Por: MpvM | 21 Outubro 2022
"O Senhor é o Pai compassivo, misericordioso, que não faz acepção de pessoas, que perdoa sempre, que rompe o ciclo da violência, que vence sem fazer vencidos. É Ele o defensor dos descartados pela vida, dos que não têm mais a quem recorrer nas suas necessidades tão urgentes. Ele eleva os humildes, ele sacia de bens os famintos. É nisto que creio, é nisto que está fundada a minha fé e a minha esperança. O Amor que tento acolher em mim para poder transmiti-lo aos outros está também alicerçado nesta verdade."
A reflexão é de Maria Inês de Castro Millen, graduada em Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1971) e em Teologia pela PUC-Rio (1992), mestre em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1997) e possui doutorado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2003). Atualmente é ouvidora e assessora pedagógica do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora e professora titular no curso de Teologia do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Ginecologia e Obstetrícia, atuando principalmente nos seguintes temas: moral fundamental, moral social, moral sexual conjugal e familiar, bioética e antropologia teológica.
1ª leitura - Eclo 35,15b-17. 20-22a
Salmo - Sl 33
2ª leitura - 2 Tm 4,6-8.16-18
Evangelho - Lc 18, 9-14
Gostaria de começar a reflexão da Palavra proposta para este domingo a partir do Evangelho (Lc 18, 9-14). Lucas nos diz que Jesus contou a parábola do fariseu e do publicano para aqueles que confiavam na sua própria justiça e desprezavam os outros. Temos a tentação de pensar que estas são atitudes presentes em outras pessoas que devem ser por nós exortadas, julgadas ou até excluídas. Na verdade, precisamos aceitar que estas são facetas presentes no nosso próprio eu, muitas vezes cego para as fragilidades e feridas presentes em nós. Jesus nos conta esta parábola chamando-nos a olhar para o nosso interior para aí descobrirmos o fariseu e o publicano que nos habitam. Nosso lado farisaico abre espaço em nós para a rigidez, para o moralismo, para a fácil condenação dos outros e a exaltação de nós mesmos. A arrogância prepotente de nos acharmos purificados pelos atos piedosos realizados e pelo estrito cumprimento da lei não nos permite reconhecer o “cobrador de impostos” que vive em nós, e que muitas vezes, de modo diferente daquele do Evangelho, não reconhece a própria debilidade e acredita não precisar do perdão e da misericórdia de Deus para si e sim para os outros. Nós, muitas vezes somos o cobrador fariseu, aquele que coloca fardos pesados nos ombros dos outros, que não enxerga a trave no próprio olho e exige das pessoas aquilo que nós mesmos não conseguimos oferecer.
Precisamos aprender a humildade que nos coloca diante da nossa verdade criatural e diante da Verdade que é Deus para dizermos: “Senhor, tem piedade de nós, pois somos pecadores!”
A primeira leitura (Eclo 35,15b-17. 20-22a) nos ajuda a entender quem é este Deus a quem clamamos, pois nos revela que Deus é um juiz que não faz discriminação de pessoas e escuta a súplica dos humildes. Ele não é parcial em prejuízo do pobre, como infelizmente costuma ocorrer entre nós, mas, ao contrário, escuta as súplicas dos oprimidos. Quando os pequenos, que não têm a quem recorrer, desabafam com Ele as suas mágoas, jamais são desprezados. A palavra “jamais” é um alento, pois significa nunca, nunca serão esquecidos. E diz mais: Os que se reconhecem fragilizados e mesmo assim fazem o que podem em favor do bem de todos, no cumprimento da lei do amor, terão suas súplicas atendidas quando recorrerem a Deus. “A prece dos humildes atravessa as nuvens”, nos diz o texto. Quaisquer nuvens... e o Altíssimo intervém...sempre. A esperança dos pequenos aí reside e por isso nos anima a seguir o caminho do bem, ainda que em meio a contradições incompreensíveis.
O Salmo 33 nos convida a rezar, no seu refrão: “O povo clama a Deus e ele escuta: o Senhor liberta a vida dos seus servos.” Por isso devemos bendizer a Deus em todo o tempo e seu louvor deve estar sempre em nossa boca. Gratidão é a palavra que deve florescer em nosso coração, pois é Deus quem nos ajuda a combater o bom combate, é ele quem nos assiste quando estamos nos sentindo tristes, oprimidos, impossibilitados, desamparados. Precisamos crer na palavra que nos afirma a fidelidade do Senhor. Ele está sempre ao nosso lado nos dando forças e nos amparando nas dificuldades que encontramos no caminho, nas fragilidades que nos atingem, nas feridas abertas que às vezes teimam em não cicatrizar. É ele quem nos ajuda para que, apesar de tudo, não desanimemos e continuemos a anunciar a presença do Reino de Deus entre nós.
Acho um pouco temeroso e até de certo modo semelhante à arrogância do fariseu as palavras de Paulo: “Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé. Agora está reservada para mim a coroa da justiça.” Por mais que corramos atrás do bem e da boa conduta diante de Deus e dos homens, penso que devemos sempre nos considerar servos inúteis, aqueles que não fizeram senão aquilo que deviam mesmo fazer e rezar batendo no peito como o publicano: “Meu Deus, tem compaixão de mim, pois sou um pecador”.
O que sabemos é que nenhuma criatura consegue aqui na história atingir a perfeição, por mais santo que consiga ser. No entanto, no final Paulo confessa: “O Senhor me libertará de todo o mal e me salvará para o seu Reino celeste.” Assim ele admite que nós não salvamos a nós mesmos, por melhor que sejamos, mas que só Deus pode nos salvar de nossas sempre presentes infidelidades e fraquezas. Só ele é misericórdia absoluta e compaixão. Segundo a lógica de Jesus de Nazaré, Ele salvará a nós e também àqueles que nos fizeram mal, nos perseguiram, nos caluniaram e fizeram sangrar nosso coração em função das feridas abertas pela prepotência de muitos. O Senhor é o Pai compassivo, misericordioso, que não faz acepção de pessoas, que perdoa sempre, que rompe o ciclo da violência, que vence sem fazer vencidos. É Ele o defensor dos descartados pela vida, dos que não têm mais a quem recorrer nas suas necessidades tão urgentes. Ele eleva os humildes, ele sacia de bens os famintos. É nisto que creio, é nisto que está fundada a minha fé e a minha esperança. O Amor que tento acolher em mim para poder transmiti-lo aos outros está também alicerçado nesta verdade.
Que saibamos bendizer ao Senhor todos os dias. Que sejamos sempre gratos por sua presença misericordiosa em nossas vidas. Que vivamos a alegria que entusiasma e contagia, esta alegria que nos permite primeirear, acolher as pessoas, envolver-nos com elas, acompanhá-las, fazer frutificar e festejar as colheitas possíveis. Que sejamos ousadas e criativas em tempos difíceis de fragmentação e violências inúteis; firmes na fé, na esperança e na caridade, apesar dos paradoxos e contradições de cada dia. O Senhor é quem nos guia. Ter os olhos fixos em Jesus nos salva de muitas obscuridades e desalentos. Sigamos com coragem! Amém!
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30º Domingo do Tempo Comum - Ano C - Deus tem misericórdia e ampara os humildes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU