15 Fevereiro 2016
"Ao invés de resolver o problema da dívida pública, a austeridade a agrava. As contas públicas não se assemelham a um orçamento doméstico, cujo equilíbrio pode ser restaurado com “aperto dos cintos”. A importância do orçamento público é tamanha que a simples menção de que ele será cortado bruscamente muda a convenção das expectativas que influenciam o gasto privado, sobretudo em uma economia já em desaceleração", escreve Pedro Paulo Zahluth Bastos, professor da Universidade de Campinas (Unicamp), em artigo publicado por Carta Maior, 14-02-2016.
Eis o artigo.
A economia brasileira caminha para o abismo. As condições internacionais excepcionais que facilitaram a retomada do crescimento econômico a partir de 2004 mudaram bruscamente em 2008 e foram agravadas em 2011.
A economia brasileira desacelerava no primeiro governo Dilma até ensaiar um mergulho em 2014, o que exigia que se revertesse o aperto monetário executado desde 2013 e a perda de importância do investimento público desde 2011.
Ao invés disso, o governo reeleito optou por seguir a cartilha da oposição de direita e o jogral dos porta-vozes do mercado financeiro: a austeridade.
Essa cartilha exige juros mais altos e maior destinação de impostos para o pagamento da dívida pública, ao invés de devolvê-los na forma de transferências sociais, serviços e investimentos públicos. Segundo ela, o governo deve cortar gastos diversos para arcar com os custos de sua dívida (aumentar o “superávit fiscal primário”), que cresce por causa dos juros altos e da recessão.
O problema das contas públicas em 2014 foi gerado pela estagnação da economia e pelos subsídios públicos que não conseguiram estimular o gasto do setor privado. Se houve “gastança”, ela foi com isenções de impostos e contribuições trabalhistas para empresas que não reagiram como esperado e sim cortaram gastos, em parte por causa da própria desaceleração da demanda, em parte por causa das incertezas do processo eleitoral, em parte por causa da avalanche de importações provocada pela crise internacional.
Se os subsídios não estimularam o gasto privado, o corte do gasto público que caracteriza a austeridade vai muito menos. O principal risco para a sustentação do gasto privado se confirmou depois das eleições: o governo eleito optou pela austeridade em uma economia à beira da recessão.
Ao invés de resolver o problema da dívida pública, a austeridade a agrava. As contas públicas não se assemelham a um orçamento doméstico, cujo equilíbrio pode ser restaurado com “aperto dos cintos”. A importância do orçamento público é tamanha que a simples menção de que ele será cortado bruscamente muda a convenção das expectativas que influenciam o gasto privado, sobretudo em uma economia já em desaceleração.
Por isso, o aumento radical da incerteza, a contração brusca do gasto público e a elevação de impostos resulta em queda das próprias receitas tributárias ao provocar uma recessão dos gastos privados e, portanto, da economia como um todo.
A recessão e os juros elevados, por sua vez, aumentam o peso da dívida pública na renda nacional. Ou seja, a austeridade produz exatamente aquilo que pretende evitar.
O Manifesto de Economistas pelo Desenvolvimento e pela Inclusão Social, apresentado em novembro de 2014, já alertava o governo eleito que esse tipo de austeridade deprimiria o consumo das famílias e os investimentos privados, levando a um círculo vicioso de queda na arrecadação tributária, menor crescimento econômico e maior carga da dívida pública na renda nacional.
A realidade da austeridade foi ainda pior do que imaginávamos. Ao contrário da massiva propaganda de economistas ortodoxos asseverando que a austeridade recuperaria a confiança empresarial supostamente prejudicada pelo aumento limitado da dívida pública até 2014, a confiança despencou à medida que a virada para a austeridade ampliou a incerteza e contraiu a demanda efetiva.
Pior, o esforço de propaganda calou sobre a existência de um consenso internacional, mesmo em periódicos científicos ortodoxos, que um governo não consegue poupar através de cortes de gastos quando uma economia caminha para recessão ou então a aprofunda severamente. Hoje, os maus conselheiros da austeridade garantem que a fada da credibilidade só vai operar milagres depois que o povo brasileiro aceite cortes permanentes de direitos sociais consagrados na Constituição Cidadã de 1988. Era esse seu objetivo inicial?
Não há alternativa! Esse é o lema para impor a austeridade aos trabalhadores desde que Margaret Thatcher o declamou na década de 1970.
Há alternativa sim. Austeridade para quem? Essa é a pergunta cuja resposta precisamos dar e, principalmente, mudar.
Ainda é tempo de defender, de fato, mais mudanças. O conjunto de artigos reunidos no livro “Austeridade para quem? Balanço e Perspectivas do Governo Dilma Rousseff”, organizado por Luiz Gonzaga Belluzzo e Pedro Paulo Zahluth Bastos, editado pela Carta Maior e pela Fundação Friedrich Ebert, aponta na direção de uma saída da crise voltada à retomada do desenvolvimento inclusivo, com justiça social, soberania nacional e eficiência produtiva.
Organizadores
Luiz Gonzaga Belluzzo e Pedro Paulo Zahluth Bastos
Autores
Alexandre de Freitas Barbosa
Ana Carolina Cordilha
Antônio Carlos Diegues
Bruno De Conti
Carlos Pinkusfeld Bastos
Celia Lessa Kerstenetzky
Celso Amorim
Clemente Ganz Lúcio
Fernando Augusto Mansor de Mattos
Fernando Maccari Lara
Fernando Rugitsky
Júlio Gomes de Almeida
Ladislau Dowbor
Laura Carvalho
Leda Maria Paulani
Lena Lavinas
Luiz Fernando de Paula
Luiz Gonzaga Belluzzo
Marcio Pochmann
Maria de Lourdes Rollemberg Mollo
Paulo José Saraiva
Pedro Paulo Zahluth Bastos
Pedro Rossi
Rosa Maria Marques
Samuel Pinheiro Guimarães
Tarso Genro
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Austeridade para quem? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU