18 Fevereiro 2016
Um encontro histórico – uma vez que outra, um termo não abusado - e um documento único. O cisma de 1054, porém, não vem ao caso: entre o Papa Francisco e o patriarca de Moscou Kirill é tudo uma novidade. Que respira a plenos pulmões.
O encontro entre o Papa Francisco e o Patriarca de Moscou Kirill escreve, sem dúvida, uma página de grande história, não só no caminho de reconciliação após o Grande Cisma de 1054.
O evento foi por diversas vezes reevocado nestes dias, mas há pouco a acrescentar ao encontro entre um Papa e um Patriarca de Moscou: mais correto seria, de fato, conectar aquela data ao encontro de 15 de janeiro de 1964 entre Paulo VI e Atenágoras, dado que na época do Grande Cisma a Igreja ortodoxa russa, nascida em 988 pela conversão ao Cristianismo da Rus’ de Kiev, ainda estava nos albores e somente em 1325 o metropolita de Kiev primeiro, e de Vladimir depois, se transferia a Moscou.
Por certo hoje o Patriarcado de Moscou representa a Cristandade do Oriente mais o Patriarcado de Constantinopla, pelo menos em termos quantitativos e geopolíticos.
O alcance histórico do encontro em Havana entre Francisco e Kirill está, no entanto, em sua novidade: não há mil anos, e sim jamais um Patriarca da Igreja russa havia, de fato, encontrado um Papa.
Um detalhe que mostra toda a validade do encontro. Teológica, pastoral, humanitária e, em última análise, com importantes ângulos também no plano político, a Declaração comum do Papa Francisco e do Patriarca de Moscou e de toda a Rússia parece destinada a mudar – ver-se-á quando e em que tempos – a história da Igreja.
A Declaração representa, de fato, um passo no sentido da união da Cristandade além das divisões históricas e políticas, na ótica do comum confronto com as perseguições anticristãs em vastas áreas do mundo, o relativismo, o desafio dos tempos e da geopolítica, de modo especial estadunidense e europeia.
Para Germano Marani, padre jesuíta, professor de Teologia Oriental no Pontifício Instituto Oriental, de Antropologia e Teologia da Evangelização na Faculdade de Missiologia da Pontifícia Universidade Gregoriana e prefeito do Collegium Russicum de Roma, há tempo se trabalhava para um encontro entre um Pontífice e um Patriarca de Moscou. Também João Paulo II e Bento XVI se empenhara nisso.
A reportagem e a entrevista são de Simone Varisco, publicada por Caffè Storia, 15-02-2016. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis a entrevista.
Por que um encontro somente agora? Foi somente colhida uma oportunidade, por assim dizer, de proximidade geográfica?
A história a faz Deus, e os tempos da Providência não são os nossos tempos. Há, por certo, novas condições internas à Igreja e também – e não secundariamente – novas condições externas que têm facilitado a preparação deste encontro, que durou dois anos, em todo o caso.
Houve a coincidência das duas viagens. E existe a personalidade dos dois, do Papa Francisco e do Patriarca Kirill. Além disso, parece que se esteja fazendo caminho o desejo de colaboração pastoral pelos desafios pastorais comuns e também para isso é preciso tempo, o tempo de Deus.
No documento conjunto são muitas as referências aos “inumeráveis mártires que testemunharam a sua fidelidade a Cristo” e que continuam a fazê-lo em muitos Países do Oriente Médio e da África do Norte. Como se posiciona o Patriarcado de Moscou perante as perseguições dos cristãos, também à luz das violências sofridas até há não muitas décadas na própria Rússia soviética?
No ano 2000 foram canonizados pela Igreja Ortodoxa russa mais de mil novos mártires do século XX. A Igreja ortodoxa russa está consciente, portanto, que cresce nas costas dos gigantes que enfrentaram o martírio em tempos muito obscuros, sobretudo nos anos assim ditos do “grande terror”, em 1937-38. De muitos mártires, ademais, não se conhecem exatamente os nomes. Há também mártires desconhecidos, também porque a acusação infamante mais faltava num processo ou mesmo sem processo.
O martírio do século XX é em certo sentido um martírio menos glorioso do que o das arenas romanas, ante a multidão e a comunidade cristã que assistia o mártir pelo menos com a prece. Os mártires do século XX morriam sós, sem testemunhas, e talvez julgados no exterior por causa das falsas acusações infamantes. O Patriarca Kirill mais vezes falou dos mártires que pertencem como patrimônio eclesial e espiritual também à Igreja ortodoxa russa.
No mesmo documento não se deixa de recordar a “renovação sem precedentes da fé cristã que está acontecendo agora na Rússia e em muitos países da Europa oriental”, tema caro ao Patriarcado. É imaginável que o presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, tenha tido papel ativo na concretização deste encontro?
Sobre a renovação cristã esperamos que ela vá em frente e produza frutos evangélicos. Não podemos saber que papel tenha tido a política, mas podemos imaginar que o ambiente e o contexto não tenham impedido semelhante encontro.
Após os recentes fatos na Criméia, de dois lados se vociferou a propósito de violências sofridas pelos católicos da parte das autoridades russas. Tratou-se somente de casos isolados? Como é hoje a situação dos católicos na Rússia?
Na Criméia se fala principalmente de católicos ou greco-católicos ucranianos. Isto se deveria perguntar aos ucranianos e aos chefes da Igreja, como o Arcebispo Svlatoslav Shevchuk.
Na Rússia a convivência entre católicos e ortodoxos certamente tem melhorado desde os primeiros anos noventa até agora. A colaboração e a recíproca compreensão são demonstradas por muitos fatos, encontros, colaborações pastorais e acadêmicas que estão em ato. Ad Maioria! O Papa Francisco e o Patriarca Kirill se declaram “conscientes da permanência para os numerosos obstáculos”, mas ao mesmo tempo, que o mundo espera “não só palavras, mas gestos concretos”:
Qual poderia ser o próximo passo significativo que será realizado na via da reconciliação: Um encontro na Itália, talvez?
Creio que o próximo passo, como foi dito pelo ex-Núncio junto à Federação Russa, Ivan Jurkovic, poderia ser o de indicar os campos de colaboração pastoral comum. Estamos diante do desafio da colaboração pastoral da qual se tem falado pouco, também porque de uma parte e da outra era preciso ter coragem para fazê-lo, em outros contextos. Agora rezamos para que se torne realidade.
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O tempo de Deus e o tempo do encontro. Francisco e Kirill. Entrevista de portas fechadas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU