Discurso da austeridade é infantilizador e caipira

Mais Lidos

  • O Papa Francisco desafiou os teólogos. Mas somos ousados o suficiente para responder? Artigo de Agbonkhianmeghe Emmanuel Orobator

    LER MAIS
  • Por um novo humanismo planetário. Artigo de Edgar Morin

    LER MAIS
  • A denúncia da ONU: “Os palestinos em Gaza vivem em total horror”

    LER MAIS

Newsletter IHU

Fique atualizado das Notícias do Dia, inscreva-se na newsletter do IHU


Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

19 Outubro 2016

"O Minotauro significou, aqui, as décadas perdidas da crise da dívida e da hiperinflação. O monstro segue no seu labirinto, impondo sacrifícios e disseminando a crença infantil de que o déficit será contido com decreto", escreve Mario Sergio Conti, jornalista, em artigo publicado por Folha de S. Paulo, 18-10-2016.

Eis o artigo.

Deputados da base do governo Temer comemoram a aprovação da PEC do Teto de Gastos

Mal rompe a manhã e os tenores da gerontocracia brasiliense gorjeiam a guarânia que o Brasil é uma família, deve gastar só o que ganhou. A charanga do eixo Leblon-Faria Lima repica então que é preciso pôr a casa em ordem. Apertemos o cinto, entoam todos, tenebrosos, todo santo dia.

Como o país não é apê nas Perdizes, a sua economia não tem nada a ver com a da padoca na esquina, e os brasileiros não são a Fat Family, o discurso da austeridade é infantilizador e caipira. O deficit fiscal virou boi da cara preta, pega essa menina que tem medo de careta.

Contra a mistificação ideológica há agora a imaginação mitológica de "O Minotauro Global" (Autonomia Literária, 300 págs.), livro no qual o touro fabuloso do rei Minos enfrenta o boi que entorpece o pensamento.

Seu autor, Yanis Varoufakis, analisa a austeridade na teoria e na prática. Porque tem formação (doutorou-se em economia e matemática e foi professor em Cambridge), militância (começou na social-democracia e elegeu-se deputado pelo Syriza) e experiência (foi ministro das Finanças da Grécia).

Para chegar à austeridade, ele parte da hecatombe de 1929. A seu ver, a grande crise não foi dirimida pelo incremento de obras públicas –o New Deal, nos EUA– e sim pela militarização geral da economia, bem como pela imensa destruição de forças produtivas na 2ª Guerra.

Ao final do conflito, Keynes propôs na conferência de Bretton Woods a criação de uma moeda internacional para transações financeiras. Foi vencido pelos vencedores da guerra, e o dólar virou a moeda mundial, lastreada pelo ouro. Em 1971, Nixon acabou com a referência ao ouro.

Surgiu então, sob a égide do dólar solto e do domínio americano, o Minotauro. A besta-fera combina num corpo dois déficits, o comercial e o fiscal. Comercial porque os EUA terceirizaram parte da produção. E fiscal porque o seu orçamento esteve aquém do orçamento do Estado.

A explicação para o monstrengo está numa rua, Wall Street. Porque, por mais terras que percorra, o capital vai sempre aonde rende mais. E Wall Street criou miríade de produtos financeiros –resseguros, hedges, hipotecas subprime, alavancagens várias.

Em 2008, esse edifício de dinheiro fictício revelou o seu âmago: papel. Varoufakis mostra que a explosão não se deu porque Wall Street estava desregulada, ou tivesse sido tomada pela ganância. Estourou porque o Minotauro da economia global funciona assim.

A conta foi encaminhada aos mais fracos –aos países da periferia europeia, que tomaram emprestado dos bancos; aos governos que cevaram déficits para preservar os ganhos dos donos da dívida pública. Austeridade neles.

O Minotauro significou, aqui, as décadas perdidas da crise da dívida e da hiperinflação. O monstro segue no seu labirinto, impondo sacrifícios e disseminando a crença infantil de que o déficit será contido com decreto.

Varoufakis perdeu a parada para a União Europeia. O Syriza capitulou e ele se demitiu do ministério. Participa agora de coalizão da nova esquerda europeia, que faz propostas para tirar o Velho Mundo do buraco.

É difícil que a esquerda latino-americana faça algo assim? Que ela se articule e elabore uma opção para o continente? É complicadíssimo. Mas a alternativa é crer nas cantigas de ninar dos austerocratas. Ou esperar um Teseu que, demagogo e oportunista, prometa matar o Minotauro em 2018.

Leia mais

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Discurso da austeridade é infantilizador e caipira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU