11 Agosto 2016
Karina Batthyany é acadêmica da Universidade da República, Uruguai. Ela promoveu o debate no seu país para integrar o cuidado de crianças e adultos na agenda. Critica que seja uma atividade em grande parte feminina. A experiência uruguaia.
A entrevista é de Mariana Carbajal, publicada por Página/12, 08-08-2016. A tradução é de Evlyn Louise Zilch.
"O cuidado é um direito e o Estado tem de assumir a responsabilidade como garantia da prestação e regulamentação dos serviços", disse Karina Batthyany, professora titular do Departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade da República, Uruguai. Batthyany é uma das acadêmicas que impulsionou o debate em um país vizinho para integrar o cuidado na agenda pública e política. Passando por Buenos Aires, onde viajou para participar do Congresso da Associação Latino-Americana de Sociologia do Trabalho, que se realizou na UBA, conversou com o Página / 12 sobre a experiência uruguaia e maneiras de viabilizar que o cuidado de meninos e meninas nas famílias, dos dependentes idosos e pessoas com deficiência, não tenham as mulheres como a única alternativa. "Aqui está o núcleo fundamental da desigualdade de gênero", disse ela.
Ela disse que no Uruguai, entre outras medidas, a licença de paternidade foi ampliada e incorporou-se a possibilidade de que os homens trabalhem metade das horas no primeiro ano de vida do seu filho, com igualdade salarial.
Eis a entrevista.
Que impacto teve no Uruguai que esse cuidado entre na agenda pública?
Em primeiro lugar, o cuidado deixou de ser um problema individual para que cada uma de nós – e eu digo nós, porque sabemos que o cuidado é essencialmente femininos – respondamos como pudermos e de acordo com nossos recursos. Ao passar pelo âmbito público não é mais assim, como disse María de los Ángeles Durán "dentro de casa", mas o Estado tem de dar uma resposta. É a mesma discussão que uma vez ocorreu com o seguro desemprego: quando eu perco meu emprego, não é um problema individual, é coletivo e o Estado tem a obrigação de dar uma resposta. Não pode ser que a única alternativa de cuidado sejam as mulheres. Deve haver outras soluções.
Quanto as mulheres contribuem com seu trabalho não remunerado de cuidado ao PIB nacional de cada país?
Aproximadamente uma média de 20 por cento. Tem se feito exercícios de medição em diferentes países da América Latina, Uruguai, México, Colômbia, que, de acordo com a metodologia aplicada, varia entre 18 e 23 por cento.
Como isso afeta a vida das mulheres na divisão sexual do trabalho?
A divisão sexual do trabalho está na origem de tudo isso. Por isso justamente quem trabalha sobre este tema o faz a partir de uma perspectiva de gênero e feminista, porque acreditamos que aí está o núcleo fundamental da desigualdade de gênero. É evidente que há uma divisão primária no trabalho de homens e mulheres: a eles atribui-se esse papel na participação do mundo público e da provisão econômica, e às mulheres o espaço do privado, doméstico, de cuidados e da reprodução, como se disse acima. Você me dirá que isso já mudou. Felizmente mudou: em países como Argentina e Uruguai encontramos uma taxa elevada de trabalho feminino. Nós entramos no mundo público, mas os homens não se incorporaram à esfera privada, que ainda está principalmente nas mãos das mulheres. Todas as pesquisas de uso do tempo que têm sido feitos na região, em nossos países, mostram que: o trabalho doméstico, o trabalho não remunerado, continua em mais de 80 por cento nas mãos de mulheres. Os homens foram incorporados mas de uma forma muito pequena.
Que experiências existem no mundo das políticas públicas que têm incentivado que os homens participem de forma mais igualitária nos cuidados?
Existem cinco tipos de políticas de cuidados: as primeiras são políticas de tempo, as mais conhecidas são as licenças de paternidade, que propõem que o homem possa ter dias para o cuidado de seus filhos ...
Na Argentina permanecem dois dias para o nascimento, embora em alguns setores de emprego público, em alguns municípios e jurisdições de justiça, tem se expandido nos últimos anos.
No Uruguai se tem 10 dias. É pouco, mas melhor do que dois. A maior mudança que fizemos a esse respeito é que se reconhece ao homem o direito de meio período, como para as mulheres, por um período de tempo, que são os primeiros seis meses, e depois se estende para um ano, a partir do nascimento da criança.
Cobrando o mesmo salário?
Sim. Não se modifica o salário. Nos países europeus, principalmente nos nórdicos, existem muitas experiências neste assunto. São suficientes? Não, não são, mas são uma tentativa de mudança neste sentido. As segundas políticas que se tem executado com esse objetivo são aquelas que fornecem serviços, tais como a expansão das creches, em quantidade e cobertura de idade das crianças.
No Uruguai já foram incorporados os de 3 anos e está se pesando na oferta de serviços de 0 a 2 anos. A questão é que não seja um serviço que é acessível apenas para aqueles que podem pagar, mas que esteja disponível para todos. Também em relação ao cuidado do idoso, há uma gama diversificada, desde serviços diurnos, residenciais, assistentes pessoais. O terceiro tipo de políticas, são conhecidas como obrigações ou vouchers, são transferências de dinheiro que são dadas para cobrir o pagamento do jardim de infância, por exemplo, ou para você contratar uma pessoa para ser responsável pelo cuidado de um idoso dependente ou uma pessoa com deficiência.
Em relação a estes três tipos de políticas, de tempo, de serviços e de transferências, há mais experiência internacional e é o que está sendo implementado no Uruguai. Mas há duas outras políticas fundamentais para a questão de gênero. Por um lado, aquelas que têm a ver com a transformação cultural, que vão desde campanhas de sensibilização que visam mostrar que o cuidado também é um assunto masculino, até políticas nas escolas. Por outro lado, temos as políticas de capacitação e formação para aqueles que se encarregam dos cuidados: não podem ser empregos precários, devem gerar empregos que não sejam a última alternativa, com bons salários e pessoal especializado.
Em que fase está a implementação das reformas no Uruguai?
Em 2010 foi estabelecido por decreto presidencial um Sistema Nacional Integrado de Cuidados. Foram cinco anos de projeto e diagnósticos para começar a operar apenas em 2015. Este novo quadro regulamentar surge e deve ser esclarecido, em governos progressistas, de esquerdas. Vinha sendo discutido desde o primeiro governo da Frente Ampla e formaliza-se em um processo de reformas sociais mais amplas, que incluíram a saúde, segurança social, política fiscal – que permite que se tenham os recursos para implementar tais políticas de cuidados –, políticas de igualdade, um plano nacional de juventude e outro de mulheres.
O sistema tem três princípios constitucionais muito importantes que o definem. É reconhecido por lei que o cuidado é um direito – há um antes e um depois no Uruguai neste sentido –. A questão de gênero é incorporada no centro do sistema; na lei se clarificam os objetivos e um deles é alterar a divisão sexual do trabalho a partir de um sistema de maior igualdade de gênero. Propõe-se que seja universal, que todas as pessoas tenham acesso.
Então políticas são implementadas, que tenham a ver com o uso do tempo, licenças e uso de meio período para os pais. É progressivo. Prevê-se a extensão dos serviços de cuidados tanto para a primeira infância, como para os idosos e as pessoas com deficiência. Para crianças de 0 a 1 estabelecem-se casas de cuidados comunitárias, onde podem ser deixadas por algumas horas. Para os idosos dependentes há assistentes pessoais.
Qual a sua avaliação até este momento?
Há algumas reprimendas. Do ponto de vista do gênero, notamos com preocupação até onde realmente vai se conseguir envolver mais homens para a tarefa de cuidados, seja dentro das famílias ou no setor de novos empregos de cuidados. A experiência internacional mostra que, se o meio período é opcional, ou seja, que ele ou ela possam escolher se irão usufruí-lo ou não, geralmente o que acontece as mulheres é que continuam optando por ele. E no Uruguai, apesar das advertências que fizemos, no momento decidiu-se para que seja opcional. Nos países nórdicos, é obrigatório para ambos, se o homem não adere, perde. Fizemos um estudo sobre a aplicação da lei no Uruguai e vimos que é muito baixa a percentagem de homens que estão usufruindo: menos de 5 por cento dos potenciais usuários.
Que fatores favoreceram para que o tema pudesse ser discutido?
Formou-se uma tríade muito importante entre o governo – pela vontade política da FA e da decisão do presidente de que esta seria a política social por excelência neste período –, o setor acadêmico, que produziu conhecimento, e a sociedade civil, particularmente o movimento feminista e de mulheres, que mais tarde expandiu-se com atores de educação e saúde.
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“O núcleo da desigualdade de gênero”. Entrevista com Karina Batthany - Instituto Humanitas Unisinos - IHU