavam com o estresse e a ansiedade, vinham sendo recusadas por comunidades inteiras e os familiares não se colocavam do lado delas. Então eu me interessei, me envolvi com estes casos, buscando justiça”, disse.
Pittman decidiu envolver-se em campanhas que exigiam leis específicas sobre os direitos humanos na cidade de South Bend e no Condado de St. Joseph, no estado de Indiana. Leis nesse sentido se faziam necessárias, especialmente nos campos da moradia e emprego. Passaram-se oito anos até que se conseguisse aprovar decretos nestas áreas, disse ela.
Uma outra painelista, diretora do departamento de estudos de gênero da Notre Dame, compartilhou os desafios enfrentados por ela no campus desta universidade católica. Criada num lar católico e identificando-se como heterossexual, Mary Celeste Kearney contou que um princípio fundamental nos estudos do gênero desafia o ensino católico tradicional. Às vezes, observou ela, “estamos numa posição precária em uma instituição católica conservadora como a Notre Dame”.
“Os estudos de gênero”, continuou, “definem gênero como uma formação social que impacta todas as nossas variadas identidades, relações, oportunidades, emprego, e pontos de atuação – para todos e todas”. Porém a Igreja, segundo ela, defende que “o gênero é determinado biologicamente ou ordenado por Deus”.
A liberdade acadêmica protege que o corpo docente ensine conceitos no departamento de estudos de gênero que possam contradizer o ensino católico. Mas existe, disse Kearney, “um lugar seguro onde os alunos podem aprender sobre si mesmos sem serem discriminados. Parte da minha missão é assegurar que a nossa unidade acadêmica seja um ambiente de apoio”.
Ricketts, representando a população estudantil LGBT da Notre Dame, iniciou a sua participação no painel com a sua própria história na universidade.
“Fui o primeiro presidente abertamente gay do conselho estudantil aqui da Notre Dame”, disse. “Pude aprender muito com a experiência à frente da Prism ND, e essa experiência eu a vejo como um ativo, o que é maravilhoso”.
Ainda que Ricketts perceba uma abertura aos alunos LGBTs na Notre Dame, este progresso foi demorado. A Notre Dame só reconheceu a Prism ND em 2012. E a instituição só permitiria o seu reconhecimento se os alunos entendessem que ela não seria uma organização ativista.
“Numa universidade pública, esse tipo de restrição não existe”, declarou Ricketts. “Mas aqui estamos numa universidade privada”.
No entanto, Ricketts disse acreditar que está saindo de uma Notre Dame hoje mais disposta a falar sobre temas LGBTs do que aquela que encontrou a cinco anos atrás.
“Percebo que muitas pessoas querem viver a fé católica ao permitir que todos se sintam acolhidos e acolhidas”, disse. “E há muitas pessoas LGBTs aqui que são também fiéis ao catolicismo e que permanecem sendo católicas praticantes. Não acho que necessariamente precisa haver um conflito entre os dois. A Notre Dame é um lugar onde isso tudo está se resolvendo”.
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Discurso do vice-presidente americano na universidade Notre Dame gera polêmica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU