17 Outubro 2012
No dia 9 de dezembro de 1965, os 2.500 padres conciliares se despediram e voltaram às suas Igrejas locais. Mas o Concílio não havia terminado. Esses bispos que haviam entrado no Concílio como representantes ou embaixadores de uma Igreja européia saíam dele como pastores de um cristianismo universal.
A reportagem e a entrevista é de Marcello Matté, publicada na revista Settimana, 14-10-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Concílio havia amadurecido as sementes do movimento bíblico, da renovação litúrgica, da recuperação patrística e do caminho ecumênico plantadas em território europeu e norte-americano, e que sobreviveram à "crise do modernismo". Agora começava a colheita: restava acolher e interpretar o magistério do Concílio.
E a Cúria Romana não pretendia renunciar ao controle sobre o resultado final desse evento que, justamente pela Cúria, havia sido minimizado no momento da sua convocação, e depois havia ido "além das expectativas" no seu desenvolvimento.
Massimo Faggioli é doutor em História da Religião e professor de História do Cristianismo no Departamento de Teologia da University of St. Thomas, de Minnesota, Estados Unidos.
Eis a entrevista.
Professor Faggioli, como evoluiu a acolhida do Concílio por parte da Igreja nesses 50 anos?
Nos primeiros anos após o Concílio, o leque "ideológico" dos teólogos parecia unânime na acolhida entusiasmada dos documentos finais e das novidades propostas pelo Concílio. A tensão entre "letra" e "espírito" do Vaticano II não tinha grande peso naqueles dias, nem havia se manifestado ainda o atrito entre quem lia o Concílio em "continuidade" com a tradição católica no seu conjunto e quem, ao invés, lia em uma "descontinuidade" com o catolicismo daquele "longo século" que vai de Gregório XVI a Pio XII.
Esse unanimismo teológico particular não duraria muito tempo. Já no fim do Concílio, o debate sobre o papel da Constituição Pastoral Gaudium et Spes havia separado em lados opostos os teólogos do século XX, entre neoagostinianos (J. Daniélou, H. de Lubac, J. Ratzinger, H. U. von Balthasar) e neotomistas (M.-D. Chenu, Y. Congar, K. Rahner, B. Lonergan, E. Schillebeeckx).
O nascimento da revista Concilium (1964) representa a tentativa mais importante de divulgar o Vaticano II como obra de estudiosos representantes de uma vasta maioria conciliar (Küng, Congar, Rahner, Schillebeeckx). Mas já em 1970, o grupo registrou as primeiras deserções (de Lubac, von Balthasar, Ratzinger), polarizando a atitude dos teólogos com relação ao Vaticano II. A revista internacional Communio, fundada em 1972 por Ratzinger, von Balthasar e de Lubac, marcava a tomada de distância da progressista Concilium. Os redatores da Communio preferiam interpretar o Vaticano II segundo aqueles que eles mesmos chamavam de uma "hermenêutica da continuidade" e segundo uma abordagem mais agostiniana com relação à relação Igreja/mundo moderno.
Que outros eventos separaram as diversas interpretações do Vaticano II?
O impacto de 1968 sobre a Igreja Católica e a encíclica Humanae Vitae de Paulo VI tiveram um papel importante na recepção do Vaticano II. Eles deram origem à primeira "revisão", menos entusiasta e mais prudente, das interpretações do Concílio e iniciaram uma leitura mais ligada a posições ideológicas do que à história da teologia e da Igreja.
Por um lado, as controvérsias na Igreja do início dos anos 1970 acentuaram as distâncias entre as diversas interpretações. Por outro lado, a minoria "ultraconservadora", ao contrário, se soldou no combate contra o Vaticano II. A pequena "seita" criada por Dom M. Lefebvre em 1970 – a Sociedade São Pio X – efetivamente representou a mais embaraçosa (para dizer o mínimo) expressão do catolicismo contemporâneo explicitamente hostil ao Vaticano II, enraizado em uma cultura teológica pré-moderna e caracterizada por uma visão política antidemocrática.
A excomunhão de Dom Lefebvre em 1976 não influenciou muito sobre o debate em torno do Concílio, mas o cancelamento da excomunhão dos quatro bispos ordenados por Lefebvre por obra de Bento XVI (2009) trouxe à tona uma fratura – coberta mas incisiva – entre as posições europeia e norte-americana com relação ao Concílio.
Que impulsos para a recepção do Vaticano II vieram com a eleição de João Paulo II, bispo de Cracóvia muito ativo na comissão conciliar para a Gaudium et Spes?
Nos anos 1980 e 1990, o debate sobre o Vaticano II abandonou a academia teológica e foi mais influenciado pela "política doutrinal" da Santa Sé, em particular de João Paulo II e do cardeal J. Ratzinger, nomeado prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé em 1981. Ambos participantes de relevo do Vaticano II, deram origem a uma política complexa, às vezes contraditória, acerca da herança do Concílio e do seu papel no catolicismo contemporâneo. Depois da reinterpretação teológica do Vaticano II realizada com a "recodificação" do direito canônico, que levou ao Código de 1983, João Paulo II convocou uma assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos em 1985, por ocasião do 26º aniversário do encerramento do Concílio. Estabelecia-se o objetivo de superar as polarizações e chegar a um consenso mais amplo.
O Sínodo e o seu Relatório Final confirmaram (!) que "o Concílio é uma legítima e válida expressão e interpretação do depósito da fé, como se encontra na Sagrada Escritura e na viva tradição da Igreja" e forneceu algumas diretrizes para uma interpretação fiel. O Sínodo constatou que "também houve certas sombras no tempo pós-conciliar, devido em parte a uma não plena compreensão e aplicação do Concílio, em parte a outras causas. De nenhum modo, no entanto, pode-se afirmar que tudo o que aconteceu depois do Concílio foi causado pelo Concílio" (EV9/1781).
Quanto à interpretação, "não é lícito separar a índole pastoral do vigor doutrinal dos documentos. Assim também não é legítimo separar espírito e letra do Concílio" (EV 9/1785). Quanto à hermenêutica da continuidade ou descontinuidade, o Sínodo reconhece a complexa articulação entre tradição e transição na teologia católica, especificando que "o Concílio deve ser compreendido em continuidade com a grande tradição da Igreja e, ao mesmo tempo, da própria doutrina do Concílio devemos receber luz para a Igreja hodierna e para os homens do nosso tempo" (EV9/1785).
A abordagem diversificada e às vezes contraditória de João Paulo II ao Concílio, a sua decisão de convocar o Sínodo de 1985 e o resultado geral do Sínodo com relação ao debate sobre o Vaticano II foram, de algum modo, ofuscados pelo Rapporto sulla fede [Relatório sobre a fé], o livro-entrevista de Ratzinger. Publicado às vésperas do Sínodo com o objetivo de exercer pressão sobre os bispos e sobre a opinião pública, ele punha novamente em discussão a abordagem ao Vaticano II, imputando-lhe a responsabilidade pela crise do catolicismo no pós-Concílio.
Ao mesmo tempo, a política doutrinal da Santa Sé sobre alguns temas centrais do Vaticano II, como a eclesiologia, começou a se desenrolar a partir de meados dos anos 1980 através da Congregação para a Doutrina da Fé e da Comissão Teológica Internacional. A Congregação promulgou em março de 1989 uma nova Profissão de Fé que deveria ser abaixo-assinada por aqueles que fossem chamados a ocupar cargos em nome da Igreja (EV 11/1191-1195).
A carta aos bispos sobre a "eclesiologia de comunhão" (Communionis notio, 28-5-1992, EV 13/1774-1807) e a "declaração da unicidade salvífica universal de Jesus Cristo e da Igreja" sobre a relação entre Cristo, Igreja e as religiões não cristão (Dominus Iesus, 06-08-2000, EV 19/1142-1200) marcaram dois outros passos importantes na recepção romana do Vaticano II.
No que se refere ao governo da Igreja, a Constituição Apostólica de João Paulo II Apostolos suos (21-05-1998, EV 17/808-850), sobre o estatuto e a autoridade das conferências episcopais, ressolidificou uma das teses fundamentais da Comissão Teológica Internacional presidida pelo cardeal Ratzinger, isto é, a necessidade de redimensionar alguns aspectos da descentralização operada no pós-Concílio em favor das conferências episcopais. Parecia que Roma pedia a restituição de cotas de poder.
Mudou essa "política doutrinal" com a eleição de Bento XVI?
O ano de 2005 marcou o 40º aniversário do encerramento do Concílio, mas foi a eleição de Bento XVI que determinou dois fatores importantes.
1) Depois do discurso à Cúria Romana em dezembro de 2005 e do documento vaticano de junho de 2007 sobre eclesiologia e a interpretação autêntica do "subsistit in" da Lumen gentium 8 (EV 1/305), ele alimentou a percepção de uma nova temporada. O ensino de Bento XVI havia reacendido o debate sobre o papel, por um longo tempo indiscutível, do Concílio na Igreja Católica, legitimando a impressão de uma "atitude revisionista" (senão de uma "política revisionista") de Roma com relação ao Concílio.
2) O motu proprio sobre a liturgia Summorum Pontificum (07-072007, EV 24/1101-1126), com o qual permite o uso do Missal latino tridentino e a retirada da excomunhão dos quatro bispos ordenados por Lefebvre, atraiu uma nova atenção sobre o Concílio e lançou as premissas para uma compreensão nova do seu significado.
A direção do pontificado de Bento XVI e as tentativas de reabsorver o cisma lefebvriano indicam que o impulso propositivo e reformador do Vaticano II se esgotou?
O Concílio já está enxertado no DNA do catolicismo moderno. No entanto, uma das principais linhas de ruptura na interpretação do Vaticano II corre entre aqueles que, baseando-se na letra dos documentos, veem o Concílio como o "fim", o selo conclusivo de um processo de renovação, e aqueles que o veem, ao contrário, como o início de uma renovação, baseando-se na percepção de que o Concílio é bem mais do que a coleção dos seus documentos. Repropõe-se a dialética entre a hermenêutica da "letra" e do "espírito" do Concílio.
Os defensores do Concílio como "início" podem facilmente demonstrar que a sua visão do Concílio como algo que "faz crescer" o depósito doutrinal reflete o que sempre aconteceu nos períodos pós-conciliares e encontra fundamento em algumas das decisões mais relevantes de Paulo VI (por exemplo, a aprovação dos novos movimentos) e de João Paulo II (por exemplo, o "magistério dos gestos" como Assis em 1986 e Damasco em 2001).
A percepção do Vaticano II como "início" remonta a uma lição de Karl Rahner em 1965, intitulada O Concílio: Início de um Início, na qual ele se pergunta se o significado do Vaticano II irá durar no tempo, e ele afirma que a resposta poderia ser dada no indicativo, mas, em última análise, é um imperativo. Para Rahner, o Concílio tornou um novo começo possível e legítimo. Pensar no Vaticano II como um início implica considerá-lo como um evento do Espírito, cujo impulso, portanto, não abandonaria a Igreja ao término das sessões.
Por outro lado, considerar o Vaticano II como o fim da renovação significa adotar uma visão pneumatológica diferente do Concílio e uma abordagem evidentemente negativo, não só com relação ao que aconteceu depois do Vaticano II, mas também no Vaticano II. Nesse marco, o "choque das narrativas" não encontra solução apenas no estudo da história do Concílio e dos seus documentos, mas exige um genuíno discernimento dos elementos de uma "percepção guiada pelo Espírito": o sensus fidelium, o estudo de teólogos e a supervisão do magistério, nessa ordem, dizia Ormond Rush em um livro publicado há alguns anos.
Recusar-se a ver no Vaticano II o início de uma renovação é uma traição da intenção e da história do Concílio. Não só: isso também denuncia uma escassa confiança na capacidade da Igreja de guiar a mudança confiando na assistência do Espírito para interpretar os "sinais dos tempos". Bento XVI dizia em julho passado: "Os documentos do Concílio contêm uma riqueza enorme para a formação das novas gerações cristãs, para a formação da nossa consciência".
Quais são as dialéticas mais relevantes em ação no "choque das narrativas"?
A maior parte dos historiadores e dos teólogos do Concílio concordam que o Vaticano II é ao mesmo tempo um "corpo de documentos" e um "evento", a ser acolhido na "letra" e a ser interpretado no "espírito". Isso significa ampliar o olhar para o pós-Concílio e para a sua recepção. Os detalhes já disponíveis sobre a história dos documentos conciliares confirmam a necessidade de manter unidas uma leitura "intratextual" e uma leitura "intertextual", e não contrapor "letra" e "espírito".
Outra dialética emerge na abordagem do corpo dos documentos. Na interpretação de Christoph Theobald, a arquitetura eclesiológica do Vaticano II está estruturada em torno a duas dimensões, horizontal e vertical. A dimensão horizontal da Igreja (ad intra e ad extra) deve ser equilibrada com a dimensão vertical, atribuindo prioridade à ideia de revelação expressa na Constituição Dei Verbum (e na Declaração sobre a Liberdade Religiosa Dignitatis humanae). Segundo Theobald, a Igreja é o ponto de encontro das dimensões horizontal e vertical dos textos conciliares, e a unidade do corpo doutrinal do Vaticano II não é dada pelo gênero literário, mas sim pela coerência sistemática da sua teologia ao longo das coordenadas horizontal-vertical.
Uma segunda abordagem aos documentos como material teológico se concentra mais no estilo e na história da sua gestação. John O'Malley sugere uma hermenêutica mais atenta a novos elementos, como a linguagem. Constatar que uma das características específicas dos textos conciliares reside no seu estilo "exortativo" tem repercussões notáveis sobre os modos de fazer teologia e leva a avaliar o Vaticano II como um "evento semântico".
A crise da autoridade papal aberta pela Humanae vitae, além das implicações de caráter doutrinal, coloca também a questão da "mudança" e da "continuidade". O magistério papal de 1968 inaugurou a temporada da desilusão pós-conciliar e marcou o início de uma fratura entre o magistério e uma teologia que havia abandonado a metafísica como seu pivô e havia se tornado cada vez mais teologia da "história salvífica", na qual a história é conteúdo substancial. A relevância atribuída à história, e, portanto, à evolução em teologia, é, de longe, o fator mais importante para classificar a teologia católica depois do Vaticano II e sobre o Vaticano II.
Por um lado, há aqueles que veem a hermenêutica da "continuidade" como a única possível. Por outro lado, aqueles que privilegiam a chave interpretativa da "descontinuidade" entre o "antes" e o "depois" do Concílio, em sentido melhorativo.
Esse modo de considerar a relação entre historicidade e teologia na Igreja, por um lado, e a questão da continuidade/reforma/descontinuidade, por outro, muitas vezes se esquece da imensa quantidade de "descontinuidade" na história dos Concílios.
É hora de reconhecer que o caráter de evento do Vaticano II é um aspecto fundamental da história desse concílio, assim como de todo concílio. Mas a estrutura hermenêutica, ou seja, o modo pelo qual o pensamento moderno se aproxima de um texto, mudou e, para o Vaticano II, o caráter de evento foi mais dramático e produziu mudanças mais visíveis, graças à sua dimensão global de primeiro Concílio do catolicismo pós-europeu.
O Vaticano II faz parte da história dos concílios. Negar a amplitude da mudança no Vaticano II é negar o seu caráter de evento e dos concílios anteriores. Assumir uma perfeita continuidade entre o Vaticano II e a tradição anterior acaba configurando esse último concílio como uma exceção na história dos concílios.
Por trás da identidade da Igreja em relação ao mundo moderno, há, portanto, às vezes inconsciente ou indireta, uma interpretação do Vaticano II. Por isso, não se trata de uma questão puramente acadêmica. Como dizia um ditado que corria na Rússia soviética: "Sabemos exatamente como será o futuro. É com o passado que temos problemas: ele muda continuamente". Mas, ao contrário da ideologia soviética, a Igreja tem um forte senso do seu passado, que não é tão fácil de mudar com um golpe de caneta.
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Vaticano II, um risco ou em risco? Entrevista com Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU