29 Junho 2012
Jesus não faz bonitos discursos sobre o sofrimento dos outros. Jesus jamais ousou de recomendar alguém de oferecer seu sacrifício a Deus. Jesus não faz mais que curar. Ele cura do mal e de todas as mortes.
A reflexão a seguir é de Raymond Gravel, sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Culture et Foi, comentando as leituras do 13º Domingo do Tempo Comum - ciclo B. A tradução é de Susana Rocca.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: St 1,13-15; 2,23-24
2ª leitura: 2 Co 8,7.9.13-15
Evangelho: Mc 5,21-43
Na leitura dos textos bíblicos de hoje, em particular na primeira leitura e no evangelho, esta pergunta é importante: nosso Deus quer a morte ou a vida? Ainda hoje ouvimos frequentemente as pessoas dizerem que Deus faz morrer. E ainda o livro da Sabedoria escrito entre 50-30 AC, e o evangelho de Marcos escrito nos 70 da nova era, dizem o contrário. Deus nos quer vivos e quando a vida nos escapa, ele a restaura e nos dá-a novamente. Que Palavra de Deus podemos hoje proclamar a partir dos textos que nos são propostos?
1. A Justiça é imortal: Se lermos bem o texto do livro da Sabedoria que é proposto hoje (infelizmente, a liturgia cortou dois desenvolvimentos por engano daqueles que só acreditam nesta vida e na sorte do justo perseguido), nos damos conta que a vida querida por Deus não consiste somente em respirar, mas comporta também dignidade, qualidade de vida. Em caso contrário, não pode haver vida. Nós estamos em Alexandria no ano 26 AC. A ciência já avançou bastante; a justiça deixa a desejar. Recusa-se aos judeus o direito de cidadania. Reprime-se violentamente; condena-se por nada. Por isso, o autor da Sabedoria diz que a justiça é inconciliável com a morte. Pois Deus ama a vida. E se os médicos são capazes de fazer produtos não venenosos, por que os homens não poderão fazer a mesma coisa para viverem juntos? Infelizmente assistimos a uma opressão e a uma exploração crescente dos pobres da parte dos dirigentes sem escrúpulos que não se preocupam com outra coisa senão com seu conforto. Esses são diabólicos, isto é, adversários de Deus, porque é por eles que a morte entrou no mundo. É dessa maneira que o autor do livro da Sabedoria se exprime: “Pela inveja do diabo, entrou no mundo a morte, que é experimentada por aqueles que pertencem a ele” (Sb 2,24).
Mas atenção! Os adeptos do diabo não são necessariamente aqueles que nós pensamos. São aqueles que são injustos, isto é, que exploram, oprimem e mantêm os outros na pobreza e na miséria. No fundo, a afirmação solene do autor do livro da Sabedoria: “Sim, Deus criou o homem para ser incorruptível e o fez à imagem (literalmente um idiota) da sua própria natureza” (Sb 2,23) é interpretada da seguinte maneira pelo teólogo Gérard Sindt: “Esse termo idiota, hoje pejorativo, indica aqui a singularidade irredutível de Deus. A sua originalidade é justamente de existir só para viver. O que a medicina balbuciante do tempo pode fazer, por que a sociedade não poderia aceitando o Deus da Vida?” Contudo, para aceitar o Deus da Vida, é preciso trabalhar para restaurar a justiça; se não, a vida é impossível. É muito atual como mensagem, pois ainda hoje falta fazer justiça para as mulheres e os homens poderem viver dignamente.
2. A igualdade é necessária: Aqui está o contexto histórico da Segunda carta aos Coríntios. A Igreja de Jerusalém está em dificuldade, e as comunidades fundadas por Paulo decidiram fazer uma coleta para ajudá-lo. Os Coríntios foram os primeiros a querer a solidariedade, mas demoram em passar aos atos, e Paulo os exorta com insistência. Trata-se de uma questão de justiça, mas também de igualdade. E o argumento de Paulo é dizer aos Coríntios: Vocês receberam muito; vocês devem dar ainda mais: “Em tudo vocês sobressaem: na fé, no dom da palavra, no conhecimento e entusiasmo, além do amor que vocês têm por nós. Pois então, procurem também distinguir-se nessa obra de generosidade” (2 Co 8,7).
E São Paulo coloca Jesus Cristo como exemplo: “vocês conhecem a generosidade de nosso Senhor Jesus Cristo; ele, embora fosse rico, se tornou pobre por causa de vocês, para com a sua pobreza enriquecer a vocês” (2 Co 8,9). É uma questão de igualdade, e ela é necessária para dar dignidade à vida. Mais uma vez, esse texto de São Paulo é muito atual na nossa Igreja de hoje, em que a vida de certas comunidades não é mais possível, porque se tornaram demasiado pobres para subsistir. O que fazer? Somos nós que decidimos!
3. A Igreja deve dar a vida: Através desse texto de Marcos da dupla cura de Jesus, somos submergidos em plena liturgia. Duas mulheres, símbolos de Igreja nascente: uma jovem de 12 anos, que não pode tornar-se fecunda porque ela está morrendo, e uma mulher, anônima, que perdeu a sua fecundidade depois de doze anos, sendo rejeitada e excluída da comunidade. Ambas, tocadas por Cristo, foram curadas e podem dar a vida. Ele desperta, ele levanta, ele ressuscita a primeira na fé do seu pai Jairo que significa ele ilumina, e ele reintegra a segunda na comunidade sobre a própria fé dela: ela, mesmo tendo sido rejeitada e excluída, assume o risco de sair do anonimato, porque a sua fé é maior que a sua exclusão. Ambas se tornam fecundas, como se se tratasse de um batismo no nome de Cristo Ressuscitado. E a liturgia continua com o convite à Eucaristia. Falando da jovem, Jesus lhes pede que lhe deem de comer (Mc 5,43). A Igreja que tem por missão dar a vida, também ela mesma deve se alimentar do Pão da Vida que é o Cristo da Páscoa.
Mais uma vez, esse trecho é muito atual para nós cristãos do nosso tempo. A Igreja, que é mãe, só pode sê-lo através de nós, os crentes. Se rejeitamos ser fecundos e dar a vida, somos como essa jovem que morre e, rejeitando que os outros sejam fecundos, condenamos os cristãos, como a essa mulher do evangelho, à rejeição, ao desprezo, e à exclusão. E, ainda, nos dois casos, somente a fé no Cristo da Páscoa pode curar e salvar, e não a decisão de outras pessoas, nem mesmo dos dirigentes da Igreja. O teólogo Marcel Metzger escreve: “Essa proclamação do evangelho nos convida à contemplação: reconheçamos as maravilhas de Deus, não somente no passado, mas também no presente. Os gestos de Cristo neste evangelho anunciam aqueles que ele realiza hoje no seio da sua Igreja: ele nos atinge com a sua mão bondosa e ele se deixa tocar, ele levanta, e cura através de todos os gestos de comunicação e de comunhão realizados nas nossas celebrações. Ele dá a seu povo uma missão maternal, que não pode se reduzir somente a hierarquia da Igreja!”
E termino com essa bela reflexão do exegeta francês Jean Debruynne que diz: “Trata-se de duas curas. Uma jovem que precisa ser curada da morte e uma mulher que precisa ser curada das suas hemorragias, isto é, da vida que ela está perdendo, da vida que vai embora. Primeiramente, não há idade para a cura. Sempre é tempo de ser curado. Logo, é Jesus que cura. Jesus não faz bonitos discursos sobre o sofrimento dos outros. Jesus jamais ousou de recomendar alguém de oferecer seu sacrifício a Deus. Jesus não faz mais que curar. Ele cura do mal e de todas as mortes”.
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Vida e morte: de que lado está o Senhor? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU