06 Outubro 2012
“Creio que não posso dar uma resposta definitiva. Então, gostaria de jogar a bola pra frente e pensar para além deste Simpósio. Ele acaba. E foi muito bom ter ocorrido. Mas a rua não é a academia. Lá, ou na igreja, temos a pastoral. Nós experimentamos isso e não podemos controlar o que está nas ruas”, apontou o Prof. Dr. José Maria Vigil, durante a conferência “O Concílio Vaticano II 50 anos depois: indicações para uma semântica do mistério da Igreja hoje”, no último dia do XIII Simpósio Internacional IHU Igreja, cultura e sociedade. A semântica do Mistério da Igreja no contexto das novas gramáticas da civilização tecnocientífica, realizada ontem, 05, no auditório central da Unisinos.
A reportagem é de Thamiris Magalhães. Foto: Mariana Staudt
O ponto central da Conferência de José Maria Vigil foi a questão da mudança de paradigma vivida pela sociedade atual, que muitas vezes a teologia não consegue acompanhar. “O que está acabando é aquela epistemologia com dogmas, mitos, verdades absolutas e intocáveis. Isso não é mais possível. Há um novo paradigma. Nesse sentido, como a religião pode agir, uma vez que já não é mais possível prender as pessoas, fazer com que elas creiam em uma determinada realidade?”, questiona Vigil, que faz parte da Comissão Teológica da Associação Ecumênica de Teólogos do Terceiro Mundo - ASETT e é o idealizador e realizador dos “Servicios Koinonía”, um sítio que serve de ponto de encontro com a teologia e a espiritualidade da libertação latino-americanas (www.servicioskoinonia.org).
Para o licenciado em Teologia pela Universidad Pontificia de Salamanca, “estávamos usando óculos e não sabíamos. Um dia vimos que podíamos olhar as coisas sem óculos ou com outros óculos. Fomos cegos, não por má vontade, mas por falta de acesso, e não percebemos as mediações”, continuou.
Segundo o licenciado em Teologia Sistemática, estamos fazendo adaptações, encaminhamentos, mas novas propostas de teologia ainda não surgiram. “Não se trata de realizar novas propostas, mas são os pressupostos de sempre que estão mudando rapidamente. Então, temos que fazer novas propostas através de novos pressupostos, e isto está muito distante.”
Vigil afirmou ainda que temos que cruzar com novos paradigmas: um paradigma pós-religional. “Temos um paradigma radical que não sabemos até que ponto terá futuro. A questão é que os paradigmas estão mudando.” Para ele, ao longo dos anos 90 perto dos 2000, vimos que estávamos em uma mudança de época, com todas essas mudanças que deram um salto qualitativo.
Concílio Vaticano II. Ultrapassado?
“Escrevi um artigo que dizia ‘Adeus, Concílio. Adeus’. Continuamos lutando até que em um determinado momento vimos que não era isso, que a problemática do Concílio Vaticano II já não era significativa, estávamos em outra época. Na contemporaneidade, temos outras problemáticas. Trata-se de algo mais profundo. Temos outras perguntas e questionamentos. Apenas aquelas propostas seriam pouco e uma traição ao mais urgente”, confessa. Para Vigil, então, depois de muito tempo, estamos entrando em uma época nova em um novo tempo axial. “Um novo tempo axial significa que talvez estejamos começando a mudar, com outros eixos de importância. Estaremos reconfigurando nossa consciência humana coletiva, não apenas nossa religiosidade”, continuou.
O Concílio Vaticano II, segundo o Prof. Dr. José Maria Vigil, que parecia uma conciliação com o mundo, “teve uma lua de mel bem curta. A situação atual chama a gritos para encontrar a chave para uma nova plataforma de diálogo. Devemos continuar fazendo teologia, mas temos que refletir e incorporar a perspectiva epistemológica”.
Mudanças nas religiões
Para o teólogo, que durante treze anos trabalhou na Nicarágua e, atualmente, mora e trabalha no Panamá, “as religiões não são as de sempre. O catecismo me ensinou que a religião vem de Deus, de Adão e Eva, porque as outras são as que partiram ou apareceram depois. Vale lembrar que as religiões são de ontem à tarde. Ou seja, dos últimos quatro mil e 500 anos – que é quando surgiu o cristianismo”, pondera, ao avaliar que as religiões são muito mais novas que o homem. “Já vivemos muito mais tempo sem religião do que com, mas com religiosidade.”
“Esta não é mais uma crise e nem simplesmente uma mudança de época, se assim fosse, a religião superaria, porque ela já conseguiu superar quase tudo. Mas agora é diferente”, afirma.
Essa mudança, segundo o autor do livro Teologia do Pluralismo Religioso. Para uma releitura pluralista do cristianismo (São Paulo: Paulus, 2006), não está acontecendo apenas na sociedade, “mas também no cristianismo. Estamos vivendo uma história de debates muito importante para o cristianismo”.
Além disso, segundo Vigil, muitas pessoas nos últimos 30, 40 anos, estão se desvinculando da religião formal. “Há uma porcentagem enorme de pessoas que nasceram católicas, foram criadas nesta religião e hoje não o são. Então, pergunto: O que está acontecendo?” Para ele, estamos vivendo neste momento uma grande ruptura com a religião que foi tradicional durante dois milênios.
Logo, para o conferencista, o que está na base de tudo é a ciência. “Todos somos cientistas. Estamos numa sociedade da informação constante e todos nós temos um sentido de crítica, já não somos mais ingênuos, não vivemos mais facilmente com os mitos.”
Momento exponencial
Para Vigil, também autor de La opción por los pobres (Santander: Sal Terrae, 1991), estamos num momento exponencial. “Hoje temos muito mais informação que há alguns anos atrás. São necessários, atualmente, apenas cinco anos para mudarmos muita coisa e precisarmos de outras informações porque a que nós tínhamos já estarão ultrapassadas”, comenta. Para ele, muitas peças de conhecimento podem continuar sendo as mesmas, mas agora são reconfiguradas e cobram novos significados. “Este processo está caminhando sempre para frente”, acrescenta.
Teologia e Ciência
“Atualmente, a ciência não tenta provar nada. Só lança hipóteses. Toda tese para nós é sempre uma hipótese, até surgir outra que pode explicar melhor e descobrirmos que a que tínhamos era insuficiente. E todas elas serão bem-vindas”, explica Vigil. Para o teólogo, a maior contribuição da epistemologia foi descobrir as próprias limitações do conhecimento. “E agora estamos muito inseguros. Não sabemos se há algo absoluto. Estamos incertos, mas ainda com esta incerteza estamos mais seguros de estarmos próximos da realidade do que quando estávamos seguros”, diz. E continua: “Percebemos que a nossa forma de perceber a realidade é mais certa quando estamos assim”.
“A epistemologia religiosa acredita que tem a verdade, eterna, total, divina, mas como dom recebido do alto. A religião quer sempre ter conhecimentos seguros, indiscutíveis”, critica. Nesse conflito, pontua Vigil, há o choque das duas epistemologias: a do conhecimento e a tradicional das religiões, “que era algo imprescindível e não poderia ser abandonada, mas está sendo. Este é o conflito, a meu ver, que está existindo”. Para ele, a teologia pode fazer todas as propostas que quiser, “mas não consegue tocar no axial”.
Para Vigil, o conflito entre ciência e fé não acabou. “Estamos vivendo uma nova crise do geocentrismo, não somos mais os únicos. E tudo o que temos na religião sobre isso não será possível de ser explicado, teremos que ter novos pressupostos, pois este não dá mais conta”, avalia, ao afirmar que estamos chegando numa sociedade que já não precisa de um sistema vigente, “e é isso que está mudando”.
Mudança de paradigma
Segundo Vigil, se Jesus estivesse em nossas realidades, em nossa era axial, pediria que surgisse outra religião, com outras operacionalidades. “A teologia tem que atender todo mundo, mas também temos a obrigação de atender os terrenos novos onde ninguém pensou.” Depois, continua, tem a questão da epistemologia global. “Temos que romper a epistemologia anterior, que era homogênea, estava determinada por uma lógica, aristotélica, que estudamos no seminário como a única, verdadeira. Há outras e novas lógicas. Devemos sair da lógica do sistema imunológico para continuarmos vivendo.” Para ele, temos que saber contradizer essa lógica e pular sobre ela para salvar o conjunto. Vigil complementa com algumas perguntas: “Como podemos fazer que o sistema imunológico aceite ou entre nessa nova lógica?”
Para Vigil, a teologia deve fazer propostas novas, que serão criticadas, certamente, mas que trarão novos olhares para o bem de todos. E finaliza com a frase: “Não devemos jogar nada fora, no lixo. Temos, sim, que reconstruir nossas falas, teorias, linguagens. Isso é mudança de paradigma e é esse o papel da teologia. É uma tarefa difícil, mas é esse o nosso desafio”.
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Mudança de paradigma e o choque entre epistemologias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU