23 Fevereiro 2016
Conforme mencionamos em um outro artigo publicado no Bondings 2.0, o Pe. Michael Shanahan, de Chicago, assumiu ser gay em um artigo publicado no The Washington Post. O tal artigo detalhava muitas das experiências desafiadoras que os padres gays enfrentam, além de falar sobre a profunda espiritualidade desses sacerdotes e do amor que sentem pelo ministério.
O comentário é de Francis DeBernardo, publicado por New Ways Ministry, Bondings 2.0, 05-02-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
No entanto, nos últimos dias, outros meios de comunicação andaram comentando sobre a história publicada no citado jornal, porém a única coisa que acabaram focando foi o fato de que o Pe. Shanahan havia saído do armário.
Fico feliz que a ideia de que existem gays no conjunto dos sacerdotes católicos esteja recebendo uma maior publicidade, e aplaudo 100% a decisão tomada pelo citato padre. Fico só um pouco cauteloso no sentido de que a mídia passou a comentar essa história focando-se em um aspecto apenas.
Por exemplo, a rede CBS destacou o anúncio de Shanahan na televisão e nas mídias online. Mas mesmo que as citações do sacerdote presentes no artigo falem sobre as suas lutas interiores e da sua decisão em ministrar, a representação feita pela CBS focou-se no celibato apenas.
Mais da metade do artigo escrito é dedicado ao assunto. Se, em um artigo de jornal, um sacerdote se assumisse como heterossexual, será que o tópico do celibato seria levantado pelos comentadores e analistas? Creio que não. Penso que um preconceito ainda existe na sociedade segundo o qual ser gay significa ser sexual ativo, de forma que o reconhecimento de uma orientação homoafetiva implica que uma pessoa pode estar mais inclinada a se envolver com a atividade sexual.
A imprensa, no entanto, não são os únicos culpados por esse foco reduzido sobre o celibato. A hierarquia católica promove esse tipo de pensamento. A história publicada por CBS informa que a Arquidiocese de Chicago emitiu uma nota muito sucinta:
“Em resposta a perguntas do canal CBS 2, na segunda-feira um porta-voz da Arquidiocese de Chicago disse que Shanahan não iria comentar e divulgou um comunicado de uma única frase assinada por Dom Blase Cupich: ‘Nós apoiamos todos os nossos sacerdotes na medida em que vivam as promessas feitas no dia de suas ordenações’”.
Em certo sentido, é bom ouvir que a Arquidiocese de Chicago apoia tanto os padres gays como os heterossexuais. Em outro sentido, no entanto, entristece ver que, ao responder a uma pergunta sobre um sacerdote gay, eles sentiram a necessidade de trazer à tona a premissa do celibato.
O artigo prolongou-se no tema do celibato citando dois especialistas na área do sacerdócio:
“Homens abertamente gays podem ser padres? Em meio a acusações no ano passado, a Arquidiocese de Newark disciplinou, com eficácia, um membro do clero abertamente gay, disse um porta-voz da Igreja sobre o fato de que ser gay não impede um homem de ser padre, desde que ele mantenha o seu voto de celibato.
Thomas O’Brien (…) concorda se esta é a política geral que os líderes eclesiásticos têm seguido ‘Exige-se que todos os padres sejam celibatários, independentemente da orientação sexual’, disse o entrevistado por email ao CBS 2. ‘Essa política não varia entre as dioceses, embora diferentes dioceses abordam as violações do celibato sob modos distintos dependendo do estilo do bispo e de sua administração’”.
De novo, quanto à pergunta feita, fico feliz ao saber que a Arquidiocese de Newark diz não fazer discriminação contra candidatos gays ao sacerdócio. Mas, aqui também, fico surpreso que a principal preocupação sobre os gays no sacerdócio é se vão, ou não, manter os seus votos de celibato.
Será que essas pessoas não se preocupam sobre como esses religiosos poderiam ser tratados ou aceitos pelos demais na Igreja? Não querem eles saber como a vida espiritual deles está se desenvolvendo e que dons espirituais a sua experiência lhes traz? Não estariam eles interessados em saber que tipo de ministro um sacerdote assim poderia vir a ser?
O artigo publicado online no site da CBS traz a perspectiva de uma leiga no assunto. Mildred Soriano, paroquiana da paróquia onde o Pe. Shanahan atua, disse que não estava preocupada com a orientação sexual da pessoa em questão.
“Na verdade isso não tem importância, desde que ele acredite em Deus.
De forma alguma isso me importa. Somos todos filhos e filhas de Deus”.
Agora, eis aqui uma perspectiva sábia.
Penso que essa obsessão com o celibato mostra que a nossa Igreja ainda não apreciou por completo os dons que os gays trazem ao sacerdócio. Homens como o Pe. Shanahan possuem uma perspectiva singular sobre o mundo e a espiritualidade, e assim trazem uma riqueza à Igreja e ao seu ministério.
Gays têm servido de forma admirável e corajosa sacerdócio há séculos e, segundo todas as estimativas, eles compõem um segmento significativo do sacerdócio contemporâneo. São tão variados e diversos quanto os sacerdotes heterossexuais, tão variados e diversos como tudo na Igreja.
Eu acho que o fascínio com a orientação dos padres deve-se, em parte, ao imaginário de que todos os celibatários abrem mão de sua sexualidade. Eles podem renunciar a oportunidade de expressar essa sexualidade fisicamente, mas isso não significa que não sejam seres sexuais.
A nuvem de sigilo e silêncio que paira sobre o sacerdócio e o celibato também acaba fazendo com que alguns queiram ir mais a fundo nas vidas sexuais desses homens. O sigilo e o silêncio apenas geram prejuízos, seja para os indivíduos envolvidos, seja para a Igreja como instituição.
Fiquei bastante feliz pelo testemunho dado pelo Pe. Shanahan. As suas muitas contribuições para a Igreja, incluindo essa ao assumir a sua homossexualidade, ajudam a construir um reino de justiça e igualdade.
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Por que os diálogos sobre sacerdotes gays sempre se centram no celibato? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU