Em uma mão o medo e a desigualdade, na outra a força, a vontade e a necessidade de sobreviver em meio a um contexto de profunda desigualdade social e de gênero, mesmo que em muitos casos sejam o esteio da família. O desafio de ser mulher no Brasil ganhou contornos ainda mais dramáticos em meio à pandemia, com a intensificação das jornadas de trabalho, o aumento da violência doméstica e o imperativo de se manter “firme” diante do caos. Estes e outros temas são abordados na edição 548 da Revista IHU On-Line - Mulheres na pandemia. A complexa teia de desigualdades e o desafio de sobreviver ao caos.
Quando a crise desponta, o machismo mostra-se com mais evidência, o que pode ser observado na intensificação do trabalho das mulheres, como lembram os pesquisadores Sandra Bezerra, Flavia Lima e Gustavo Bergström. “Por conta da não separação entre vida e trabalho, que ficou mais evidente e se agravou no contexto da pandemia, não se trata mais de chamarmos de jornada (mesmo que seja tripla), mas de fluxo contínuo de atividades que se sobrepõem e concorrem entre si”, sustentam.
Outro ponto que se mostrou importante, no contexto pandêmico, foi o Auxílio Emergencial, que, apesar de ter beneficiado de forma evidente as famílias mais pobres, se tratou de uma política, infelizmente, descontinuada. “Acredito que programas de renda básica universal sejam de grande importância, principalmente em contextos de desigualdade social e econômica tão grandes como o brasileiro”, frisa Fernanda Vasconcellos.
Imagem: Callar duele más - Grafite contra a violência de Gênero (El Llanito Gto)
Ao se falar sobre a violência a que mulheres são submetidas, a primeira imagem que vem à cabeça são homens autoritários e agressivos, que se comportam como verdadeiros “coronéis”, no sentido mais caricatural do termo. A realidade, contudo, não tem nada de caricatural e o Norte do Brasil testemunha, justamente, esta convergência entre militarização e violência contra mulheres. “Há conjuntos de informações que nos mostram como é importante olhar para a relação entre a militarização da Amazônia e a violência contra mulheres indígenas, mas não apenas”, sublinha Flávia Melo.
Tudo isso converge para um contexto em que a participação política das mulheres, especialmente as mais pobres, seja cada vez mais constrangida e dificultada pela necessidade, simplesmente, de sobreviver. Pois, como salienta Luana Pinheiro, a desigualdade de gênero afeta a possibilidade de “participação na vida política, em particular na política institucional, bem como menores possibilidades de acesso a bens e serviços de lazer, educação e cultura”.
Em suma, ser mulher no Brasil e viver em meio ao descontrole da pandemia de coronavírus, que matou quase meio milhão de brasileiros, implica ser uma das “principais vítimas do que tem sido descrito como múltiplas crises, colocando em destaque o caráter de gênero e seus efeitos”, como propõe Flávia Biroli.
A revista IHU On-Line, recém lançada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, traz ainda seis depoimentos de mulheres com diferentes perfis, relatando sobre como têm sobrevivido à crise sanitária da Covid-19. O material conta ainda com reportagens, um breve relato sobre uma pesquisa com indígenas Pataxó do Sul da Bahia e um rápido resumo de três das recentes publicações dos Cadernos Teologia Pública e IHU ideias.