Por: André | 15 Novembro 2013
José Manuel Vidal (na foto) é diretor do Religión Digital e correspondente religioso do El Mundo. Estudou Filosofia e se licenciou em Teologia e Sociologia pela Pontifícia Universidade de Salamanca. Na quarta-feira desta semana fez uma conferência no Ateneo Jovellanos sobre “Tornar-se-á a primavera de Francisco realidade na Igreja?
Fonte: http://bit.ly/1cWNUkB |
A entrevista é de Javier Morán e está publicada no jornal espanhol La Nueva España, 14-11-2013. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Darão os bispos espanhóis a conhecer aos fiéis o questionário do Papa sobre a família e a sexualidade?
Creio que, na sua maioria, não. Dá-me a sensação de que estão colocando empecilhos, pois estão muito acostumados aos canais oficiais e a filtrar as respostas deste tipo de consulta. Mas há bispos que iniciaram a consulta às bases e às paróquias. Estou pensando em Quinteiro, bispo de Vigo, um homem bastante conservador que, assim mesmo, colocou o processo em marcha. Os bispos terão muita dificuldade para esquivar-se do poder da demanda dos fiéis, que através dos meios de comunicação sabem que há uma consulta e que o Papa quer que chegue às bases.
Ideias claras nos católicos?
Muito claras, muito mais que na hierarquia da Igreja, e muito contrárias ao que essa hierarquia pensa em temas de moral sexual e familiar, que os leigos vivem diretamente.
O questionário pergunta: “Quais são os aspectos mais problemáticos (da doutrina moral da Igreja) que tornam difícil a sua aceitação para a grande maioria dos casais?” Parece mais um diagnóstico do que uma pergunta.
A consulta em si mesma já é um diagnóstico. Ou seja, fazer essas perguntas constata o cisma silencioso que se opera na Igreja nesses temas de moral sexual e familiar há muitas décadas. A Igreja pede o máximo e se contenta com o mínimo, e as pessoas sabem disso. Pessoas normais, cristãs, crentes, católicas, e inclusive pessoas que vão à missa, não cumprem e não se sentem culpadas por descumprir a doutrina dos preservativos ou dos anticoncepcionais.
Simultaneamente à autoridade do magistério da tradição e da Escritura, o Concílio Vaticano II contemplou o “sensus fidei”, ou “sensus fidelium”, o sentido da fé que os fiéis possuem, mas fala-se pouco disso.
O Vaticano II foi congelado, foi posto entre parênteses e voltou-se à instituição e ao modelo eclesial piramidal. Mas não é estranho que Francisco recupere o “sensus fidelium” para sondar o que pensa o Povo de Deus sobre isto. Creio que vai haver mudanças inclusive doutrinais quando isso for majoritário no Povo de Deus e não cause escândalo, majoritariamente falando.
Como pode um Papa modificar uma doutrina que um antecessor fixou?
Era difícil mudar o pontificado, mas este Papa o fez em oito meses. Deu a volta. Passou-se de um pontificado mais ou menos imperialista para um pontificado colegial e corresponsável. Por isso o G-8 (grupo de cardeais que estuda a reforma da cúria), e por isso a sinodalidade e esta pesquisa. O caminho é traçado pelo Vaticano II e é preciso descongelá-lo. Logicamente, é mais complicado mudar a doutrina, mas depende de que tipo de doutrina, porque nem toda ela está amarrada no mesmo nível. Evidentemente, o Papa não vai tocar nos dogmas, nem lhe corresponde, nem pensa em fazer isso. Mas com toda a outra doutrina opinável ou contestável, e dentro dela a doutrina sexual, eu creio que não só vai fazê-lo, como deve fazê-lo. A sangria que a Igreja enfrenta neste momento tem sua principal causa no fato de que as pessoas jovens não suportam este tipo de moral sexual repressora e reprimida. Um rapaz que até os 30 anos não pode se casar e não pode... Não faz sentido.
O promotor italiano Nicola Gratteri acaba de dizer que a limpeza financeira do Papa causa nervosismo nos círculos mafiosos e que poderiam tramar algo contra Bergoglio.
Este homem tem muitos inimigos internos: os preguiçosos, os que haviam imposto determinado modelo eclesial como o único verdadeiro. Esses foram pegos no contrapé. Mas também tem inimigos externos, porque este Papa tem uma autoridade moral planetária e em oito meses conseguiu projetar-se como uma referência mundial em todos os níveis – arremete uma e outra vez contra a corrupção ou o pecado dos sistemas financeiros, e diz que uma pessoa sem trabalho é uma pessoa sem dignidade. Tudo isso atenta contra os grandes sistemas financeiros. Mas eu não me dei conta de que a máfia, segundo diz este promotor, tem razões para estar tão incomodada e muito nervosa em relação à limpeza. Se era a máfia que estava usando os canais vaticanos e o Banco Vaticano para lavar dinheiro e este Papa está rompendo e cortando esse canal, logicamente ele está se expondo. Mas não tem medo. Eu o vi no Rio de Janeiro, expondo-se de rosto descoberto com um carro simples e com o vidro abaixado, e o mesmo fez nas favelas.
A arquidiocese de Granada patrocinou a publicação do livro 'Casa-te e sê submissa', de uma autora italiana. Qual é a sua opinião sobre o alvoroço que causou?
Temos mais uma de dom Javier Martínez e já são muitas desde que o tiraram de Córdoba até que teve que passar pelos juizados. Além disso, temos uma operação comercial muito bem orquestrada: aproveitaram o “boom” midiático que conseguiram com isto para lançar uma segunda parte desse livro, em vez de retirá-lo, que é o que todo o mundo está pedindo e todos os partidos políticos, PP, PSOE ou o IU. Nunca vi tanta unanimidade em torno de um mesmo assunto, até na própria Igreja, porque o bispo Iceta, de Bilbao, disse que essa não é a doutrina da Igreja. Eu creio que o bispo de Granada pede renúncia e vejo em Javier Martínez o bispo alemão que o Papa mandou para um mosteiro. É um bispo príncipe, dos antigos, que não se modera e que não vai mudar.
Fim da era Rouco?
Está chegando. A próxima semana inicia com o fim de Camino (Juan Antonio Martinez Camino, secretário da Conferência Episcopal Espanhola) na Conferência Episcopal. Creio que a eleição será sintomática, porque os bispos vão nomear o sucessor de Camino e se verá se estão em sintonia com Roma, se têm o relógio na hora romana. Esse posto é muito importante em nível interno e em nível midiático, porque é a cara da Igreja, e há de ser completamente diferente da de Camino. Há de ser uma cara amável, sorridente..., o que pedem os novos ares deste Papa. Eu penso que vão por aí.
A saúde do Religión Digital?
Excelente nos tempos presentes. Em nível informativo e inclusive em nível comercial estamos crescendo sem parar e estamos demonstrando que é possível fazer um meio de comunicação de informação religiosa plural, aberto e livre. E estamos desfrutando da nova época que estamos vivendo com este Papa. Ele nos dá muitíssimo trabalho, mas o fazemos com muito gosto. Passamos por ser de esquerda e isso emociona. Até uns meses atrás queriam nos excomungar, sobretudo na galáxia digital mais conservadora. Mas neste momento as informações que temos de Roma, inclusive de instâncias muito próximas ao Papa é que estão muito contentes, e nós também.
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“Católicos de ir à missa descumprem a doutrina sexual da Igreja sem se sentirem culpados”. Entrevista com José Manuel Vidal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU