20 Junho 2012
Não será mais possível ver a figura gigante do padre Paolo Dall’Oglio no mosteiro de Mar Musa, no deserto de Nebek (norte de Damasco). Esse jesuíta italiano, fundador de uma comunidade mista envolvida no diálogo entre muçulmanos e cristãos, recebeu de seu superior, por pressão do regime, a ordem de deixar a Síria, onde ele vivia há quase trinta anos.
A reportagem é de Laure Stephan, publicada pelo jornal Le Monde e reproduzida pelo Portal Uol, 20-06-2012.
Ameaçado de expulsão por Damasco desde novembro de 2011 por suas críticas contra a repressão, o padre Paolo saiu da reserva que havia adotado para poder permanecer no país. Primeiro, através de uma carta aberta dirigida em maio a Kofi Annan, o enviado especial da ONU e da Liga Árabe na Síria, na qual ele pedia por um maior envolvimento internacional. Em seguida, indo no final de maio até Qusair e depois até Homs, cidades insurgentes próximas do Líbano.
Sua visita não passou desapercebida. "Eu não sabia que a decisão de me expulsar já havia sido tomada, mas senti a pressão aumentando. Tive a necessidade moral de fazer essa descida ao inferno para provar a mim mesmo que sou radicalmente solidário ao povo sírio", ele explica em Beirute, primeira etapa de seu exílio, iniciado no dia 16 de junho.
O padre Paolo, que foi até Qusair a chamado de famílias para negociar a libertação de cristãos sequestrados, passou oito dias ali e foi vítima do bombardeio à cidade, assim como seus anfitriões. "Em um hospital improvisado, duas pessoas foram mortas no leito onde eu havia deitado uma hora antes para doar sangue", ele conta. Nesse bastião insurgente, ele encontrou as "forças revolucionárias", como ele chama os rebeldes – um termo que ele nunca usa. Ele também observa o surgimento de grupos islamitas, que, segundo ele, escapam do controle dos rebeldes e se ancoram em uma leitura religiosa da crise, ao contrário dos moradores da cidade.
Hoje, o religioso de 57 anos está mais preocupado e revoltado do que nunca. Preocupado com o "risco de somalização da Síria" gerado, segundo ele, pela passividade dos ocidentais. A revolução não vai parar, "mas a militarização frente à repressão prevaleceu sobre as manifestações pacíficas", ele acredita: "Quanto mais se espera, mais risco se corre de ver a Síria entrar em uma extensa guerra civil ao longo do Orontes [rio que atravessa Homs, Hama e fronteiriço com Idlib] e massacres entre sunitas e alauítas, e mais terreno se deixa para os elementos jihadistas".
E o padre Paolo Dall’Oglio se diz revoltado com o "Ocidente que continua a fazer ouvidos moucos, se escondendo atrás do veto da Rússia e da China. A situação é muito delicada; daqui a três meses, será insustentável". Revoltado também com aqueles que "só conseguem ver um complô na Primavera Árabe" – uma alusão à parte do clero sírio que apoia o regime e "faz parte de um processo suicida".
O padre Paolo, que quer representar "a Igreja dos jovens cristãos para a mudança", teme que estes se vejam presos entre dois extremismos: "o do regime e o da violência jihadista". "O extremismo e as violências expulsarão os cristãos para fora da Síria", ele proclama.
O anúncio da suspensão das atividades dos observadores da ONU na Síria, no dia 16 de junho, acentuou o pessimismo do padre. Estava previsto para que o chefe da missão, general Robert Mood, se manifestasse diante do Conselho de Segurança. "Caso se decida pela retirada dos observadores, isso poderá mergulhar a Síria em uma fase ainda mais difícil", se alarma o padre Paolo. Ele, que é a favor da iniciativa diplomática de Kofi Annan, acredita que "a comunidade internacional nunca se empenhou seriamente para que o plano fosse aplicado: deveriam ter enviado ao local não 300, e sim pelo menos 3.000 observadores, com 30 mil 'acompanhantes' da sociedade civil".
O padre Paolo, que fala árabe perfeitamente e por muito tempo rejeitou uma intervenção militar estrangeira, hoje acredita que operações pontuais, ao lado de uma iniciativa não-violenta, protegeriam a população nas zonas mais expostas, "contanto que não se trate nem de uma guerra generalizada, nem de uma ocupação".
"Mesmo entre os sírios mais pacíficos, contrários a qualquer intervenção, muitos deles não veem mais alternativas a uma vitória militar sobre o regime", ele afirma.
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Expulso da Síria, padre teme risco de multiplicação dos ataques - Instituto Humanitas Unisinos - IHU