''Deusa propina'': a última cruzada de Francisco

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11 Novembro 2013

"Um hábito mundano e fortemente pecaminoso". Um vício das pessoas que "perderam a dignidade" e saciam os seus filhos com o "pão sujo". O Papa Francisco escolhe tons ásperos para lançar o seu anátema contra a "deusa propina" e os seus "devotos", uma advertência anticorrupção pronunciada nessa sexta-feira de manhã durante a ritual missa na casa de Santa Marta, no Vaticano.

A reportagem é de Marcello Longo, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 09-11-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O raciocínio de Bergoglio parte das páginas do Evangelho com a explicação da parábola do administrador desonesto, em que um malfeitor é elogiado pelo chefe pela sua notável astúcia. "É o louvor da propina", exclama Francisco, lançando-se contra o "espírito da mundanidade que agrada tanto do demônio" e que permeia a figura protagonista do trecho evangélico.

Assim, no discurso do pontífice, também entram em jogo os homens com cargos de responsabilidade: "Todos não!", especifica o papa, mas "alguns". Ele se refere a "administradores públicos, de empresas e do governo", que apresentam todas as características daquela atitude – segundo Bergoglio, na base da corrupção – caracterizada pela busca "do caminho mais curto, mais cômodo para ganhar a vida".

Durante a homilia, Francisco comparou a praga dos subornos a um mecanismo biológico capaz de criar dependência: "Começa-se com uma propina, mas é como uma droga". O suborno se torna uma rotina, um hábito – destaca – "que não vem de Deus", porque "Deus nos mandou trazer o pão para casa com o nosso trabalho honesto".

À dura crítica contra os ganhos fáceis da corrupção, segue-se um pedido de oração. Bergoglio se volta àqueles filhos "talvez educados em colégios caros, que cresceram em ambientes cultos" que recebem dos pais "sujeira como comida", ou seja, o fruto de rendas ilegais.

"Fará bem a nós – acrescenta Francisco – rezar pelas muitas crianças e jovens que recebem dos seus pais pão sujo. Esses também estão famintos: famintos de dignidade". Outra oração é reservada aos senhores dos subornos, para que "mude o coração desses devotos da deusa propina" e para que percebam que "a dignidade vem do trabalho digno de todos os dias e não desses caminhos mais fáceis que, no fim, lhe tiram tudo".

A corrupção é um tema caro ao Papa Bergoglio. Em março deste ano, foi publicado nas livrarias, pela editora EMI, o livro Guarire dalla corruzione, uma acusação contra o mal costume institucional sintetizado na expressão "pecadores sim, mas não corruptos". No texto, uma das primeiras publicações de Bergoglio em italiano, o papa analisa a figura do corrupto: um sujeito que "passa a vida em meio aos atalhos do oportunismo, ao preço da sua própria dignidade e da dos outros. O corrupto tem rosto de 'não fui eu', o rosto de 'santinho', como dizia a minha avó. Mereceria um doutorado honoris causa em cosmética social. E o pior é que acaba nos fazendo crer nisso".

Como em outras ocasiões, as palavras do papa argentino se dirigem sem filtros à consciência dos fiéis. É inevitável, porém, imaginar uma conexão entre as questões levantadas com força por Francisco e o projeto de uma Igreja renovada e limpa dos escândalos. O anátema sobre a corrupção parece evocar a necessidade de uma comunidade cristã de "mãos limpas". Dentro e fora dos muros do Vaticano.