Por: André | 22 Janeiro 2014
Tanto na Igreja como no Governo definem a relação entre o Papa e a Presidenta Cristina Fernández como institucional e cordial. A estratégia de receber todos e todas. Sua visita ao país programada para 2016.
Fonte: http://bit.ly/1elOhCP |
A reportagem é de Washington Uranga e publicada no jornal Página/12, 19-01-2014. A tradução é de André Langer.
Poder-se-ia encher muitas páginas de jornal com a simples transcrição da lista de visitantes argentinos a Roma para encontrar-se com o Papa Francisco. Outras tantas, com os nomes de quem – aproveitando o estilo informal do Pontífice argentino – garante que recebeu efetivas ou supostas mensagem de Bergoglio. E, certamente, uma infinidade de páginas com as repercussões do que se teria conversado (ou não) nesses encontros (reais ou não) e as especulações em torno disso. O concreto é que, mesmo de Roma, Jorge Bergoglio continua presente na política argentina. Como?
Quando o jornalista tenta decifrar como é a relação entre Francisco e a presidenta Cristina Fernández todas as fontes – governamentais e eclesiásticas – respondem quase em uníssono com os mesmos qualificativos como se existisse uma resposta orquestrada ou sincronizada: “normal”, “institucional”, “cordial”. Essas são as palavras mais usadas.
Ficam de lado tanto as afirmações que falam de um diálogo telefônico “assíduo” entre a Presidenta e o Papa, mas longe estão também os tempos em que a relação entre o cardeal Bergoglio e os inquilinos da Casa Rosada era tensa. Sabe-se que Cristina Fernández comunicou-se com Francisco quando teve alta do hospital para agradecer as mensagens e as orações do Papa. Também que a Presidenta apreciou muito o gesto do Papa de presentear sapatinhos para o seu neto durante o breve encontro que mantiveram no Rio por ocasião da Jornada Mundial da Juventude.
No Governo leu-se também muito positivamente o anúncio realizado por Francisco sobre sua primeira visita ao país, que será em 2016, por ocasião do Congresso Eucarístico que se realizará em Tucumán. A interpretação é que Bergoglio evita desta maneira qualquer utilização política da sua figura no difícil período que transcorrerá antes das eleições presidenciais de 2015. Quando o Papa Francisco aterrissar pela primeira vez na Argentina na condição de máximo líder da Igreja católica, um novo governo estará no começo do seu mandato e, independentemente da sua orientação, com forças renovadas pelo resultado das urnas.
Como era previsível desde o primeiro momento em que foi eleito, em 13 de março do ano passado, as viagens a Roma de dirigentes políticos, sociais, sindicais e até desportivos aumentaram de maneira muito significativa. Mas há muitas e diferentes presenças e encontros. Sem descartar o sentido religioso e emotivo de muitos viajantes, são comuns aqueles que chegam ao Vaticano para conseguir uma foto ao lado do Papa. Bergoglio sabe disso e não faz muito para impedi-lo. Aceita – como comentou a algumas pessoas da sua confiança – que se trata de algo “inevitável”. Como impossível é controlar os comentários sobre o que se conversou – quando tais conversas realmente existem – entre o Papa e seus eventuais interlocutores. As afirmações correm por conta dos viajantes e da credibilidade que estes tiverem junto aos seus interlocutores. Nem o Vaticano nem Francisco fazem comentários sobre o particular.
Certamente, nem todas as visitas são do mesmo tipo e têm o mesmo valor. Nem sequer todos os que conseguem a tão desejada foto entram na mesma categoria. Entre estes estão aqueles que só conseguem tirar uma foto ao lado do Papa, apertar-lhe a mão e trocar uma rápida saudação, por exemplo, no final de uma audiência pública das quartas-feiras. Outros conseguem encontros privados e oficiais dentro da agenda pontifícia. Mas há pelo menos outros tantos que não aparecem nas fotos e tampouco na agenda oficial do pontífice e são talvez estes últimos os contatos mais importantes e substanciosos.
Sabe-se que Bergoglio admite que a burocracia vaticana organize sua agenda oficial de segunda-feira até sexta-feira pela manhã. Mas as reuniões das tardes e os sábados ficam por conta dele mesmo, de maneira absolutamente pessoal, da mesma forma que o fazia em Buenos Aires: lápis e agenda na mão, devolvendo telefonemas e coordenando com seus eventuais interlocutores. Diversos dirigentes políticos e personalidades argentinas – da oposição e do governo, também líderes religiosos e sociais – tiveram durante este tempo encontros com Francisco que, geralmente, aconteceram na residência Santa Marta, onde mora o Papa.
Em todos os casos, e mesmo com aqueles com quem tem mais confiança, Francisco assume plenamente seu novo papel. É o Papa e sabe que tudo o que disser pode ter uma influência decisiva não apenas em seus eventuais interlocutores, mas na vida política e social do país. Por isso, com a habilidade dialética que o caracteriza, seus pronunciamentos são sempre gerais, sobre os grandes temas, sobre posicionamentos doutrinais ou de princípios. Esquiva-se com elegância de qualquer tomada de posição que possa ser entendida como uma intervenção sua direta nos assuntos políticos argentinos. Assim, por exemplo, reitera a todos os dirigentes sindicais a importância da unidade do movimento operário, mas ninguém poderá dizer que apóia esta ou aquela facção. Fala da importância e do valor da política e de que os católicos se comprometam com a vida política, mas não há orientações sobre as fileiras nas quais se alistar.
Neste sentido, pode-se dizer que Francisco tem agora menos incidência direta na vida política argentina do que quando o cardeal Jorge Bergoglio agia do seu escritório na Cúria Metropolitana, em frente à Praça de Maio. Pelo contrário, muitos dos que nunca o consideraram nem sequer como interlocutor enquanto trabalhava em Buenos Aires, nem como arcebispo nem como presidente da Conferência dos Bispos, agora se manifestam entusiasmados e atentos às orientações do pontífice e fazem até o indescritível para conseguir de qualquer modo um lugar em uma audiência papal que lhes proporcione uma saudação fugaz e com isso uma foto junto a Francisco. As piadas são de todo tipo. A de um dirigente sindical que “entrou de penetra” em uma audiência e até conseguiu aparecer na foto, até a de um político da oposição que esteve mais de uma semana em Roma esperando ser recebido e não teve sucesso na sua empreitada e a de outro político da situação que tem assíduos contatos telefônicos e também pessoais com Francisco e que, assim mesmo, não aparece nas fotos.
Para além disso e a atitude supostamente distante do Papa em relação à política argentina está claro que todos os seus gestos são lidos, analisados e decifrados a partir de cada um dos setores. As interpretações são livres. Ele sabe disso, mas como o fez também em Buenos Aires não está disposto a comentar, afirmar ou desmentir. Faz parte da sua estratégia e do jogo que gosta de jogar. Apenas quando considera que existe uma grosseria muito fora de lugar desliza, em privado e diante de um interlocutor adequado, alguma consideração mandando uma mensagem que sabe que chegará ao destino correto.
O outro terreno é o das comunicações telefônicas. Existem e são parte do estilo papal imposto por Francisco e que segue surpreendendo a muitos. Mais de um telefonista ou recepcionista argentina atravessou a situação que vai do assombro à incredulidade quando escuta do outro lado do telefone alguém que se identifica como “Francisco, o papa...”, perguntando por uma determinada pessoa em Buenos Aires. Essas cenas existem. E continuarão existindo. Mas são substancialmente menos que aquelas que os reais ou supostos destinatários divulgam.
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O Papa e a política argentina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU