Por: André | 20 Dezembro 2013
Apesar das promessas de reforço de seu papel, são tempos difíceis para as Conferências Episcopais. Francisco decide sozinho. Seu mestre de eclesiologia: o jesuíta De Lubac.
Fonte: http://bit.ly/1cCer0j |
A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio Chiesa.it, 18-12-2013. A tradução é de André Langer.
Na entrevista ao vaticanista e amigo Andrea Tornielli, no La Stampa de poucos dias atrás, o Papa Francisco voltou a falar sobre dois pontos da Evangelli Gaudium que suscitaram animados comentários tanto a favor como contra.
O primeiro ponto é a comunhão aos divorciados recasados. O Papa quis precisar que não se referia a ela quando, na Exortação Apostólica, falava da comunhão não como “um prêmio para os perfeitos, mas um generoso remédio e um alimento para os fracos”.
Fazendo isto, Francisco quis esclarecer sua posição ante aqueles que haviam lido essas palavras como uma enésima “abertura” e que se haviam expressado publicamente a favor da comunhão. Entre estes, os últimos foram o recém nomeado secretário do Sínodo dos Bispos, Lorenzo Baldisseri, e o cardeal Walter Kasper.
A segunda pontualização tem a ver com sua recusa da teoria econômica da “recaída favorável” – expressão traduzida em italiano como “ricaduta favorevole” e em inglês “tricel-down” –, segundo a qual “todo crescimento econômico, favorecido pelo livre mercado, consegue por si mesmo produzir maior equidade e inclusão social”.
O Papa Jorge Mario Bergoglio confirmou – “não como um especialista” – que não acredita no fundamento desta teoria. E com isso rechaçou as críticas que lhe foram dirigidas, em particular, pelo teólogo neoconservador estadunidense Michael Novak, segundo o qual a desconfiança do Papa seria compreensível “em um sistema estático como o da Argentina, sem nenhum mecanismo de mobilidade social”, mas não nos Estados Unidos e em outros países com capitalismo avançado, onde “a riqueza surge de baixo” e o crescimento econômico – se é tutelado pelos direitos básicos e pelo cuidado dos pobres típico da tradição hebraico-cristã – propicia a ascensão dos menos favorecidos aos mais altos níveis de vida.
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Das duas pontualizações, a primeira diz respeito a um dos pontos cruciais da Evangelli Gaudium, esse no qual Francisco promete mais colegialidade no governo da Igreja, com maiores poderes atribuídos às Conferências Episcopais.
Em um artigo anterior, este blog ressaltou a novidade desta orientação expressada pelo Papa Bergoglio em relação à linha de seus predecessores Karol Wojtyla e Joseph Ratzinger, ambos muito resolutos contra o risco de que a Igreja se converta em uma “espécie de federação de Igrejas nacionais”.
Alguns eclesiásticos de primeira linha foram além do que disse ou não disse Bergoglio. Por exemplo, o arcebispo Baldisseri – considerado um pupilo do Papa – já deu como fato que “Francisco quer um Sínodo dinâmico e permanente, que seja osmose entre o centro e a periferia”.
A multiplicação na Alemanha, por parte de bispos e cardeais de peso, de pronunciamentos que apóiam a comunhão dos divorciados recasados – que será de fato, um dos temas que será debatido no próximo Sínodo – parece, também ela, respaldar esta novidade.
Há, pelo menos, dois elementos no Papa Bergoglio que parecem orientá-lo na direção contrária.
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O primeiro, é a forma monocromática, centralizadora, com que Francisco está, de fato, governando a Igreja.
As nomeações mais significativas deste início de Pontificado, quer sejam as da cúria como fora dela, foram todas escolhas pessoais do Papa Francisco, às vezes saltando os processos normais de consulta ou omitindo a legislação em vigor.
Por exemplo, apesar de que as leis fundamentais do Governadorado da Cidade do Vaticano permitem que o secretário-geral seja um leigo, o Papa não apenas promoveu a este cargo um eclesiástico, o legionário de Cristo argentino Fernando Vérgez Alzaga, muito vinculado à sua pessoa, mas também o consagrou bispo e confiou-lhe o cuidado pastoral dos cidadãos do pequeno Estado, tirando-o do cardeal Angelo Comastri, arcipreste da Basílica de São Pedro e vigário-geral da Cidade do Vaticano.
Em outros casos, Francisco nomeou pessoas que são a negação viva de seu programa de limpeza e reforma da cúria. E os manteve em seu posto apesar de todas as advertências contrárias que lhe foram feitas, também por parte de eclesiásticos irrepreensíveis e, certamente, de sua confiança.
Em relação às Conferências Episcopais, sua autonomia e seu peso não estão em crescimento, mas em declínio. Entre as que se haviam distinguido na fase final do pontificado de Bento XVI, apenas a dos Estados Unidos segue no mesmo rumo.
A Conferência dos Bispos da Itália (CEI), mais vinculada à sede de Pedro, foi desbancada. Francisco destituiu o secretário-geral Mariano Crociata e o destinou para Latina, uma diocese de terceira categoria. Destituiu o presidente, o cardeal Angelo Bagnasco, da sua função de membro da Congregação para os Bispos, promovendo em seu lugar o arcebispo de Perugia, Gualtiero Bassetti, um dos três vice-presidentes da CEI, que parece, ao contrário, estar nas graças do atual Papa. E agora, em breve, será nomeado o novo secretário, que se converterá de fato no número um da conferência, dependendo diretamente do Papa.
Enquanto isso, Bergoglio solicitou à CEI para que decida se quer ser ela quem elege o seu futuro presidente ou se prefere deixar a nomeação ao Papa, como acontece normalmente.
Em 1983, na única consulta a respeito que tiveram sobre o tema, os bispos italianos foram, em sua maioria, favoráveis à eleição.
Mas desta vez, pelos rumores que circulam, parece que a maior parte prefere deixar esta incumbência ao Papa Francisco, na condição de que evite o risco de entrar em colisão com ele.
No conclave de março passado, os vértices da CEI dedicaram-se a apoiar o cardeal Angelo Scola. E pouco depois do “habemus papam” divulgaram, por erro, um comunicado de aplauso pela eleição... do arcebispo de Milão.
Temem ainda que quem saiu escolhido não os tenha perdoado.
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O segundo elemento que parece frear o Papa Francisco no reforço das Conferências Episcopais, em função de um governo da Igreja mais “colegial”, tem a ver com a eclesiologia.
“A Igreja universal não pode ser concebida como a soma das Igrejas particulares nem como uma federação de Igrejas particulares. Não é o resultado da comunhão das Igrejas, mas, em seu essencial mistério, é uma realidade ontológica e temporalmente prévia a cada Igreja particular concreta”.
Assim se expressaram João Paulo II e o então cardeal Ratzinger em uma carta de 1992 da Congregação para a Doutrina da Fé intitulada “Communionis notio”.
A carta foi dirigida aos bispos e continuava assim: “Com efeito, ontologicamente, a Igreja-mistério, a Igreja una e única segundo os Padres precede a criação, e dá à luz as Igrejas particulares como filhas, expressa-se nelas, é mãe e não fruto das Igrejas particulares. Por outro lado, temporalmente, a Igreja manifesta-se no dia de Pentecostes na comunidade dos 120 reunidos em torno de Maria e dos Doze Apóstolos, representantes da única Igreja e futuros fundadores das Igrejas locais, que têm uma missão orientada para o mundo: já então a Igreja fala todas as línguas.”
“Dela, originada e manifestada universal, tiveram origem as diversas Igrejas locais, como realizações particulares dessa una e única Igreja de Jesus Cristo. Nascendo em e a partir da Igreja universal, nela e dela têm sua própria eclesialidade. Assim, pois, a fórmula do Concílio Vaticano II: ‘a Igreja em e a partir das Igrejas’ (Ecclesia in et ex Ecclesiis), é inseparável desta outra: ‘As Igrejas em e a partir da Igreja’ (Ecclesiae in et ex Ecclesia). É evidente a natureza mistérica desta relação entre Igreja universal e Igrejas particulares, que não é comparável à do todo com as partes em qualquer grupo ou sociedade meramente humana”.
A carta dava forma oficial à tese defendida por Ratzinger na disputa que o opunha ao companheiro teólogo alemão, Walter Kasper.
Kasper defendia a simultaneidade originária da Igreja universal e das Igrejas particulares e via na ação de Ratzinger “uma tentativa de restauração teológica do centralismo romano”. E Ratzinger reprovava em Kasper a redução da Igreja a uma construção sociológica, colocando em perigo a unidade da Igreja e, em particular, o ministério do Papa.
A disputa entre os dois cardeais teólogos continuou até 2001, com uma última troca de estocadas na revista dos jesuítas de Nova York, a America.
Eleito Papa, Ratzinger voltou a confirmar sua tese na Exortação Apostólica pós-sinodal Ecclesia in Medio Oriente, de 2012: “A Igreja universal é uma realidade que antecede as Igrejas particulares, que nascem em e pela Igreja universal. Esta verdade reflete fielmente a doutrina católica e, em particular, a do Concílio Vaticano II. Ela nos introduz na compreensão da dimensão ‘hierárquica’ da comunhão eclesial, e permite que a rica e legítima diversidade das Igrejas particulares se articule sempre na unidade, como lugar onde os dons particulares se convertem em uma autêntica riqueza para a universalidade da Igreja”.
E Bergoglio? Eleito para a cátedra de Pedro, deu imediatamente a impressão de querer um governo da Igreja mais colegial.
E em seu primeiro Angelus na Praça São Pedro, em 17 de março, contou à multidão ter lido com proveito um livro do cardeal Kasper, “um teólogo muito capaz, um bom teólogo”.
Alguns associaram ambas as coisas, concluindo que o Papa Francisco apoiava as posições de Kasper no que diz respeito à relação entre Igreja universal e Igrejas locais.
Mas não era assim. O livro de Kasper que o Papa havia lido não tratava de eclesiologia, mas sobre a misericórdia de Deus.
E em relação à eclesiologia, o teólogo que Bergoglio admirou e sempre citou é Henri de Lubac (1896-1991), jesuíta e cardeal, autor, em 1971, de um ensaio intitulado “As Igrejas particulares na Igreja universal”, que defendia com 20 anos de antecedência e quase com as mesmas palavras, as teses de Ratzinger e da Communionis notio.
Segundo De Lucac “a Igreja universal não é o resultado em um segundo momento de uma soma de Igrejas particulares ou de sua federação”. Nem a colegialidade episcopal deve ser traduzida em “nacionalismos eclesiais que costumam vir acompanhados, também, de um nefasto pluralismo doutrinal”, assim como também não deve eliminar a autoridade do Papa.
No capítulo quinto do citado livro de De Lubac, este aplica a análise às Conferências Episcopais e atribui a elas um fundamento não doutrinal, mas simplesmente pragmático, não de direito divino, mas apenas de direito eclesiástico:
“A constituição conciliar Lumen Gentium é o mais claro possível a este propósito. Não reconhece nenhuma mediação de ordem doutrinal entre a Igreja particular e a Igreja universal”.
O Papa Bergoglio não é um teólogo, mas estes são seus mestres.
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Muito centralizador e pouco colegial. Assim o veem os bispos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU