09 Agosto 2016
Com mais de cem anos de atraso, o governo alemão finalmente reconhecerá a sua culpa para aquilo que muitos historiadores classificaram de "Auschwitz Africano", o genocídio cometido na Namíbia algumas décadas antes do Holocausto. O Ministério das Relações Exteriores alemão está trabalhando em uma declaração conjunta com o governo namibiano que incluirá, pela primeira vez, o pedido oficial de desculpas de Berlim pelo extermínio de cerca de cem mil membros das tribos Herero e Nama, que se rebelaram contra o domínio alemão na região entre 1904 e 1907.
A reportagem é de Riccardo Michelucci publicada por "Avvenire", 05-08-2016. A tradução é de Fernanda Pase Casasola.
No entanto, a Alemanha descartou, antecipadamente, o reconhecimento de qualquer forma de indenização aos descendentes das vítimas, explicando que os males sofridos pela população foram amplamente recompensados com anos de ajuda econômica destinada à Namíbia. Uma primeira abertura nesse sentido já tinha ocorrido cerca de dez anos atrás, quando a ex-ministra Heidemarie Wieczorek-Zeul viajou à Namíbia por ocasião do centenário da decisiva batalha de Waterberg. Naquele momento, pela primeira vez, um funcionário do Estado alemão pediu desculpas aos africanos pelos eventos ocorridos no início do século XX, falando claramente de "genocídio". Além disso, já em 1985, o relatório Whitaker das Nações Unidas incluiu abertamente o extermínio das tribos Herero e Nama entre os primeiros atos genocidas do século XX. O governo liderado por Angela Merkel decidiu agora agilizar o reconhecimento oficial, com um ritmo diferente do que é normalmente praticado. Algumas semanas atrás, o Bundestag, a câmara baixa do parlamento alemão, votou quase que por unanimidade uma resolução reconhecendo o genocídio da população armênia pela otomana em 1915, provocando forte reação da Turquia, que imediatamente retirou seu embaixador de Berlim.
O presidente turco, Erdogan, acusou os alemães de hipocrisia a respeito dos massacres cometidos na Namíbia alguns anos antes do Metz Yeghern, como é denominado o genocídio armênio. Antes de condenar outros países, a Alemanha deve lidar com o seu passado, disse Erdogan, cujos argumentos pareceram, pelo menos uma vez, convincentes, pelo menos para os historiadores. Daí a necessidade imediata de Berlim apagar de uma vez por todas os fantasmas de um crime distante e quase remoto, afastando as controvérsias e qualquer paralelo possível com o genocídio armênio.
Até porque, se é verdade que a fria contabilidade das duas tragédias é bastante diferente, a dinâmica e a brutalidade com as quais foram perpetradas parecem drasticamente idênticas. À época dos fatos, a Namíbia era o carro-chefe das colônias alemãs, governada por um regime rigoroso que incluía trabalhos forçados, escravidão, violência e confisco de terras e de gado. Em janeiro de 1904, a revolta eclodiu da tribo dos hererós. Duzentos colonos alemães foram mortos, provocando a reação de Berlim, que enviou um novo governador decidido a reprimir a revolta qualquer fosse o meio.
O General Lothar von Trotha deu um ultimato: todos os membro da tribo dentro das fronteiras alemãs - independentemente da idade e da participação ou não na revolta - seriam eliminados sem piedade. Em pouco tempo, as tropas de von Trotha, armadas com armas e metralhadoras, aniquilaram a frágil resistência africana e massacraram todos em seu caminho, envenenando rios e córregos. Nos meses seguintes, eram incontáveis as aldeias arrasadas, os enforcamentos em massa, os massacres e a violência gratuita que seguiam um roteiro que seria recitado, em breve, também pelos turcos contra os armênios e pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial.
Em três anos, as tropas alemãs eliminaram 85% da população Herero, confinando os poucos sobreviventes em reservas para usá-los como escravos. Centenas de vítimas foram decapitadas e seus crânios enviados à Alemanha para "investigação científica" e experiências para demonstrar a superioridade da raça ariana. No campo de concentração da ilha Shark, o antropólogo Eugen Fischer conduziu experiências médicas em cobaias humanas, às quais também contribuiu o antropólogo italiano Sergio Sergi, autor de um estudo intitulado, eloquentemente, Craniologia Hererica.
Fischer, mais tarde, tornou-se um proeminente cientista da eugenia nazista e teórico das leis raciais, enquanto um dos seus discípulos mais promissores - Josef Mengele - entraria para a história como o carrasco de Auschwitz.
Alguns anos mais tarde, bem antes das resoluções das Nações Unidas esclarecerem a natureza genocida da intervenção alemã na Namíbia, Hannah Arendt designou, claramente, que o massacre dos hererós foi, de certo modo, a "premissa" do Holocausto: "A destruição dos povos coloniais foi uma preparação ao Holocausto - escreveu a grande filósofa em As Origens do Totalitarismo de 1951 -, os acampamentos e os enforcamentos em massa dos hererós, um imenso e infernal treinamento para os campos de concentração nazistas; os mesmos sobrenomes dos protagonistas, os mesmos métodos; as vítimas africanas entre os mortos”. Não por acaso, o primeiro governador da colônia africana foi Heinrich Göring, pai de Hermann Göring, que mais tarde se tornou o braço direito de Hitler.
Em 1990, depois de décadas de guerras internas, a Namíbia finalmente alcançou a independência e hoje tem uma economia em rápido crescimento que se beneficia da riqueza das jazidas de diamantes, do turismo e da energia renovável. Mas, até hoje, os descendentes dos povos nativos expulsos de suas terras ameaçam periodicamente recuperá-las à força. Em 2001, a associação para o ressarcimento ao povo Herero moveu uma ação perante os tribunais norte-americanos pedindo ao governo de Berlim e às empresas alemãs, presentes à época na Namíbia, milhões de dólares que dificilmente conseguirão obter. Mas o reconhecimento oficial do genocídio irá contribuir, pelo menos em parte, para fazer justiça às vítimas.
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Namíbia O primeiro genocídio do século XX - Instituto Humanitas Unisinos - IHU