3º domingo do Tempo Comum – Ano B – O Reino de Deus exige mudança de paradigmas

Por: MpvM | 19 Janeiro 2024

"O Evangelho de Marcos (Mc 1,14-20) começa com uma demarcação literário-temporal, segundo a qual Jesus inicia sua atividade “depois que João foi preso” (v. 14), cumprindo as palavras do próprio Batista. Esse dado é importante: o mensageiro de Jesus , João Batista, mexeu com os interesses e privilégios dos poderosos. Neste texto o tempo deve ser entendido como a duração da história da salvação realizada por Deus; portanto, o tempo “cumprido” é aquele em que esta ação salvífica atinge o seu ápice, a plena realização: é o momento histórico em que Deus enviou o seu Filho ao mundo e o seu Reino se tornou mais “próximo” do que nunca."

A reflexão é de Maria Luísa de Lucca, snd. Religiosa da Congregação de Notre Dame - ND, ela possui graduação em Pedagogia na UNIP - Brasília e Mestrado em Teologia ( 2021) pela Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul - PUCRS, onde atualmente é doutoranda em Teologia. É professora de teologia na Faculdade de Teologia e Ciências Humanas – Itepa Faculdades, em Passo Fundo/RS.

Leituras do dia

1ª leitura: Jn 3,1-5.10
Salmo: Sl 24 (25)
2ª leitura: 1 Cor 7, 29-31
Evangelho: Mc 1,14-20

Eis a reflexão

Estamos no 3º domingo do Tempo Comum, celebrado como o domingo da Palavra de Deus. A Igreja é casa da Palavra, guia e ilumina os nossos passos. Sempre precisamos redescobrir a importância e a beleza da Sagrada Escritura na vida da Igreja em todos os níveis e na nossa vida.

Gostaria de fazer uma reflexão para este domingo a partir da palavra tempo. No Evangelho Jesus afirma: “ Completou-se o tempo”! O tempo é uma das categorias mais centrais da experiência humana e aceitamos isso como óbvio. Mas afinal, o que é o tempo? Para Santo Agostinho, não houve tempo nenhum em que Deus não realizasse alguma coisa, pois Ele fazia o próprio tempo. O tempo se encontra ligado à memória, à intenção e à espera. O tempo se encontra na alma, na vida interior da pessoa.

Há duas palavras gregas, kairós e chronos, as quais podem nos ajudar a elucidar a ideia que temos sobre o tempo de Deus e qual seu significado. Nós vivemos no chronos (tempo cronológico), horas, dias, semanas, meses, anos.... Já Deus age num outro tipo de tempo, chamado kairós, que é o tempo de Deus relacionado ao tempo oportuno para cumprimento do Seu propósito ou vontade. Não pode ser medido ou cronometrado, mas atua na nossa história. Por vezes, algumas pessoas consideram que Deus está demorando para cumprir determinadas coisas. Humanamente é difícil entender e esperar o tempo de Deus.

Na primeira leitura (Jn 3,1-5.10), nos é apresentado o profeta Jonas, um personagem que tem inúmeras dificuldades pessoais de relação com Deus, pois não O escuta, é um profeta muitas vezes insensível, despreocupado. O texto é uma crítica que leva o leitor a se questionar sobre o tempo, a vida e a morte. Deus pede a Jonas pela segunda vez que vá até Nínive, cidade pagã, para evangelizar. Na primeira vez Jonas havia fugido ( Jn 1). No novo pedido, Jonas passa um dia evangelizando, mas realiza um trabalho pela metade. Jonas anuncia a imagem de um Deus perverso e deturpou o conteúdo da mensagem divina. Mas, o “feitiço virou contra o feiticeiro”. O efeito do anúncio despertou no povo a fé, a confiança, pois passaram a crer na misericórdia de Deus. Os ninivitas se converteram, entenderam que o tempo de Deus havia chegado para eles. Haviam voltado atrás de seus caminhos perversos e mudado de vida. A destruição da cidade aconteceu em forma de transformação de vidas. Nesses personagens estamos nós, muitas vezes descrentes, exaustos, nem sempre cumprindo nossas responsabilidades com zelo e perseverança. Por isso, necessitamos rezar com o Salmo 24 em muitos momentos: “ Mostra-me, ó Senhor, vossos caminhos, vossa verdade me oriente e me conduza”.

Na segunda leitura (1 Cor 7, 29-31) Paulo nos convida a uma conversão, a uma mudança na maneira de entender a vida, “pois a figura deste mundo passa” (1Cor 7,31). São Paulo nos fala da necessidade de mudarmos nossa maneira de entender a vida, reavaliando aquilo que consideramos importante e o que é supérfluo.

O Evangelho de Marcos (Mc 1,14-20) começa com uma demarcação literário-temporal, segundo a qual Jesus inicia sua atividade “depois que João foi preso” (v. 14), cumprindo as palavras do próprio Batista. Esse dado é importante: o mensageiro de Jesus , João Batista, mexeu com os interesses e privilégios dos poderosos. Neste texto o tempo deve ser entendido como a duração da história da salvação realizada por Deus; portanto, o tempo “cumprido” é aquele em que esta ação salvífica atinge o seu ápice, a plena realização: é o momento histórico em que Deus enviou o seu Filho ao mundo e o seu Reino se tornou mais “próximo” do que nunca.

As primeiras palavras de Jesus no Evangelho de Marcos explicitam a profunda novidade de sua pregação: o tempo esgotado e o Reino que é inaugurado (v. 15). “Completou-se o tempo. Convertei-vos e crede no Evangelho”. Toda a promessa das Escrituras e a expectativa do Messias encontram, já agora, seu cumprimento. Para Marcos, Jesus é o Messias e Ele inicia sua missão chamando seguidores ( Simão, André, Tiago e João). “O Reino de Deus chegou”. É presença silenciosa, mas Ele está aqui, podemos tocá-lo, vê-lo acontecer. O Reino é dom para esta vida. É o governo de Deus, sua presença amiga que restaura e anima nossa vida neste mundo. Deixar Deus reinar é a proposta de Jesus. Jesus, movido pela compaixão, cura os doentes, consola os abatidos, ampara os pobres, os alimenta, liberta os oprimidos social ou religiosamente, manifestando, assim, a bondade de Deus.

Porém, o Reino não é fácil de acolher, pois exige mudança de paradigmas. Do pobre ao rico, do pequeno ao grande, do glorioso ao servo, do desejo de salvar a vida à disposição de entregá-la. Jesus faz o Reino de Deus acontecer, pois Deus reina na sua própria vida. E começando por sua vida que é governada pelo Pai, mostra-nos como vale a pena deixá-lo orientar a nossa.

O Reino continua presente no meio de nós. Em meio ao nosso tempo humano, tempo que passa rapidamente e que escapa das nossas mãos, existe um outro tempo, um tempo que se completa: é o tempo de Deus, tempo em que sua graça age como força de salvação. Cada fase da nossa vida, cada hora, momento, tem seu valor e pode ser um momento de encontro privilegiado com o Senhor. A fé ajuda-nos a descobrir o significado espiritual destes tempos: cada um possui um chamado individual do Senhor, à qual só nós podemos dar uma resposta, sim ou não, positiva ou negativa.

Conforme nos diz Papa Francisco, “a salvação não é automática; a salvação é um dom de amor e, como tal, oferecido à liberdade humana e sendo livre, a salvação requer uma resposta livre: exige a nossa conversão. Ou seja, trata-se de mudar a nossa mentalidade - nisto consiste a conversão”. O tempo em que podemos acolher a redenção é breve: é curta a duração da nossa vida neste mundo. Portanto, cada momento, cada instante da nossa existência é um tempo precioso para amar a Deus e para amar o próximo, e assim participarmos do seu Reino glorioso, já construindo aqui na Terra o que esperamos lá no céu. Que a Palavra de Deus ilumine nossa história, nosso jeito de viver a vida, e nos torne cada dia mais instrumentos e construtores do seu Reino.

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