14 Março 2017
Na última edição eu iniciei uma reflexão sobre o estilo de Papa Francisco apresentando dois livros de natureza distinta, mas centrados no pensamento teológico do Papa. Não é possível em dois breves artigos resolver os muitos aspectos da teologia do Papa Francisco. Como passo mais adequado, acredito oportuno ilustrar algumas reflexões sobre a teologia moral.
O comentário é de Carlo Molari, teólogo, padre e ex-professor das universidades Urbaniana e Gregoriana de Roma, em artigo publicado por Rocca, Nº. 5, 01-03-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Vários artigos do volume de Misericordiae vultus. Il Giubileo di papa Francesco (O jubileu do papa Francisco - em tradução livre -; Enciclopédia Treccani: 2016), já apresentado brevemente, estão nesse âmbito.
No primeiro ensaio de caráter histórico sobre o Jubileu, Alberto Melloni aproveita a oportunidade para se concentrar em duas questões centrais nas escolhas de Francisco: "o conjunto de questões existenciais e teológicas ligadas à pobreza em todas as suas dimensões" (op.cit., p. 11) e problema da paz.
Giulia Grossi analisa o desenvolvimento da Misericórdia na pregação do Papa Francisco e em suas escolhas recentes. Louva a menção do Papa a seus antecessores sobre o mesmo tema e, em especial, a João XXIII, "como um ato de reforma" e a João Paulo II, como um ato de devoção. Mas conclui que “em Papa Francisco há algo novo: a transição de uma misericórdia proclamada ('pelas belas palavras') para uma misericórdia real, que é posta em prática na Igreja e que confere a esta, e também ao papado, uma estrutura específica. Também é revolucionário o anúncio de um Ano Santo extraordinário, pela primeira vez 'com tema'” (op. cit., p. 73).
Corrado Lorefice, arcebispo de Palermo, analisa a pobreza na esteira do Concílio Vaticano II (LG 8,3) "inexplicavelmente" não mencionado pelo Papa Francisco, que se refere, ao contrário, a Rafael Tello, a Paulo VI e ao documento final de Aparecida (ao qual o cardeal Bergoglio diretamente colaborou com a ajuda do teólogo argentino Lucio Gera). Interessante a nota que "após o Concílio, nenhum papa mencionou esse parágrafo da Constituição dogmática de Ecclesia que pede à comunidade cristã de reconhecer, acompanhar e servir como pobre o Cristo nos pobres. No entanto, o atual bispo de Roma, assimilou seu conteúdo mais profundo, assumiu toda a carga teológica e eclesiológica que ele contém, o ‘espírito’ que o anima; recuperou de forma eficaz os sinais e as palavras de tal perspectiva conciliar, devolvendo-lhe dignidade teológica e pedindo para inseri-la na pastoral ordinária das comunidades cristãs. Não ostenta citações vazias, demonstra uma recepção convicta e criativa do ‘espírito’ do Concílio, que agora exige uma rápida atuação" (op. cit., p. 91).
O teólogo Giuseppe Ruggieri examina a Exortação Apostólica do Papa Francisco Evangelii Gaudium, documento programático de todo o pontificado. Ele argumenta que, com Francisco, o Evangelho de Jesus, isto é, a anunciação do Reino de Deus que se aproxima, prevalece sobre o Evangelho relativo a Jesus. Ele está convencido, de fato, que, ao contrário do pontificado do Papa Roncalli, "os pontificados de Paulo VI, de Wojtyla e de Ratzinger (o de Luciani foi demasiado breve para possibilitar qualquer juízo) tenham sido dominados pela preocupação com o Evangelho sobre Jesus, em vez de Jesus".
Sublinha o fato de que "com o Papa Bergoglio está retornando com toda a força o primado da misericórdia e do Evangelho do amor de Deus, especialmente próximo aos pobres, aos sofredores, e aos pecadores" (op.cit., p. 119). Ruggieri identifica dois pontos centrais em torno dois quais orbitam os ensinamentos de Francisco: o Evangelho dos pobres e da perspectiva salvífica histórica "do magistério predominantemente pastoral sob o signo da misericórdia" (op.cit., p. 137).
Em relação ao estilo (ou método), ecoa a Alegria do Evangelho na "convicção da auto-evidência de uma fé vivida e sua expressão espontânea no testemunho" (p. 119).
As 54 páginas com que Massimo Toschi desenvolve a doutrina de Francisco da paz e da guerra iniciam evocando as razões para a escolha do nome. "E então chego a uma segunda razão para o meu nome. Francisco de Assis nos diz: trabalhai para edificar a paz !"(Discurso ao Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, 22 de março de 2013, citada na p. 155). "Não se trata mais de justificar uma guerra, de estabelecer as condições que a legitimam, mas de abraçar um novo horizonte religioso e espiritual, que muda a olhar dos crentes na história, que pede aos crentes para olhar para a história com os olhos de Deus, que pede para perdoar setenta vezes sete. O jubileu de misericórdia se torna o jubileu do perdão. A jornada espiritual dos crentes se torna o viver na história do Evangelho e nada mais" (op.cit., p. 209).
Giannino Piana, no volume acima mencionado dos três teólogos italianos Papa Francesco: quale teologia (Cittadella Editrice, Novembro de 2016), evoca a noção de estilo eclesial na busca do fundamento das escolhas éticas do Papa Francisco. Assim, ele esboça uma bem sucedida tentativa sistemática de apresentar as escolhas morais do Papa Francisco.
Ele escreve: "A educação moral ... é de fato primeiramente constituída pela assimilação de certas virtudes, que são transformadas em verdadeiros e próprio hábitos existenciais capazes de dar uma direção clara para os comportamentos; mas, mais radicalmente, para favorecer a aquisição de estilos de vida em conformidade com a lógica do Evangelho e orientados para a promoção humana" ( op.cit., p. 128).
As reflexões do moralista desenvolvem-se em duas frentes: a primeira é a busca do fundamento (o radicalismo evangélico no signo da misericórdia) e a segunda é o desenvolvimento de alguns aspectos concretos da vida humana (sociedade, economia, política, ambiente, família, sexualidade, bioética).
Piana identifica o fundamento do estilo de Francisco na "mediação entre a anunciação do radicalismo evangélico ao qual o crente não pode se subtrair, e o exercício da misericórdia para com si mesmo e para com os outros, como fruto da percepção da própria (e dos outros) condição de precariedade e de pecado" (op.cit., p. 129). Recorda, portanto, também o do estilo de vida pessoal do Papa como parte de sua mensagem: "o centro em torno do qual gira o anúncio do Papa Francisco (que também transparece no seu estilo de vida) é o retorno à radicalidade evangélica, o evangelho sine glossa de Francisco de Assis, e em especial o testemunho da pobreza "(op.cit., p. 129).
Mas o mais significativo é o fato de que o Papa Francisco atribua à dimensão ética da pessoa uma atenção toda especial "na medida em que rejeita uma interpretação da mensagem evangélica que a identifica com um sistema abstrato de verdades a serem aceitas e a considera como uma realidade viva, que envolve o homem como um todo, transformando-o desde seu interior e lhe confere uma orientação precisa para a sua conduta cotidiana" (op.cit., p. 128). Numa nota, ele ressalta a importância das homilias diárias de Santa Marta, "onde as leituras litúrgicas do dia, e em especial as páginas do Evangelho, são imediatamente relacionadas com aspectos fundamentais da experiência humana, extraindo lições valiosas para vida pessoal e social" (op.cit., p. 128 n. 2). A nota contém uma lista detalhada das virtudes mencionadas frequentemente pelo papa: "estas virtudes, que pontilham a experiência moral, quando relacionadas com certas situações existenciais, adquirem uma ressonância interior particular e impulsionam a modular, em novos termos, as próprias relações interpessoais e sociais" (op.cit., n. 3 p. 128 e seg.).
A conclusão é que "a teologia moral do Papa Francisco coloca-se... na esteira da tradição cristã mais genuína: o impulso para a radicalidade evangélica é, de fato, acompanhado por uma grande compreensão da fraqueza humana" (op.cit., p. 189).
O principal ponto a ser observado é o caráter positivo e alegre da proposta cristã. Ela "nos convida a crescer na fidelidade ao estilo de vida do Evangelho" e, portanto, deve "sempre indicar o bem desejável, a proposta de vida, de maturidade, de realização, de fecundidade, sob cuja luz se pode entender a nossa denúncia dos males que a podem obscurecer" (Evangelii Gaudium n. 168 citados p. 140 n. 16).
Os cristãos, portanto, apresentam-se na praça do mundo como arautos da alegria do Evangelho de Jesus. Na veste de discípulos "mais do que como peritos em diagnósticos apocalípticos ou juízes sombrios que se comprazem em detectar qualquer perigo ou desvio, é bom que nos possam ver como mensageiros alegres de propostas elevadas, guardiões do bem e da beleza que resplandecem numa vida fiel ao Evangelho" (Evangelii Gaudium 168 cit. p. 140 n. 16).
Separadamente, como uma conclusão (p. 188-191) e ápice de todas as reflexões, Piana considera o compromisso colocado pelo Papa Francisco para a construção de uma paz autêntica. Para a sociedade humana a urgência da paz implica na realização da justiça. Não podemos nos iludir: paz sem justiça é tirania e dominação de uns sobre os outros. Nessa área, também, mais do que proclamações e doutrinas valem os gestos, os encontros procurados, os diálogos perseguidos, com tenacidade, pelo Papa.
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As opções morais de Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU