30 Agosto 2016
Temos que concordar: o Papa Francisco é o líder da Igreja Católica, mas não há dúvidas de que ele reserva um lugar especial em seu coração para o seu país natal, a Argentina. Três futuros santos, todos próximos e queridos por ele, ilustram as qualidades que o pontífice admira nos padres, nas freiras e nos leigos.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 25-08-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
É um fato bem conhecido que, embora seja o líder da Igreja universal, o Papa Francisco reserva um lugar especial em seu coração para o seu país de origem, a Argentina, algo que às vezes fica evidente quando ele profere comentários de improviso, em que cita algumas experiências pelas quais passou em Buenos Aires e em outras regiões do país.
Muito embora não querendo pular etapas, dispensando os milagres geralmente exigidos para a canonização, o que ele fez em alguns casos, o apoio de Francisco a três candidatos à santidade argentinos pode facilmente ser interpretado como um reflexo das qualidades que ele espera ver em padres, em religiosos/as e em leigos/as.
Normalmente chamado de “o padre gaúcho”, Brochero será declarado santo pelo Papa Francisco em 16 de outubro.
Existem outros beatos argentinos, ou seja, outros candidatos que estão à espera de um caso de intercessão milagrosa para se tornarem santos. Brochero foi o último a ser reconhecido como tal, em setembro de 2013, e será o primeiro a ser canonizado.
Durante cinco décadas no final do século XIX e início do século XX, esse sacerdote rodou pela Província de Córdoba montado sobre uma mula, construindo escolas católicas e abrindo estradas entre as montanhas.
Brochero representa a ideia do papa sobre o que vem a ser um bom padre: “Um pastor que tem o cheiro de suas ovelhas”.
Brochero atendeu os doentes durante a epidemia de cólera em 1867, e depois ele próprio contraiu a lepra. Ainda que não exista nenhum registro formal nesse sentido, alguns analistas afirmam que ele contraiu a doença ao tomar mate com pessoas já adoecidas.
Em junho passado, enquanto conduzia um retiro para padres da Diocese de Roma, Francisco falou sobre Brochero em duas ocasiões. Nas últimas das três meditações que conduziu naquele dia, o papa convidou os sacerdotes a serem misericordiosos, dizendo que ser assim não ser “um modo de vida”, mas “o modo de vida”.
Citou o futuro santo para sustentar esse ponto de vista: “O sacerdote pouco piedoso com os pecadores é apenas um meio sacerdote. Estas vestes que estou usando não são o que me faz um padre; se não tenho caridade em meu coração, sequer sou cristão”.
Numa meditação anterior, Francisco deu alguns exemplos de santos que, ao longo da história, haviam sido misericordiosos: os apóstolos Pedro, Paulo e João, Santo Agostinho (Doutor da Igreja), São Francisco de Assis (fundador da Ordem dos Franciscanos), Santo Inácio de Loyola (fundador da Companhia de Jesus, os jesuítas) e Brochero, um humilde padre diocesano.
Mais conhecida como “Mama Antula”, Paz y Figueroa será declarada beata no sábado, 27-08-2016, tornando-se a terceira argentina a chegar no penúltimo estágio antes da santidade.
O papa diz que existe a necessidade de haver mais mulheres em cargos decisórios dentro da Igreja, ao mesmo tempo ele teme que elas possam acabar se clericalizando. O pontífice vem pedindo também que os religiosos e religiosas trabalhem unidos.
Mama Antula fez tudo isso, e muito mais.
Nascida em uma família rica em 1760, aos 15 anos decidiu que queria dedicar sua vida a Deus. Uma vez que não havia irmãs na Argentina que não fossem enclausuradas, ela vestiu um a roupa preta e viveu com outras mulheres numa pequena comunidade, orientada pelo padre jesuíta Gaspar Juarez.
Na época, as mulheres que faziam isso eram chamadas de “beatas”. Embora seja frequentemente descrita como uma freira, o sítio eletrônico dedicado à sua causa de santidade descreve-a como leiga consagrada.
Em 1767, sob as ordens do rei da Espanha, mais de 2.600 jesuítas foram expulsos dos territórios espanhóis no continente americano. Após isso, Mama Antula assumiu como sua missão manter viva a espiritualidade inaciana, organizando retiros espirituais em toda a região.
Um bispo da época é citado pela revista jesuíta Civiltà Cattolica dizendo: “Os jesuítas foram expulsos, mas não o seu espírito. Nunca, como na época de Mama Antula, os Exercícios Espirituais de Santo Inácio foram o alimento sólido e fortalecedor das massas”.
A religiosa caminhava, de pés descalços, de uma cidade a outra, apresentava-se às autoridades, recebia autorização para organizar os Exercícios, encontrava um padre disponível a pregar em um retiro de dez dias, conseguia um lugar onde realizá-los e alimentos para até 400 pessoas que participavam destes momentos de formação.
Em alguns casos, ela caminhava mais de 800 milhas que dividem Santiago del Estero, onde morava, de Buenos Aires. “Eu gostaria de caminhar para onde Deus não é conhecido e, aí, torná-lo conhecido”, dizia ela.
Sempre que ouvia um não, como o fez o vice-rei em Buenos Aires num primeiro momento, ela insistiria até receber uma luz verde, convencida de que estava fazendo um trabalho para Deus. Ela não desafiaria as ordens das autoridades, fossem elas eclesiásticas ou civis, mas tampouco baixava a cabeça diante de uma negativa.
Segundo o sítio eletrônico oficial da canonização, uma das frases que a orientou ao longo da vida é: “A paciência é boa, mas a perseverança é ainda mais”.
Durante os quatro primeiros anos em Buenos Aires, a religiosa organizou retiros em massa tanto para “la crème de la crème” da vice-realeza do Rio de la Plata como para os mais pobres entre os pobres. Estima-se que 15 mil pessoas tenham participado dos retiros, numa época em que a cidade possuía menos de 40 mil habitantes.
As cartas que mandou a vários padres jesuítas, bispos locais e freiras carmelitas na França foram traduzidas ao latim, francês, inglês, alemão e russo. Em 1791, elas acabaram sendo publicadas em um artigo intitulado “O padrão da mulher forte”.
Em carta enviada a um companheiro argentino em 2013, que havia escrito ao Papa Francisco para enviar-lhe materiais sobre Mama Antula, lê-se: “Eu também desejo que María Antonia de Paz y Figueroa seja beatificada em breve e, para isso, eu já fiz alguns esforços na Congregação para a Causa dos Santos”.
A causa para a sua canonização foi enviada ao Vaticano em 1905, sendo este o primeiro caso de um cidadão argentino proposto à santidade. Mais de 100 anos depois se passaram para que o Vaticano respondesse: foi somente em 2010, sob o pontificado do Papa Bento XVI, que ela foi de fato considerada “venerável”.
María Antonia de Paz y Figueroa será oficialmente beatificada no sábado em uma cerimônia conduzida pelo cardeal italiano Angelo Amato, prefeito da Congregação para a Causa dos Santos.
No dia seguinte, Amato irá viajar a Buenos Aires onde irá celebrar uma segunda missa em homenagem a um argentino que é também candidato a santo: o Venerável Enrique Shaw, empresário e pai de nove.
Sua causa é bem posterior à de Mama Antula, no entanto o pontífice já se referiu a ele como santo.
Falando à rede de tevê mexicana Televisa em 2015, o papa disse sobre Shaw: “Eu conheço pessoas ricas, e estou levando adiante uma causa de beatificação na Argentina, uma beatificação de um empresário rico”.
“Enrique Shaw era rico, ao mesmo tempo piedoso”, declarou o papa. “Uma pessoa pode ter dinheiro. Deus dá para que a pessoa possa administrá-lo bem, e esse homem administrou bem o dinheiro. Ele não administrou com paternalismo, mas sim fomentando o crescimento pessoal das pessoas que precisavam de ajuda”.
Se for, de fato, canonizado, Shaw será o primeiro empresário a ser declarado santo desde São Homobonus, mercador italiano do século XII, padroeiro dos empresários, alfaiates, sapateiros e trabalhadores do setor têxtil.
Shaw nasceu em 1921 em uma família rica. Juntou-se à marinha em idade jovem e acabou alcançando vários postos de chefia nas empresas da família, com a intenção de promover – e pôr em prática – o ensino social católico. Morreu em 1961 de câncer.
O processo para declarar a santidade de Shaw faz notar a preocupação que ele tinha com os 3 mil funcionários de uma empresa chamada Rigolleau Glassware, administrada por ele, bem como a alegria e a firmeza com que educou os seus nove filhos.
O candidato a santo criou um fundo de pensão e um sistema de saúde para os funcionários, buscando fornecer-lhes apoio médico, suporte financeiro em caso de doença e empréstimos para eventos importantes como o casamento, o nascimento e morte, muito antes que os benefícios sociais existissem no país.
Fundou a Associação Cristã de Executivos. Também esteve entre os fundadores da Universidade Católica da Argentina e do Movimento Familiar Cristão, assim como foi o presidente da Ação Católica Argentina.
As histórias a respeito de sua preocupação com os empregados são abundantes, mas poucas são tão marcantes quanto esta: quando estava perto de morrer, pediram que aos trabalhadores da fábrica que doassem sangue. Mais de 260 se prontificaram a doar.
Após a sua recuperação, Shaw disse que estava feliz porque “eu sempre quis ter o sangue dos trabalhadores”.
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Futuros santos argentinos revelam o pensamento do papa sobre sacerdotes, freiras e leigos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU