Por: André | 29 Setembro 2012
Paolo Dall’Oglio, que restaurou há quase 30 anos o mosteiro de Mar Musa, a 80 quilômetros ao norte de Damasco, continua a se identificar com a Síria. Expulso em junho por ter contestado o regime, o jesuíta italiano acredita, mais do que nunca, no diálogo entre as religiões.
A entrevista é de Henrik Lindell e está publicada na revista francesa La Vie, n. 3497, de 06 a 12-09-2012. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Você foi expulso da Síria porque defendia os direitos humanos. Você conta com a possibilidade de retornar a esse país assim que a oposição chegar ao poder?
Eu espero voltar desde que a situação o permitir. Eu sou sírio, eu morei 30 anos ali. Eu aspiro a viver como um homem livre num país livre. Eu continuarei, evidentemente, a denunciar a falta de respeito aos direitos humanos.
Grande parte dos cristãos já fugiu do país. Você acredita que algum dia eles vão retornar?
Em primeiro lugar, vamos precisar que se os cristãos não deixam a Síria por causa dos muçulmanos, mas por causa do inferno da guerra. Ora, sabemos por experiência que poucos cristãos retornarão da diáspora.
É preciso temer tempos difíceis para os cristãos que permanecem?
Sim. É um pouco como no Iraque. Tudo se confessionaliza. No Oriente, a guerra civil traz sempre consigo todos os tipos de desvios, violências e pilhagens que encontrarão sua justificativa nos conflitos confessionais. A guerra civil é um sistema muito difícil de parar.
O que a Síria perderá se todos os cristãos deixarem o país?
Ela perderá um lado inteiro da sua civilização. Para esse país, que numa época foi cristão, seria mais que uma perda de memória, seria uma amputação civilizacional. Os sírios estão conscientes disso e o sentem. A civilização árabe é uma civilização cristã, muçulmana e judaica. É nossa civilização comum. Penso numa piada popular que se conta com frequência na Síria: “Quando um sírio muçulmano vai para a Arábia Saudita, ele se pergunta pelo que falta. Ele reflete um pouco e depois se dá conta de que lhe faltam os cristãos”.
Muitas autoridades eclesiásticas não foram longe demais na sua defesa do regime de Bashar Assad?
Eles foram muito longe, certamente, e eu o denunciei. Mas é preciso compreender que esses eclesiásticos acreditam sinceramente no regime como a única solução ruim possível. Na realidade, essa leadership [liderança] cristã estava atrasada em relação ao amadurecimento da população civil.
Os cristãos correm o risco de sofrer represálias por conta de apoio ao regime?
Eles já sofreram por isso... É tanto mais absurdo que há cristãos na oposição, cristãos torturados. Para compreender a situação dos cristãos é preciso recordar que eles estão acostumados a serem censurados, crendo ser protegidos pelo Estado. Eles foram usados pelo regime. Ao contrário, eles acreditam usar o regime para a sua proteção! Eles estão numa lógica de autocensura. E agora eles têm medo de serem denunciados. O verdadeiro desafio é construir um Estado consensual fundado na lei do grupo mais forte ou do mais numeroso.
Qual deveria ser a mensagem do Papa?
Essa viagem, que não é sem riscos, pode marcar uma mudança. Penso no documento do Sínodo sobre o Oriente Médio em 2010. Esse texto, importante, era um sinal precursor, ao menos simbolicamente, da Primavera Árabe. Nele, os cristãos explicam que querem testemunhar seus valores ao lado dos muçulmanos. Eles recordaram que querem criar uma região pacífica e uma forma democrática de Estado. Espero que o Papa insista novamente nesta vontade dos cristãos. As sociedades não serão democráticas apesar do Islã, mas com o Islã e porque os muçulmanos estão convencidos disso.
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“Porque voltarei à Síria”. Testemunho de Paolo Dall’Oglio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU