10 Março 2017
O fato passou como um convite para cuidar também dos coabitantes, das uniões de fato. Falando a 300 párocos chamados a um seminário de formação sobre o novo processo matrimonial (Roma, 22 a 25 de fevereiro de 2017), o Papa Francisco convidou-os a acolher “aqueles jovens que preferem conviver sem se casar”. “Essas pessoas também são amadas pelo coração de Cristo. Tenham em relação a elas um olhar de ternura e compaixão.” Na realidade, a questão dizia respeito à aplicação das novas normas no processo de reconhecimento da nulidade matrimonial e, mais em geral, ao discernimento pastoral em relação à família.
A reportagem é de Lorenzo Prezzi, publicada no sítio Settimana News, 07-03-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como observou o cardeal C. Schönborn, o discernimento começa com um atento olhar sobre a realidade. “Trata-se, acima de tudo, de entender antes de julgar. Isso não significa renunciar à doutrina. Devemos apresentar o matrimônio e a família por aquilo que são, não privar o mundo de tal tesouro. Não é um ideal inalcançável, mas é necessário acolher uma família no ponto em que se encontra.”
O papa fez um discurso mais articulado sobre o discernimento aos párocos de Roma alguns dias depois (2 de março), articulando os temas da memória da fé, da esperança e do discernimento. Sobre esse último ponto, o primeiro grande passo a ser feito é o de “não se deixar enganar pelas forças do mal”, de resistir à tentação do “pessimismo estéril”.
O segundo passo é discernir “como concretizar o amor no bem possível voltado ao bem do outro. O primeiro bem do outro é poder crescer na fé”. A fé é o fundamento tanto de quem opera o discernimento, quanto de quem o pede. Ela cresce no processo. “Pode até parecer que, onde há fé, não deveria haver necessidade de discernimento: crê-se e basta. Mas isso é perigoso, especialmente se forem substituídos os renovados atos de fé em uma pessoa – em Cristo, nosso Senhor – por atos de fé meramente intelectuais”. O momento conceitual é necessário, mas a fé não é formulação abstrata. “O próprio da fé e da caridade é crescer e progredir, abrindo-se a uma maior confiança, a um bem comum maior.”
Algumas passagens evangélicas que dizem respeito à figura de Pedro tornam-se exemplificativas do que significa discernimento: “Alguns são os pensamentos que lhe vêm do seu próprio modo de ser; outros pensamentos lhe são provocados diretamente pelo demônio (pelo espírito malvado); e um terceiro tipo de pensamentos são aqueles que vêm diretamente do Senhor ou do Pai (do espírito bom)”.
Um exemplo do primeiro é o pedido de Pedro de caminhar sobre as águas e, mais ainda, o duplo nome que lhe diz respeito, Simão Pedro (Jo 1, 42): “Ter dois nomes o descentra. Ele não pode se centrar em nenhum deles... Manter-se Simão (pescador e pecador) e Pedro (pedra e chave para os outros) vai obrigá-lo a se descentrar constantemente para girar somente em torno de Cristo, o único centro”.
Um exemplo dos segundos pensamentos é a oração de Jesus a Pedro tentado. “A fé do Simão Pedro é examinada na tensão entre o desejo de ser leal, de defender Jesus, e o de ser o maior, e a negação, a covardia e o sentir-se o pior de todos” (Lc 22, 24-27 ).
Os terceiros pensamentos são o convite à amizade pessoal (Jo 21, 15-19): “Se é realmente amor de amizade, não tem nada a ver qualquer tipo de repreensão ou correção nesse amor: a amizade é a amizade, e é o valor mais alto que corrige e melhora todo o resto”. A indicação do discernimento é acompanhada por várias outras ênfases em ordem ao ministério presbiteral (cf. Siate preti, non funzionari [Sejam padres, não funcionários], Bolonha: EDB, 2016).
Como sacerdotes, “não podemos viver sem ter uma relação vital, pessoal, autêntico e sólida com Cristo. Quem não se alimenta cotidianamente com esse alimento vai se tornar um burocrata... A oração cotidiana, a participação assídua aos sacramentos, de modo particular à Eucaristia e à reconciliação, o contato cotidiano com a Palavra de Deus e a espiritualidade traduzida em caridade vivida são o alimento vital para cada um de nós. Que fique claro para todos nós que, sem ele, não podemos fazer nada” (Discurso à Cúria, 22 de dezembro de 2014).
“As pessoas amam, desejam e precisam dos seus pastores! O povo fiel não nos deixa sem um compromisso direto, exceto que alguém se esconda em um escritório ou vá pela cidade com os vidros fumês. E esse cansaço é bom, é um cansaço saudável. É o cansaço do sacerdote com o cheiro das ovelhas... mas com o sorriso de um pai que contempla os seus filhos e os seus netos... Se Jesus está apascentando o rebanho no meio de nós, não podemos ser pastores com a cara azeda, queixosos, nem, o que é pior, pastores entediados” (Missa Crismal, abril de 2015).
“A disponibilidade do sacerdote faz da Igreja a casa de portas abertas, refúgio para os pecadores, lar para aqueles que vivem na rua, casa de tratamento para os doentes, acampamento para os jovens, sala de catequese para os pequenos da primeira comunhão... Onde o povo de Deus tem um desejo ou uma necessidade, lá está o sacerdote que sabe ouvir e sente um mandato amoroso de Cristo que o manda socorrer com misericórdia aquela necessidade ou a sustentar aqueles bons desejos com caridade criativa” (Missa Crismal, 17 de abril de 2014).
“Devemos nos situar aqui, no espaço em que convivem a nossa miséria e a nossa dignidade mais alta. O mesmo espaço. Sujos, impuros, mesquinhos, vaidosos – é pecado de padres, a vaidade –, egoístas e, ao mesmo tempo, com os pés lavados, chamados e eleitos, com a intenção de distribuir os pães multiplicados, abençoados pelo nosso povo, amados e cuidados. Só a misericórdia torna suportável essa posição. Sem ela, ou nos acreditamos justos como os fariseus ou nos afastamos como aqueles que não se sentem dignos... O importante é que cada um se coloque nessa tensão fecunda em que a misericórdia do Senhor nos coloca: não somente de pecadores perdoados, mas também de pecadores aos quais é conferida dignidade” (Jubileu dos sacerdotes, 2 de junho de 2016).
“A alegria de Jesus, bom pastor, não é uma alegria para si, mas uma alegria com os outros e para os outros, a alegria verdadeira do amor. Essa é também a alegria do sacerdote. Ele é transformado pela misericórdia que dá gratuitamente... Caros sacerdotes, na celebração eucarística, encontramos, todos os dias, essa nossa identidade de pastores. Todas as vezes podemos tornar realmente nossas as Suas palavras: ‘Isto é o meu corpo oferecido em sacrifício por vós” (Festa do Sagrado Coração, 3 de junho de 2016).
“Far-nos-á muito bem recitar frequentemente a oração de Thomas More... ‘Dai-me, Senhor, o senso do bom humor. Concede-me a graça de compreender uma piada para descobrir na vida um pouco de alegria e para fazer com que os outros também façam parte dela” (Cúria, 22 de dezembro de 2014).
“Durante o tempo da homilia, os corações dos crentes fazem silêncio e deixam-No falar a Ele. O Senhor e o seu povo falam-se de mil e uma maneiras diretamente, sem intermediários, mas, na homilia, querem que alguém sirva de instrumento e exprima os sentimentos, de modo que, depois, cada um possa escolher como continuar a sua conversa” (EG 143). “O pregador deve também pôr-se à escuta do povo, para descobrir aquilo que os fiéis precisam de ouvir. Um pregador é um contemplativo da Palavra e também um contemplativo do povo” (EG 154).
É possível refazer as tentações que o Papa Francisco reconheceu aos seus colaboradores (Cúria, 22 de dezembro de 2014).
“Na piedade popular, por ser fruto do Evangelho inculturado, subjaz uma força ativamente evangelizadora que não podemos subestimar: seria ignorar a obra do Espírito Santo. Ao contrário, somos chamados a encorajá-la e fortalecê-la para aprofundar o processo de inculturação, que é uma realidade nunca acabada. As expressões da piedade popular têm muito a nos ensinar e, para quem as sabe ler, são um lugar teológico a que devemos prestar atenção particularmente na hora de pensar a nova evangelização” (EG 126).
O olhar sacerdotal permite “ver as pessoas na ótica da misericórdia, é aquilo que se deve ensinar a cultivar a partir do seminário e deve alimentar todos os planos pastorais... É preciso se deixar comover diante da situação das pessoas, que às vezes é uma mistura de coisas, de doença, de pecado, de condicionamentos impossíveis de superar, assim como Jesus que se comovia vendo as pessoas e os seus problemas... Curava, perdoava, dava alívio, repouso, fazia com que as pessoas respirassem um sopro do Espírito consolador” (Jubileu dos Sacerdotes, 2 de junho de 2016).
“Um anúncio renovado proporciona aos fiéis, mesmo aos mornos ou não praticantes, uma nova alegria na fé e uma fecundidade evangelizadora. Na realidade, o seu centro e a sua essência são sempre o mesmo: o Deus que manifestou o seu amor imenso em Cristo morto e ressuscitado. Ele torna os seus fiéis sempre novos; ainda que sejam idosos, ‘renovam as suas forças. Têm asas como a águia, correm sem se cansar, marcham sem desfalecer’ (Is 40, 31). Cristo é a ‘Boa Nova de valor eterno’ (Ap 14, 6), sendo ‘o mesmo ontem, hoje e pelos séculos’ (Hb 13, 8), mas a sua riqueza e a sua beleza são inesgotáveis” (EG 11).
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Francisco e os pastores: 11 características - Instituto Humanitas Unisinos - IHU