06 Novembro 2015
A liturgia da Palavra põe em cena hoje duas mulheres pobres que deram tudo de que dispunham para viver. São dois exemplos magníficos para nós, que celebramos quem nos deu até a sua própria vida.
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 32º Domingo do Tempo Comum, do Ciclo B. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Referências bíblicas:
1ª leitura: «A mulher foi e fez como Elias lhe tinha dito» (1 Reis 17,10-16)
Salmo: Sl 145(146) - R/ Bendize, minha alma, bendize ao Senhor!
2ª leitura: «Cristo, oferecido uma vez por todas para tirar os pecados da multidão...» (Hebreus 9,24-28)
Evangelho: «Esta pobre viúva deu mais do que todos os outros» (Marcos 12,38-44 ou 41-44)
A viúva de Sarepta, à primeira vista, é uma mulher pobre, que, junto com seu filho, está condenada a morrer de fome. Elias é um viajante desprovido de tudo e que, por isso, pede esmola. Os escribas são pessoas ilustres que gozam de prestígio e acham-se muito além de qualquer apreciação ou julgamento a seu respeito. Quanto àquelas duas “pequenas moedas” depositadas no cofre pela pobre viúva, são simplesmente ridículas, se tomadas em relação às despesas do Templo. Assim é o mundo das aparências. Falamos do que é importante e do que não é, do que tem valor e do que não tem. Ora, que importância terá a ovelha perdida, em relação ao conjunto do rebanho? Um por cento? Não é muito! E, no entanto, revela-se a mais preciosa aos olhos de Deus, a que lhe dá a maior alegria, quando encontrada. Imersos na espontaneidade, sem maior reflexão, vivemos no universo das aparências. Num primeiro tempo isto é normal, porque, como a palavra mesmo indica, a aparência é o que exatamente nos salta aos olhos, em primeiro lugar. A realidade é como se fosse um tesouro muitas vezes escondido debaixo da terra e que só se deixa descobrir ao preço de escavação trabalhosa. Até mesmo aqueles gestos, palavras e ações que parecem exprimir um amor indiscutível podem esconder o desejo de possuir ou de se ver aprovado por quem deles é testemunha. Os atores mesmos podem se enganar com isto: a viúva de Sarepta não sabe que possui um tesouro; nem que aquele mendicante que lhe pede o pão é justamente quem lho pode dar.
O evangelho diz que os escribas - e todos os que se lhes assemelham -, aparentando dar (conselhos, sabedoria, discernimento, etc.), são na realidade tomadores do alheio. E tomam (“devoram”) particularmente o que possuem as viúvas, ou seja, todos os que não contam com ninguém para defendê-los. Sabemos que as viúvas, junto com as crianças e os enfermos, são figuras da necessidade. Por ora, deixemos de lado o sistema social e as manobras jurídicas de cobrança dos impostos. Notemos que, em certos casos, tomar os bens corresponde a tomar a vida. Não é isto exatamente o que, na primeira leitura, Elias parece fazer? Ao dar a ele os seus parcos recursos, a viúva e o filho nada mais têm de seus; só lhes resta morrer. O mesmo vale para a viúva do evangelho, uma vez que, como diz Jesus, "ela ofereceu tudo aquilo que possuía para viver". E, já que falamos de aparências e realidade, devemos compreender que, sob uma aparência de anedota ou de um caso menor, esta passagem do evangelho nos põe diante de uma questão de vida ou morte. A morte e o que causa a morte não podem nos aparecer afinal sob uma máscara da vida e do alimento? Não pode a vida assumir um semblante de morte? Se o relato da primeira leitura acaba bem, pois triunfa a vida, o da pobre viúva do evangelho, contudo, fica sem conclusão: o texto não diz como as coisas irão terminar para ela. Há aí, como acabamos de ver, uma verdade que nos diz respeito.
Podemos projetar este conflito, de aparência-realidade, sobre o que acontece na cruz. Temos ali o justo que aparece sob os traços de um malfeitor, o todo poderoso que assume a máscara da fraqueza e, enfim, a vida que irrompe na humanidade com o semblante da morte. Não nos adiantemos muito, falando imediatamente na Ressurreição. Porque, se a crucifixão foi visível, constatável, atestada por um ou outro autor pagão, ninguém viu Jesus levantar-se do túmulo. A Ressurreição chegou até nós pela audição, não pela visão. Não é possível aqui, no quadro deste comentário, explicarmos os relatos da aparição, falarmos sobre este gênero literário e as suas significações. A Ressurreição, para nós, é da ordem do crer sem ver. Em outras palavras, não temos diante dos olhos senão as aparências da Paixão do Cristo. Por isso Paulo diz que somente na esperança é que somos salvos (Romanos 8,24). Se Marcos não nos disse nada do que aconteceu com a viúva que deu tudo, é para nos fazer compreender que também nós estamos aí, neste mesmo ponto. Temos de crer que a vida vem ao nosso encontro através de tudo o que nos acontece, apesar das aparências em contrário. E vamos mais longe: não se trata só de suportar; trata-se, do mesmo modo que as viúvas das nossas leituras, de dar e, finalmente, de dar-se a si mesmo. Foi o que fez Cristo em sua Paixão. Mas estejamos atentos: não é porque é sofrimento e morte que a Paixão nos dá a vida, mas porque é dom de si, é dom de amor.
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