06 Janeiro 2017
No dia 22 de dezembro de 2016, o Papa Francisco concordou que os seus esforços por reformas no Vaticano vêm atraindo uma forte oposição: seja na forma de uma resistência aberta, apresentada num espírito de diálogo construtivo, seja na forma de uma resistência “oculta” e “malévola”, a qual, disse, “germina em mentes doentes”.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 22-12-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
No discurso anual à Cúria Romana, o pontífice apresentou uma visão geral de reforma para a administração central do Vaticano, delineando os valores que quer que a reforma incorpore e insistindo que os velhos padrões burocráticos tais como “promover para remover” devam chegar a um fim.
Francisco disse também que os seus esforços reformistas vêm atraindo forte oposição: seja na forma de uma resistência aberta, apresentada num espírito de diálogo construtivo, seja na forma de uma resistência “oculta” e “malévola”, a qual, disse, “germina em mentes doentes e aparecem quando o diabo inspira más intenções (muitas vezes disfarçadas sob pele de cordeiros)”.
No entanto, mesmo as resistências por motivos menos bons são “necessárias e merecem ser escutadas, acolhidas e encorajadas a expressar-se”.
Francisco denunciou uma atitude em relação à reforma no modelo do “gattopardismo” – referência a um romance italiano clássico, do qual a frase mais famosa é: “Algo deve mudar para que tudo continue como está”.
O pontífice propôs que mais fiéis leigos e mulheres sejam incluídos na força de trabalho vaticana, e também falou que quer ver os dicastérios se tornarem cada vez mais “multiculturais”.
Francisco sugeriu que mais departamentos vaticanos serão ou consolidados ou eliminados antes que a reforme seja concluída, e deu a entender que mais mudanças no departamento pessoal também estão por vir.
Na Sala Clementina, o papa discursou aos cardeais e outras autoridades eclesiásticas que compõem a estrutura de poder do Vaticano, recordando-lhes dos movimentos de reforma que foram feitos até então, tais como a criação dos dois novos superdepartamentos para a Família, os Leigos e a Vida, e para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, que trazem sob um mesmo teto vários órgãos antes independentes.
Francisco insistiu que o processo de reforma que vem fazendo desde que foi eleito em março de 2013 não tem uma finalidade meramente estética e “nem se pode entender como uma espécie de avivamento, maquilhagem ou truco para embelezar o velho corpo curial”, mas sim é um trabalho de purificação tanto administrativo quanto espiritual.
“Amados irmãos, não são as rugas que se devem temer na Igreja, mas as manchas!”, disse.
O pontífice contou aos cardeais e outras autoridades que reforma alguma terá sucesso sem o elemento da conversão pessoal, acrescentando sem rodeios que “a mudança das pessoas [para a reforma da Cúria] tem acontecido e acontecerá”.
O papa em seguida delineou doze critérios, ou valores, que, para ele, devem orientar a reforma vaticana.
“Volto a reiterar a importância da conversão individual, sem a qual serão inúteis todas as mudanças nas estruturas”, disse ele. “E um corpo saudável é aquele que sabe recuperar, acolher, fortificar, cuidar e santificar os seus próprios membros”.
Francisco insistiu que os membros Cúria Romana devem ter um forte instinto pastoral, a começar por aqueles com os quais se encontram no dia a dia, e que ninguém deveria se sentir “ignorado ou maltratado”. O trabalho da Cúria Romana, segundo disse, deve ser animado por uma espiritualidade de “serviço e comunhão”.
O fim ulterior de todo o trabalho da Igreja, afirmou Francisco, deve ser levar a boa nova a “todos os confins da terra”.
Francisco insistiu que deve haver uma divisão racional do trabalho dentro da Cúria, que cada departamento deve ter claramente definidas as responsabilidades e que “nenhum Dicastério pode atribuir-se a competência doutro Dicastério”.
Incorporar vários departamentos menores em um único dicastério, disse o papa, fortalece a capacidade de realizarem suas funções e lhes dá uma “maior relevância”, inclusive em termos exteriores.
Segundo o papa, os departamentos da Cúria Romana devem poder auscultar os “sinais dos tempos”, na linguagem do Concílio Vaticano II, e atualizar suas operações e departamentos pessoais conforme cada caso.
O pontífice falou que uma “simplificação e um aligeiramento” da Cúria são necessários, pondo-se alguns departamentos juntos e eliminando funções redundantes dentro deles. Sugeriu que algumas comissões, academias e alguns comitês podem, no entanto, ser suprimidos em conjunto.
Francisco sugeriu que as responsabilidades específicas de vários órgãos sejam reordenadas visando deixar claras as suas competências e alcançar a “autonomia, a coordenação e a subsidiariedade”. Nesse sentido, o papa confirmou a função tradicional da Secretaria de Estado do Vaticano como a ajuda “mais direta e mais imediata do Papa”.
Francisco propôs um espírito mais colaborativo entre os vários departamentos vaticanos, incluindo reuniões periódicas dos chefes de dicastério, presididas por ele próprio. O papa também disse que, tendo reduzido o número de departamentos, será possível realizar encontros mais frequentes e sistemáticos entre os diferentes prefeitos e o papa. Francisco insistiu que os dicastérios deverão evitar a fragmentação e a autorreferencialidade.
O papa disse que os departamentos vaticanos devem “refletir a catolicidade da Igreja com a assunção de pessoal proveniente de todo o mundo”, incluindo diáconos permanentes e fiéis leigos, especialmente mulheres, e que a força de trabalho do Vaticano deve ter uma particular atenção à “multiculturalidade”.
Francisco instou uma formação permanente do pessoal a ser adotada pelos dicastérios em suas áreas de responsabilidade profissional. Também pediu o arquivamento definitivo da prática do “promover para remover”. (A expressão em latim é “promoveatur ut amoveatur”.)
Francisco disse que a reforma envolve um discernimento, que inclui um período de “processo histórico, estipulação de tempos e etapas, verificação, verificação, correções, experimentação, aprovações ad experimentum” das mudanças. “Não se trata de indecisão, mas da flexibilidade necessária para se poder alcançar uma verdadeira reforma”.
Em seguida, o pontífice enumerou uma série de passos que já foram tomados, incluindo a revisão das estruturas financeiras vaticanas, a criação de uma nova Secretaria para a Comunicação, dois outros novos dicastérios recentemente formados, uma revisão do processo de anulação matrimonial e outros.
Em 2014, no discurso à Cúria Romana o Papa Francisco denunciou 15 “doenças espirituais” de que os burocratas vaticanos sofriam. No ano passado, listou o “catálogo das virtudes” que demonstravam.
O discurso à Cúria Romana é tradicionalmente considerado o começo informal do período de férias para o pontífice, que geralmente termina em 6 de janeiro com a festa da Epifania.
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Papa promete que reforma é real apesar de resistências - Instituto Humanitas Unisinos - IHU