"Neste 25º domingo do tempo comum a liturgia nos convida a corrigir nossa forma de olhar o que significa justiça e bondade em nossas relações, para ver como Deus, que é verdadeiramente justo e bom na relação conosco. Isto está muito claro na mensagem do Evangelho deste dia (Mt 20,1-16a), no qual Jesus instrui os seus discípulos através de mais uma parábola para que compreendam como devem agir seus seguidores.
"Para nossa alegria, como ouvimos na primeira leitura (Is 55,6-9), Deus afirma que os seus pensamentos não são como os nossos pensamentos e nossos caminhos não são como os seus caminhos (cf. Is 55,8). Ele está aberto para acolher quem Dele se aproxima, quem se converte, quem se volta para o Senhor."
A reflexão é de Sueli da Cruz Pereira, IDFMI, religiosa da Congregação das Irmãs Dimesse Filhas de Maria Imaculada. Ela é graduação em teologia e mestrado e doutorado em teologia sistemático-pastoral pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUCRio. Sua tese foi desenvolvida a partir do projeto de pesquisa sobre “Questões atuais de Teologia Pastoral”, com ênfase em Catequese. É formadora e coordenadora da animação vocacional da Congregação. Atuou como Coordenadora da IVC em Duque de Caxias-RJ. Atualmente atua na Arquidiocese de Vitória, em Vila Velha/ES. É membro do GREBICAT - Grupo de reflexão bíblico-catequética da CNBB e da SBCat - Sociedade Brasileira de Catequetas.
Is 55,6-9
Sl 144(145),2-3.8-9.17-18 (R. 18a)
Fl 1,20c-24.27a
Mt 20,1-16a
Neste 25º domingo do tempo comum a liturgia nos convida a corrigir nossa forma de olhar o que significa justiça e bondade em nossas relações, para ver como Deus, que é verdadeiramente justo e bom na relação conosco. Isto está muito claro na mensagem do Evangelho deste dia (Mt 20,1-16a), no qual Jesus instrui os seus discípulos através de mais uma parábola para que compreendam como devem agir seus seguidores.
Jesus compara o Reino dos céus com o dono de uma vinha que sai para contratar trabalhadores, e os contrata no mesmo dia em cinco horários diversos. Até aqui está tudo bem. O que nos causa espanto e perplexidade é o pagamento que o dono da vinha faz ao final do dia de trabalho. Isso se torna um grande problema para o modo de compreensão de justiça e de bondade dos que foram contratados na primeira hora.
Para nossa surpresa, o dono da vinha (o patrão) pede para começar a pagar os que chegaram por último e paga a todos, dos últimos até os primeiros, o mesmo valor: uma moeda de prata por dia.
Este era o valor de uma diária completa. Se analisarmos esse fato a partir da ótica humana, nossa reação pode ser a mesma dos trabalhadores que chegaram primeiro: não é justo que todos recebam igual valor, porque os que chegaram primeiro trabalharam mais. Porém, segundo a ótica de Deus, o patrão age com justiça, corretamente, porque o que foi pago aos que chegaram primeiro foi o combinado, e para todos o valor pago era o de uma diária, isto é, o necessário para viver um dia. O patrão combinou uma moeda de prata por dia apenas com os primeiros. Com os demais combinou que pagaria o que fosse justo. E para o patrão o justo seria que todos pudessem ter o necessário e não apenas quem trabalhou mais. Assim como esse patrão, Deus também quer dar o que cada um de nós precisa, não por mérito nosso, pelo nosso trabalho e esforço, mas pela bondade D'Ele. Como o patrão considera “justo” que todos tenham o necessário para viver, Deus considera “justo” que todos participem do seu Reino. E para isso basta acolher o convite: “Ide também vós para a minha vinha!”.
O povo de Israel acolheu esse convite e Deus fez uma aliança com ele, dando tudo o que era necessário para viver bem, inclusive a libertação da escravidão. Mas essa aliança foi alargada com o envio de seu Filho como Salvador de toda a humanidade. Assim, os que não são os “trabalhadores da primeira hora”, os que não pertencem ao povo de Israel, também são chamados por Deus para fazerem parte do seu povo e de seu projeto de salvação. Não importa quem chegou primeiro ou quem fez aliança com Deus a mais tempo, mas o acolher a qualquer momento a proposta e o chamado de Deus “para trabalhar na sua vinha”, isto é, para fazer parte em seu Reino.
Além disso, na Igreja nascente para o qual o texto foi escrito, havia muitas pessoas chegando, tornando-se cristãs. Com isso, a parábola é também para aqueles que conviveram com Jesus e que poderiam sentir-se como os trabalhadores da primeira hora, querendo para si mais do que para os outros que chegaram depois, inclusive um lugar de honra devido ao mérito em anunciar Jesus por primeiro.
Nm nossa realidade, em nossa vida de cristãos participantes, membros ativos na Igreja, corremos o risco de querer agir como esses primeiros, mandando em Deus, não deixando-o acolher no seu Reino aqueles que tiveram uma vida desvirtuada e que se converteram no último momento. E até mesmo podemos ficar chateados com Ele e com sua atitude de bondade. Porém, essa é uma forma de olhar, de percepção, muito mesquinha e que tem por trás uma teologia da retribuição, que acredita no recebimento da graça de Deus por mérito. Assim, quem não fez por onde, não tem o mérito de recebê-la. Nessa forma de ver, a salvação deixaria de ser uma graça de Deus, uma ação de Deus, para ser ação nossa, do ser humano. É preciso passar de um “eu me salvo por causa das minhas ações” para um “Deus me salva porque ele é justo e bom”.
Os trabalhadores da última hora estavam sem fazer nada, desocupados, porque ninguém os havia contratado, mas estavam aguardando o convite. É preciso ser como eles no acolhimento do convite do patrão para trabalhar em sua vinha, acreditando em sua palavra que pagaria o que fosse justo, diferentemente dos primeiros que queriam mais do que o combinado por ter trabalhado mais do que os outros. Assim, somos convidados e convidadas a colocar Deus e seu projeto de amor no centro de nossas vidas, acreditando em sua Palavra.
A parábola é concluída com a expressão “os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos”, e podemos interpretar que por trás dessa afirmação há um convite à conversão. Se não houver uma mudança de mentalidade, da inveja para a alegria, do ciúme para a comunhão, os “primeiros”, os que se acham os melhores, os que se acham “os salvos”, não serão considerados os primeiros diante de Deus, pois suas atitudes não condizem com os valores do Reino, como o patrão deixa transparecer em sua pergunta aos primeiros: “estás com inveja, porque estou sendo bom?”. A inveja é uma péssima companheira, pois desperta em nós o desejo de sermos melhores ou de termos o que não nos pertence, e muitas vezes não nos permite ter atitudes de bondade e de compaixão.
Para nossa alegria, como ouvimos na primeira leitura (Is 55,6-9), Deus afirma que os seus pensamentos não são como os nossos pensamentos e nossos caminhos não são como os seus caminhos (cf. Is 55,8). Ele está aberto para acolher quem Dele se aproxima, quem se converte, quem se volta para o Senhor. Este trecho do livro do profeta Isaías reflete sobre a realidade do povo no exílio da Babilônia, que é de sofrimento e desilusão. Muitas pessoas haviam se desviado do caminho de Deus, abandonando a obediência aos seus mandamentos. O autor apresenta a conversão, a mudança de vida como o caminho de volta para Deus. No sonho e no desejo de voltar do exílio para a terra prometida deveria conter também o motivo principal: a volta para Deus. Ter os mesmos pensamentos e os mesmos caminhos de Deus significa viver diferentemente do ser humano ímpio, que age com maldade, e do ser humano injusto, que não respeita os direitos dos outros. E como já afirmamos anteriormente, Deus é bom e justo. Voltar para Deus significa ser bom e justo a seu exemplo. E por isso precisamos nos perguntar: nós agimos com bondade e justiça em nossas relações com os outros?
Já na segunda leitura (Fl 1,20c-24.27a) o assunto principal é o dilema enfrentado por Paulo devido o seu olhar para a escolha de duas coisas muito importantes: estar com Cristo após a morte e estar com os irmãos em vida. Ao escrever a Carta Paulo está na prisão e sabe do risco de morte que pode experimentar a qualquer momento. Porém, suas palavras demonstram que não está com medo, pois a experiência de amor por Cristo é tão forte que nada mais é importante: “para mim, o viver é Cristo e o morrer é lucro”. Morrer para estar com Cristo seria uma grande alegria, mas Paulo sabe que sua presença junto aos irmãos das comunidades é de suma importância, pois foi o próprio Jesus que o enviou lá para essa missão. Em qualquer uma das escolhas, a centralidade de Paulo não está no apego à sua vida, mas em Jesus Cristo. Este grande exemplo de discípulo missionário nos ensina a deixarmos de lado nossos interesses pessoais, nossa mania de grandeza, de querer ser os primeiros por ser os melhores, nosso medo da morte, para colocar Cristo em primeiro lugar. E para isso pode nos ajudar a pergunta: os meus interesses são os interesses de Cristo?
Vivemos num mundo fortemente marcado pela ganância, pela arrogância, por lutas para imposição de ideias, por preconceitos, pelo feminicídio... Todas essas são que deixam transparecer a escolha de valores que sobressaem quando o outro é visto como inferior. Nessa realidade, que o Senhor ilumine nossos caminhos para termos a força necessária para sairmos do centro, com nossa forma de ver e de julgar, para ver e julgar como Deus, como diz o salmista: “O Senhor é muito bom para com todos” (v. 9) e “é justo o Senhor em seus caminhos” (v.17).