23 Março 2017
Não é de hoje que as mulheres conquistam seus direitos à base de muita luta, transformando as instituições e as políticas públicas por meio de marchas, conferências, reuniões de conselhos e outras formas de atuação.
O balanço é publicado por Inesc, 22-03-2017.
Entre as muitas conquistas alcançadas, temos:
Apesar de ainda ser preciso avançar muito, o retrocesso vem ganhando fôlego nos últimos tempos: órgãos federais comprometidos com os direitos das mulheres foram extintos ou “incorporados” por outros ministérios onde nossos direitos são marginais e figurativos. Os orçamentos, já insuficientes, foram drasticamente cortados.
Convidamos lideranças femininas para nos ajudar a entender, a respeito de cinco questões cruciais para as mulheres brasileiras, o que o Orçamento de 2017 revela sobre o compromisso do governo federal com seus direitos.
No Plano Plurianual (PPA) do governo federal para 2016-2019, existem metas destinadas a garantir acesso à assistência técnica específica para mulheres, como:
Mas, se olharmos para o orçamento de 2017, veremos que há somente R$ 2 milhões destinados a ações ligadas a essas metas. Em 2016, foram R$ 4 milhões.
Detalhe: esse recurso de R$ 2 milhões está hoje na Presidência da República, pois o Ministério do Desenvolvimento Agrário foi extinto pelo governo Temer.
Para Iridiane Graciele Seibert, liderança do Movimento de Mulheres Camponesas, isso significa retrocesso numa política conquistada com muita luta das mulheres camponesas.
“É uma importante política que foi conquistada com a luta e organização dos movimentos de mulheres, que estava se estruturando e fortalecendo a produção e a organização produtiva das mulheres camponesas, garantindo a elas acesso a renda e autonomia econômica. A meta de atendimento de 15 mil mulheres em todo o Brasil, num universo de mais de 4 milhões de famílias – sendo a metade de mulheres –, já é muito aquém da demanda real do campo brasileiro. E com o orçamento de 2 milhões de reais não serão atendidas nem sequer 1000 mulheres. Isso significa um duro golpe contra a ATER para as mulheres e o retrocesso numa política conquistada com tanta luta das mulheres camponesas. Políticas de incentivo e promoção à produção e comercialização para as trabalhadoras rurais é um direito que lhes foi negado. Só reforça o caráter machista e misógino do governo golpista de Michel Temer.”
O PAA, que prevê a compra, pelo governo, de alimentos da agricultura familiar destinados a organizações da rede socioassistencial, é reconhecido como um dos programas mais eficientes para garantir a comercialização a preço justo dos produtos da agricultura familiar. Ao mesmo tempo, contribui para a segurança alimentar e nutricional da parcela mais pobre e vulnerável da população brasileira.
Uma das metas do PAA 2016-2019 é ampliar a participação das mulheres no programa, de 41% para 45% do total de fornecedores. Mas, em 2017, o programa sofreu um corte orçamentário de 28,4% em relação a 2016, de R$ 132 milhões.
Um grave retrocesso, afirma Maria Emília Pacheco, dirigente da Fase, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
“A redução dos recursos públicos destinados ao PAA, que construiu a interação entre instrumentos da política agrícola e a política social, é um grave retrocesso. Perdem os agricultores familiares e principalmente as mulheres agricultoras, que através de suas formas organizativas vinham fortalecendo-se como sujeitos de direitos e encontrando caminhos para a construção de sua autonomia econômica no enfrentamento das desigualdades de gênero. Perdem as organizações da rede socioassistencial, que veem reduzidas as possibilidades de receberem alimentos saudáveis e diversificados. Perde a democracia, pois esse programa inovador deveria avançar para a construção de uma política pública no caminho da justiça social e da garantia da segurança alimentar e nutricional, com a perspectiva igualitária e distributiva de “tratar desigualmente os desiguais”, rompendo com a prática histórica de só favorecer preço e mercado para a agricultura do agronegócio.”
Esse programa tem entre seus objetivos o de “promover ações afirmativas e incorporar a perspectiva da promoção da igualdade racial no âmbito das políticas governamentais e de organizações privadas, com ênfase para a juventude e mulheres negras”. Essa atribuição cabia à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), mas, com sua extinção, o programa foi para o Ministério da Justiça.
No PPA 2016-2017 existem várias metas que seriam de responsabilidade da Seppir, entre elas:
– Articular e incentivar a execução de políticas intersetoriais que possibilitem o aumento da geração de emprego formal e renda para a população negra, com ênfase nas mulheres e jovens;
– Articular a ampliação do número de órgãos públicos e organizações privadas que promovem ações afirmativas e/ou adotam medidas de prevenção e enfrentamento ao racismo e sexismo institucional.
Em 2016, foram autorizados R$ 39 milhões para o Programa da Igualdade Racial e Superação do Racismo, e gastos R$ 32 milhões. Em 2017, estão autorizados apenas R$ 24 milhões.
Para Valdecir Nascimento, coordenadora executiva do Odara – Instituto da Mulher Negra, esse governo veio atrasar o processo de diálogo, pois 2017 e 2018 seriam anos de consolidação dessas políticas.
“Se considerarmos que tanto a Seppir quanto a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) seguiam para o fortalecimento de orçamento e políticas públicas, a avaliação é muito negativa. Provavelmente 2017 e 2018 seriam anos de consolidação dessas políticas. Esse valor atual é praticamente para pagar funcionários, não é para implementar política, porque em um país continental como o nosso não tem como implantar política com isso. E talvez as coordenações nem consigam se sustentar com esse valor durante o ano todo. Que política você implementa com esses valores? Na verdade, faz eventos como balão de ensaio retardado, produzindo atividades que têm pouco ou nada a ver com políticas de fato. É um exemplo de como esse governo golpista veio para atrasar todo o processo de diálogo, a conquista de direitos das mulheres, da população negra, dos gays, transexuais, comunidades e povos tradicionais, a juventude negra, a trabalhadora doméstica, um conjunto de públicos que de uma forma ou de outra depende de políticas públicas oriundas dessas secretarias. Com isso, estão dizendo que não precisa de política para a população negra e para a mulher. E eles ainda acham que é muito. A tendência é diminuir.”
O acesso ao crédito rural é mais uma luta das mulheres. A partir dela foi incorporada ao Plano Plurianual do governo (PPA 2016-2019) a meta de “disponibilizar os meios para efetivar a contratação por mulheres rurais de pelo menos 35% das operações de crédito efetivadas e 20% do volume total de crédito acessado no âmbito do Pronaf”.
Mas isso está cada vez mais longe de acontecer. Dados do Banco Central mostram que, de 2013 até março de 2017, o Pronaf Mulher emprestou somente R$ 87 milhões. Isso representa 0,08% do total emprestado pelo Pronaf e 0,01% do total do crédito rural no país.
Alessandra Lunas, diretora de Mulheres Rurais da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), considera que é preciso rever os critérios de concessão de crédito.
“O Pronaf Mulher foi uma conquista da Marcha das Margaridas de 2004. Foi uma resposta do governo federal a nossa luta para que as mulheres rurais tivessem seu trabalho reconhecido e sua produção valorizada. Ter crédito específico também era, e ainda é, uma forma de ampliar e qualificar os produtos feitos por elas, aumentando a renda e a autonomia social e econômica dessas mulheres. Para muitas, ter renda própria é inclusive uma forma de romper com ciclos de violência doméstica e familiar. No entanto, a lógica do sistema bancário, que é a mesma da sociedade patriarcal, tem dificultado o acesso das mulheres, pois o limite de crédito é de todos os integrantes da família, e muitas vezes sobra muito pouco após o acesso do homem, ainda considerado chefe de família. É preciso rever os critérios de concessão de crédito, possibilitando às mulheres trabalhadoras rurais o acesso de forma autônoma, independente do que já foi obtido pelo marido ou outros integrantes da família. Na Marcha das Margaridas de 2015 propusemos que os limites de acesso sejam individualizados e que os créditos do Pronaf Mulher passem a ser considerados riscos da União.”
No orçamento público federal existe um programa orçamentário específico para as mulheres, com vários objetivos. Entre eles:
– Promover a autonomia econômica, social e sexual e a garantia de direitos, considerando as mulheres em sua diversidade e especificidades.
– Promover a transversalidade intra e intergovernamental das políticas para as mulheres e de igualdade de gênero, observando as diretrizes do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres.
– Ampliar e fortalecer o diálogo com a sociedade civil e com os movimentos sociais, em especial com os movimentos feministas e de mulheres, mulheres com deficiência, LBTs, urbanas, rurais, do campo, da floresta, das águas, de povos e comunidades tradicionais, de povos indígenas e dos distintos grupos étnico-raciais e geracionais.
– Ampliar a política nacional de enfrentamento a todas as formas de violência contra as mulheres, considerando sua diversidade e especificidades.
O programa já era frágil institucionalmente e, em termos de recursos, está hoje em situação ainda mais precária. Com a extinção da Secretaria de Políticas para Mulheres, o orçamento do programa foi para o Ministério da Justiça e Cidadania.
Em 2016, foram autorizados R$ 116 milhões para o programa e foram gastos somente R$ 83 milhões. Em 2017, o total autorizado é de apenas R$ 93 milhões.
Um exemplo claro do desmonte do programa é a ação orçamentária “atendimento às mulheres em situação de violência”. Em 2016, tal ação teve recursos de R$ 43 milhões e foram gastos irrisórios R$ 41. Em 2017, o total de recursos disponíveis foi reduzido para R$ 17 milhões.
O resultado disso é mais violência contra as mulheres, afirma Guacira Cesar, diretora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea).
“Esse corte revela o direcionamento antidireitos das mulheres por parte desse governo. Estamos vivenciando mais sofrimento entre as mulheres e também é perceptível o aumento da violência e de assassinatos.”
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Como o governo de homens brancos ataca as mulheres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU