18 Outubro 2016
"É pena que as religiões que deveriam educar a humanidade no caminho da paz falharam", escreve Marcelo Barros, monge beneditino, escritor e teólogo brasileiro.
Eis o artigo.
A notícia surpreendente que o mundo recebeu nesse mês de outubro veio da Colômbia. Foi o resultado do referendo no qual o governo colombiano consultou o povo sobre se aprovava o acordo de paz entre governo e a guerra promovida pela FARC. Essa guerra civil devastou o país durante cinquenta anos. Causou quase oito milhões de mortos, além de um número não sabido de feridos, desaparecidos, refugiados em outros países e todos os tipos de problemas sociais que a guerra provoca.
Para surpresa do mundo, no primeiro domingo desse mês, a maioria do povo da Colômbia respondeu pelo Não ao acordo de paz assinado pelo governo e guerrilheiros, com a mediação da ONU e do presidente de Cuba que acolheu os representantes dos dois lados para discutir o acordo. Aparentemente, um absurdo. Todas as pessoas razoáveis diziam que qualquer acordo de paz, mesmo o mais defeituoso e problemático, é melhor do que a guerra. No entanto, o povo sofrido não viu assim. Parece que grande parte da população votou influenciado por grupos milionários, interessados na venda de armamentos e nos espólios de guerra. Grupos tradicionalistas insistiram em que a paz só pode ser feita com punição mais severa dos guerrilheiros e de todos os que cometeram crimes. Igrejas pentecostais pregaram o Não com medo de que a FARC, transformada em partido político, vote em bandeiras morais consideradas contrárias à família tradicional cristã. Provavelmente, outros, minorias, votaram que não haverá paz enquanto essa não for baseada na justiça como promoção de vida e dignidade para todos. Concretamente, na Colômbia, sem uma reforma agrária ampla e que garanta aos lavradores o direito à terra, nunca poderá haver paz.
Nessa semana, o mundo festeja o aniversário da fundação da ONU (24 de outubro). Internacionalmente, é uma data consagrada ao desarmamento, problema que vai desde a violência nossa de cada dia nas cidades de todo o mundo até o problema imenso das armas nucleares, estocadas em vários países. No mundo inteiro, a cada dia, as armas leves e de uso pessoal produzem mais mortes e sofrimentos para as famílias do que todas as guerras do mundo. Quanto às ogivas nucleares, conforme a ONU, hoje, no mundo ainda existem mais de 26 mil mísseis nucleares prontos para ser acionados e detonar todo o planeta em questão de segundos.
No Brasil, mesmo em meio à violência que, no país tem aumentado, as pesquisas revelam que o desarmamento tem colaborado para diminuir o número de assassinatos e acidentes fatais no dia a dia dos brasileiros. Conforme o jurista Dalmo Dallari, “a partir do programa de desarmamento, posto em prática nos últimos dez anos, pelo governo federal, vem ocorrendo expressiva redução de homicídios no Brasil. Hoje se sabe que os crimes e massacres que, quase a cada semana, aparecem na televisão são, em geral, cometidos com armas que entram no país legalmente e posteriormente passam às mãos de traficantes e bandidos.
Os terremotos têm epicentro e são provocados por alguma falha tectônica no mais profundo da terra. Assim também a violência tem razões circunstanciais, mas se fundamenta em uma cultura de desamor. Essa só pode ser vencida por uma educação para a paz, um cuidado de compreensão mútua nas relações humanas, assim como no exercício da gestão social da sociedade. O desarmamento do mundo não se fará sem que se instaure nas pessoas um desarmamento moral e cultural. É urgente substituir a cultura da concorrência e da competição pela colaboração e convivência afetuosa.
É pena que as religiões que deveriam educar a humanidade no caminho da paz falharam. Quase todas elas têm uma profunda dívida moral com a humanidade. As Igrejas cristãs legitimaram impérios conquistadores da Europa e mais recentemente da América do Norte. Embora sempre tenham pregado o amor ao próximo, as Igrejas conviviam tranquilamente com as desigualdades sociais e as discriminações de vários tipos. Até hoje, muitos grupos cristãos não vêem nenhuma contradição em pregar o amor e a paz e continuar mergulhados em uma cultura de valorização do poder.
Atualmente, as diversas religiões colaboram com a paz e o desarmamento através da busca do diálogo inter-cultural e inter-religioso. Há um mês, o Papa Francisco reuniu em Assis 500 representantes das mais diversas religiões para orar pela Paz. Ele salientou que o fato do mundo ser pluralista e diversificado não é negativo. A unidade pode conviver com as nossas diferenças. É preciso que esse modo aberto e convivial de viver a fé aconteça nas comunidades e também no modo de ser de cada pessoa.
Na carta aos romanos, São Paulo diz que existe um modo de crer que não leva à justiça. Muitos ainda pensam assim. Para Paulo, essa forma de fé não corresponde ao projeto divino. Essa fé desligada da vida pode ser religiosa, mas não é espiritual. O plano de Deus para o mundo significa a retomada de uma aliança divina que renova a criação. Como Deus soprou sobre Adão para insuflar nele o espírito de vida, Jesus ressuscitado sopra sobre os discípulos e sobre o universo, dando a todos e a tudo o seu Espírito que torna as pessoas irmãs umas das outras, no caminho da paz e da comunhão com a natureza. A cada dia, Deus refaz no mundo uma nova criação e cada ser vivo é sinal e reflexo do amor divino.
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Novos desafios para a Paz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU