"A morte para Jesus não é o fim, não é limite. Há um outra vida além dessa. Mas existem em nossas vidas, muitas situações de morte, além da morte corporal, que nos fazem ser mortos vivos. Morte da esperança, morte da dignidade, morte da verdade, morte da fé, morte do amor, e muitas outras. E a boa nova de Jesus, é nos resgatar dessa morte, proporcionando-nos a possibilidade de ter uma nova vida, dando-nos a chance de nos abrir ao nosso/a irmão/a, de ser solidário/a à ele/ela, por mais diferente que ele ou ela sejam. E com isso aprendermos a respeitar, abrindo-nos ao seu incondicional amor."
A reflexão é de Maria Cristina Silva Furtado, teóloga leiga. Doutora e mestra em teologia sistemática pela PUC-Rio, especialista em educação e licenciada em Psicologia pela PUCRS e Psicóloga pelo CNP-MG, ela é também escritora, compositora e cantora, teatróloga, diretora teatral e palestrante. É pesquisadora no CEPECCIG/UFRJ/Macaé e no Grupo de Extensão e Pesquisa em Corporeidade - Cidadania e Gênero da Faculdade de Enfermagem, da UFRJ/Macaé/CNPQ e pesquisadora no Grupo de diversidade sexual - cidadania e religião, PUC-Rio/CNPQ.
Estamos no 13º Domingo do tempo comum, e as leituras da liturgia de hoje levam-nos a refletir sobre questões muito relevantes para todos nós, em todos os tempos, e, mais relevantes ainda, para pessoas que, como nós, vivem uma pandemia, e lidam há cerca de um ano e três meses com muito sofrimento e mortes.
Pessoas que vivem em um país, que pela minimização do virus em questão, estão próximas de terem meio milhão de vidas perdidas. Famílias que perderam avós, pais, mães, filhos, netos, seus ente queridos. Um país que enfrenta também um agravamento da violência, em geral, e de modo particular, da violência de gênero, da qual faz parte, a violência doméstica, patrimonial, psicológica, física, sexual, e um aumento considerável de mortes por feminicídio, e por LGBTfobia. Para piorar, onde um grande número de pessoas encontra-se em uma situação de desemprego e fome como há muito tempo não existia, principalmente, as mulheres e as crianças.
Diante disso, é comum ouvir diferentes questionamentos sobre as causas da pandemia e suas consequências, e nas respostas a culpabilização de Deus pelos tristes acontecimentos, colocando a dor ou a morte como punição divina. Apontam-se até várias possíveis vítimas expiatórias, como as pessoas do grupo LGBT, como se Deus sentisse prazer em ver o sofrimento e a morte de qualquer ser humano!
Mas nada melhor do que palavras da “Sabedoria divina” para nos ajudar a refletir sobre o que acontece a nossa volta, dentro de nós mesmos, e como enfrentar, e vencer as tribulações. E as leituras da liturgia, de hoje, são tão importantes, que sinto necessidade de falar um pouquinho sobre cada uma delas.
A primeira leitura, é do livro da Sabedoria. Ela já responde a estas indagações acima, quando diz:
“Deus não fez a morte, nem tem prazer com a destruição dos vivos. Ele criou todas as coisas para existirem, e as criaturas do mundo são saudáveis: nelas não há nenhum veneno de morte, nem é a morte que reina sobre a terra: pois a justiça é imortal”.
Em outras palavras podemos dizer que Deus é amor. Ele só quer o nosso bem. Ele está junto de nós sorrindo ou sofrendo conosco na multidão, levando-nos pra frente para vencermos as tribulações. Pois as nossas tribulações não são provenientes não da ira divina, e muitas delas são originárias de uma estrutura que valoriza mais a parte econômica do país do que as pessoas que nele vivem. De parte de um sistema religioso que usa o nome de Deus através do medo para obter o poder, e com este intento desdenha da ciência, que pode nos salvar.
Na segunda leitura, temos a segunda Carta de Paulo aos Coríntios. Esta carta aponta para como deve agir uma comunidade seguidora de Cristo. E Paulo nos lembra que: “Nosso Senhor Jesus Cristo, de rico que era, tornou-se pobre por nossa causa. Para que nos tornemos ricos, pela pobreza de Cristo.”
Então se o nosso modelo de humanidade é Jesus Cristo, basta olhar para a sua vida e vamos verificar o que deve ser feito pelo seu seguidor.
Claro que Paulo não pede para alguém ficar pobre para aliviar os outro. Mas diz que quem tiver a mais, dê este a mais, para suprir a carência do outro. Pois dessa forma haverá igualdade, como está escrito: “Quem recolheu muito não teve de sobra, e quem recolheu pouco não teve falta”. Isto é a solidariedade, e assim não faltará para ninguém.
Mas parece que isto foi totalmente esquecido, pois o Brasil é um país que o censo aponta como católico, cristão, mas a realidade que vemos no meio dessa pandemia, são de 117 milhões de brasileiros na miséria, passando fome.
A carta de Paulo é sobre a solidariedade, a caridade, a generosidade e a igualdade necessária para se enfrentar as aflições.
Então eu pergunto, o que aconteceu conosco? O que Paulo disse para a comunidade de Coríntio, nós precisamos dizer para as nossas comunidades, para os nossos governantes.
Por fim, vamos pensar sobre o Evangelho de Marcos (Mc 5, 21-43), que nos traz dois milagres de Jesus. O primeiro deles foi para uma mulher que há dozes anos sofria com uma hemorragia. Havia perdido tudo o que possuía, com remédios, médicos, mas nada a curou. No entanto, se conseguisse tocar a roupa de Jesus, este ato poderia curá-la. E assim aconteceu, a mulher sentiu que ao tocar Jesus, havia sido curada. Jesus sentiu que uma força tinha saído dele.
Naquele mesmo lugar estava o Chefe da Sinagoga que pedia a Jesus que fosse curar sua filha, até que chegaram alguns de sua casa anunciando que a menina havia morrido, mas Jesus disse: Não tenhas medo. Basta ter fé. E junto com Pedro, Tiago e João foi à Casa do chefe da Sinagoga, e no quarto da menina e disse: Talitá cum – Menina levanta-te. E a menina levantou e começou a andar.
Assim como hoje, na época de Jesus, algumas pessoas faziam milagres de curas físicas. Temos conhecimento de alguns, e não estou dizendo que não é importante. Mas, vamos olhar novamente para Jesus, e refletirmos que, a cura de Jesus era muito mais profunda do que uma cura física. Quando Marcos se refere aos milagres de Jesus, ele aponta para uma abertura e uma ordem diferente. Não é a nossa ordem.
Trata-se de uma ordem que tem a garantia do “Jesus ressuscitado”. E isso muda tudo. Abre as portas para um mundo futuro, que começa aqui e agora, mas que terá sua plenitude na vida eterna.
Jesus busca restaurar a liberdade da pessoa, e a sua paz. Restabelece a integridade, e a dignidade dos que lhe procuram, com a esperança de uma nova vida que não termina aqui.
Sabemos também que na época de Jesus, o sangue era considerado impuro, e que as pessoas doentes vistas como pecadoras. Mas Jesus não mandou que a mulher fosse se purificar para voltar depois. Não mandou que parasse de pecar. Como ele próprio disse, dele saiu uma força. Ele não questionou, não repreendeu, não fez nenhuma exigência. Jesus simplesmente disse, “Filha a tua fé te salvou. Vai em paz e fica curada dessa doença.”
Isto nos faz lembrar das muitas doenças que trazemos dentro de nós e nos faz impuros. Embora muitas vezes estejamos preocupados/as com a impureza dos outros. Por exemplo: o orgulho, o ódio, o preconceito, o egoísmo. Enfim tudo aquilo que nos impede de amar ao meu irmão/a minha irmã, principalmente aqueles/as que são diferentes de mim. Pois é, precisamos tocar em Jesus, com muita fé, pois só o seu amor, terá a força de nos libertar de nossas impureza
A morte para Jesus não é o fim, não é limite. Há um outra vida além dessa. Mas existem em nossas vidas, muitas situações de morte, além da morte corporal, que nos fazem ser mortos vivos. Morte da esperança, morte da dignidade, morte da verdade, morte da fé, morte do amor, e muitas outras. E a boa nova de Jesus, é nos resgatar dessa morte, proporcionando-nos a possibilidade de ter uma nova vida, dando-nos a chance de nos abrir ao nosso/a irmão/a, de ser solidário/a à ele/ela, por mais diferente que ele ou ela sejam. E com isso aprendermos a respeitar, abrindo-nos ao seu incondicional amor.
Para terminar, eu gostaria que cada um de nós pensasse no que leu durante a liturgia, e pensasse:
- Quais são as minha impurezas?
- De qual morte Jesus precisa me salvar?
E como Paulo, em sua carta aos Coríntios, dizermos às nossas comunidades, e aos órgãos decisórios do nosso país:
“Precisamos juntar as nossas forças para acolhermos as necessidades prementes do nosso povo, ajudando aos mais necessitados, acolhendo a ciência, e vacinando a todos e todas, para superar esta pandemia e as consequências que dela virão”.