28 Junho 2016
Em meados dos anos 70, um padre recém-ordenado percorreu o campo cubano e desafiou o governo comunista distribuindo panfletos religiosos impressos à mão para as pessoas corajosas o suficiente para abrir as portas de suas casas.
No auge do sentimento antirreligioso de Cuba, o homem, conhecido como Pai Juanito, foi tolerado graças ao seu modo de fala mansa e vontade inflexível, dizem os que viram sua ascensão. Seus admiradores dizem que sua personalidade veio a calhar quando ele se tornou bispo da cidade oriental de Camaguey e tentou alcançar os pobres, providenciando assistência a mulheres grávidas carentes e desviando procissões religiosas das principais ruas da cidade para os bairros mais humildes.
A reportagem é de Andrea Rodriguez, publicada por Washington Post, 27-06-2016. A tradução é de Luisa Flores Somavilla.
"Ele é um trabalhador incansável, e não atua em locais confortáveis, mas sim nos mais difíceis e complicados", disse Maribel Moreno, secretária e arquivista da Arquidiocese de Camaguey por duas décadas.
Em mais de uma dúzia de entrevistas, quem conhece Juan de la Caridad Garcia diz esperar que ele transforme a Igreja Católica cubana durante seu novo posto como Arcebispo de Havana, que Juan assumiu no mês passado. Depois de três décadas com o cardeal Jaime Ortega, um diplomata competente que estava confortável com seu posto no poder, a instituição não-governamental mais importante de Cuba está sendo liderada por um homem cujo foco é a reconstrução da relação da Igreja com os cubanos comuns.
Ortega construiu relações mais próximas entre a Igreja e o governo cubano, o que garantiu uma importante autonomia à Igreja. Ele inclusive ajudou nas negociações entre Estados Unidos e Cuba, levando uma mensagem papal secreta de Havana a Washington. O cardeal participou de recepções diplomáticas em Havana e eventos culturais de gala com altos funcionários do governo. Além disso, concedeu entrevistas para a televisão em canais cubanos e internacionais e falou nas principais universidades no exterior.
Quando o Papa Francisco nomeou Garcia para liderar a Arquidiocese de Havana, em abril, a Conferência Cubana de Bispos Católicos destacou a "simplicidade de vida, dedicação apostólica, oração e vida de virtudes" de Garcia.
"O grande esforço e o clima serão eminentemente pastorais, embora assuntos diplomáticos e políticos também possam aparecer", afirmou o padre Ignacio Zaldumbide, um amigo desde que eram estudantes universitários e seminaristas.
O foco pastoral de Garcia ficou evidente em um domingo recente, quando ele deixou a grande Catedral de Havana para celebrar a missa na Capela de São João Batista, na pequena cidade de Jaruco, na província central de Mayabeque. Ele distribuiu doces para as crianças e brincou com os fiéis sobre como alguns moradores da cidade se preocupam mais em beber do que com a religião e iam à igreja uma vez a cada 40 anos.
"Obviamente, há muitas coisas para trabalhar, muitos lugares para espalhar a Palavra, mas eu não precisarei começar do zero. Os bispos anteriores e o Cardeal Jaime Ortega fizeram muito", disse Garcia à Associated Press depois da missa. "A Igreja vive o Evangelho, anuncia o Evangelho e denuncia o que está errado para que o progresso aconteça".
Seu antecessor foi criticado por dissidentes e cubano-americanos anti-Castro por exaltar conquistas da revolução cubana e manter uma relação pacífica com o governo, mesmo enquanto ajudava a negociar a libertação de prisioneiros, incluindo presos políticos. Com a aposentadoria, Ortega viverá em um antigo seminário, em Havana Velha, onde alguns analistas acreditam que ele será o principal emissário da Igreja ao governo cubano durante algum tempo, já que Garcia tende a agir em conjunto.
No entanto, as responsabilidades são divididas, e Garcia disse que não pretende mudar a abordagem da Igreja em relação ao governo.
"Eu acho que o Cardeal fez muita coisa boa", acrescentou. "Há uma imagem um pouco negativa dele em alguns lugares e isso não corresponde à verdade. Eu continuarei o que ele fez."
Juan Garcia disse que concorda com a visão do governo de reforma gradual em Cuba, que está abrindo a sua economia lentamente à iniciativa privada e dando aos cubanos algumas novas liberdades pessoais dentro de um sistema de partido único criticado como o último governo não-democrático da América Latina.
A Igreja não deseja "o capitalismo ou qualquer coisa do tipo, mas sim que o socialismo progrida em uma sociedade justa, igualitária e fraterna", disse o novo arcebispo.
Nascido em 11 de junho de 1948, em Camaguey, Juan Garcia foi o primeiro de seis filhos de um administrador ferroviário Católico e uma dona de casa. Resistindo à ideologia ateísta da Revolução Socialista de Cuba de 1959, ele entrou no seminário e foi ordenado sacerdote em 1972, tornando-se parte de uma minoria perseguida. Naquela época, o Partido Comunista transmitia propaganda em alto-falantes nas portas das igrejas e o governo frequentemente confiscava propriedades da Igreja.
No final dos anos 60, o pai de Garcia morreu de um ataque cardíaco na prisão, depois de ter sido acusado de má gestão do sistema ferroviário onde ele trabalhava, que pertencia ao Estado, segundo Zaldumbide.
Juan Garcia não ficou ressentido após a morte de seu pai, e teve a coragem de resistir à repressão do governo ao catolicismo, relatam alguns de seus conhecidos.
"As pessoas permaneceram na Igreja apesar das grandes dificuldades do início da revolução. Podemos andar para frente, dialogando e olhando para o futuro", disse Garcia. "Não precisamos viver no passado."
Moreno lembrou que Garcia levantava ainda de madrugada para orar e entregar pessoalmente às crianças os convites para procissões religiosas. Ele fazia listas de mulheres grávidas para que elas recebessem ajuda e uma vez inclusive emprestou sua toalha, um artigo raro, a voluntários da igreja que davam banho em um homem alcoolizado.
Garcia frequentemente distribuía panfletos e trabalhava em aldeias distantes com um jipe velho, em uma época "em que só podíamos sonhar com o trabalho missionário em Cuba, porque tínhamos que ter cuidado ao deixar as paredes da igreja", relatou Zaldumbide.
Nomeado bispo auxiliar de Camaguey em 1997 e arcebispo da diocese em 2002, Garcia negociou de perto com funcionários comunistas locais sobre a expansão do alcance social da Igreja, contou Miguel Angel Ortiz, diretor da organização católica Caritas na cidade.
"Nós sempre falamos sobre semear a confiança com o governo", disse Ortiz. "Nós tentamos não deixar o passado pesar sobre o nosso diálogo".
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Novo arcebispo pode transformar Igreja Cubana com estilo modesto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU