Por: André | 17 Janeiro 2014
Motivo de festejo para alguns, de indignação para outros, de surpresa para a maioria, o certo é que a eleição do argentino Jorge Mario Bergoglio para papa da Igreja católica, em 13 de março passado, terminou por converter-se num acontecimento não apenas religioso, mas político de primeiro nível. Sobretudo quando, com o passar dos meses, o agora Papa Francisco postou-se como referência de autoridade para além das crenças religiosas. A revista Time o declarou personalidade do ano “por ter transferido o pontificado do palácio às ruas, por comprometer a maior religião do mundo a enfrentar as suas necessidades mais profundas e equilibrar o julgamento com a misericórdia”. Agora Jorge Mario Bergoglio mudou a agenda da Igreja católica e a maneira de conceber o papado. Seu estilo, que contrasta com o de seus antecessores, desperta entusiasmo e também resistências. Na Argentina, há quem ainda segue se fazendo perguntas sobre o Papa Francisco em relação ao cardeal Bergoglio que morou entre nós.
A reportagem é de Washington Uranga e publicada no jornal argentino Página/12, 16-01-2014. A tradução é de André Langer.
O brasileiro Leonardo Boff, ex-sacerdote católico e uma das principais referências da Teologia da Libertação latino-americana, entusiasma-se com o Papa e sustenta que suas “formulações (...) recordam o magistério dos bispos latino-americanos em Medellín (1968), Puebla (1979) e Aparecida (2007), assim como o pensamento comum da Teologia da Libertação. Esta tem como eixo central a opção pelos pobres, o fim da pobreza e a favor da vida e da justiça social” (31-12-2013).
A linguagem simples e direta, dizem seus seguidores, é uma das armas mais contundentes usadas pelo Papa Francisco, que se afasta da linguagem rebuscada utilizada habitualmente pelo Episcopado católico. Nesse sentido, Boff sustenta que “seu discurso é direto, explícito, sem metáforas encobridoras como costuma ser o discurso oficial e equilibrista do Vaticano, que coloca o acento mais na segurança e na equidistância do que na verdade e na clareza da própria posição”.
Em que mudou o adusto e até por momentos triste Bergoglio que também usava uma linguagem pouco menos que indecifrável para transformar-se neste Francisco direto e alegre? Um primeiro elemento que se deve ter em conta é o que o próprio Papa disse em relação à “alegria” que produz nele o exercício do papado. Mesmo para os que estamos distantes, nota-se que está a gosto na função e também no papel de “romper” os moldes, acabar com as formalidades e impulsionar uma mudança no papel da Igreja católica em relação à sociedade que, entende o próprio Bergoglio, começa a produzir modificações na própria vida eclesiástica católica. Esse parece ser o lugar que escolheu, mas também aquele que os diferentes cardeais de todo o mundo, tomando consciência da crise da instituição, foram marcando através das 161 intervenções que realizaram no conclave que precedeu a eleição e que se deu entre os dias 4 e 11 de março do ano passado. Francisco também executa um mandato.
Para além da mudança na linguagem e na estratégia de comunicação, quais foram os principais passos dados até o momento por Francisco?
Sem a pretensão de esgotar os temas pode-se assinalar alguns que têm relevância. Internamente, começou a implementar um modo “sinodal”, se poderia dizer mais assembleário, de condução da Igreja, que se inaugurou no mesmo dia em que apareceu na sacada da Praça São Pedro, em sua primeira aparição como papa. Ali se autodefiniu como “bispo de Roma”. No jargão eclesiástico, isto equivale a dizer “o primeiro entre iguais”, mas igual aos demais bispos. Depois veio a criação da comissão internacional de cardeais, presidido pelo hondurenho Oscar Rodríguez Maradiaga, para que o assessore. E seguiu-se a consulta lançada para a preparação do Sínodo sobre a família (um encontro internacional de bispos) que acontecerá em Roma neste ano. Também os pedidos aos bispos para que não apenas atendam os pobres, mas que eles mesmos sejam austeros, e a atitude de firme condenação dos pedófilos, seguida de instruções para reparar os danos causados. A isso se deve acrescentar as medidas adotadas para o saneamento das finanças vaticanas e a regularização do Instituto para as Obras de Religião (IOR), o banco vaticano.
Há poucos dias anunciou a criação de novos cardeais, entre eles o arcebispo de Buenos Aires, Mario Polti. Aos escolhidos chamou a atenção de que não se trata de uma honra nem de uma promoção, mas de um serviço. Mas, além da nomeação, designou bispos que provêm de diferentes lugares do mundo, deixando de lado o eurocentrismo predominante durante anos.
Os mais otimistas asseguram que o papel de Bergoglio pode ser comparado àquele exercido por João XXIII (1858-1963) e Paulo VI (1963-1978) e que não seria estranho que se estejam pavimentando as bases para um concílio, uma grande assembleia dos bispos de todo o mundo, para discutir todos os temas sem agenda prévia. Os céticos insistem em assinalar que, pelo menos até agora, há apenas mudanças de maquiagem. Os mais conservadores, entre os quais se contam os seguidores do ultraconservador Marcel Lefebvre, não economizam nos qualificativos para condenar Francisco.
Em relação à sociedade, o Papa manifestou sua recusa a uma “Igreja autorreferencial”. Prefere, disse, uma Igreja que corra riscos, que se equivoque, mas que esteja aberta, em diálogo e a serviço da sociedade. E insistiu na necessidade da “opção pelos pobres”, a versão latino-americana da leitura do Evangelho. Ele mesmo, além de sua conhecida austeridade pessoal, faz gestos para remarcar essa opção. Foi a Lampedusa encontrar-se com os imigrantes ilegais e em sua visita ao Brasil privilegiou os pobres e as expressões de religiosidade popular. “A Igreja está chamada a sair de si mesma e ir às periferias, não apenas geográficas, mas também as periferias existenciais”, disse. Pede aos bispos que construam uma “Igreja pobre e para os pobres”.
Em relação à doutrina, Bergoglio não se moveu um centímetro nas questões fundamentais e básicas. Como exemplo, basta corroborar sua pregação a favor da família tradicional, contra o aborto e sua oposição ao sacerdócio feminino, entre outros temas. Mudou, isto sim, sua “atitude pastoral”. Dialoga com todos, aceitando a diferença, atendendo a outros pontos de vista. Dentro e fora da Igreja. Mas não renuncia às suas posições.
E fala com a sociedade e está disposto a intervir em questões de política internacional nas quais possa ter possibilidade de influir, como foi o caso da Síria. Nesta matéria está convencido não apenas do seu papel e no da Igreja católica, mas da importância das grandes religiões e da incidência que as mesmas podem e devem ter no cenário mundial. Francisco embarcou a diplomacia vaticana em uma grande estratégia para a ação conjunta das religiões tradicionais a favor da paz e da justiça no mundo.
Estes são alguns dos passos dados por este papa argentino que em menos de um ano de gestão surpreende (desconcerta?) e ao mesmo tempo abre expectativas no mundo e na Argentina.
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Os passos de Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU