06 Outubro 2015
Council 50 [Concílio 50] é o título da [jornada de] três dias que se desenvolverá em Roma, na Casa La Salle, nos próximos dias 20-22 de novembro, a 50 anos da conclusão do Concílio Vaticano II. Não é uma comemoração, mas uma grande ocasião para relançar as instâncias do Concílio, ao tempo do Papa Francisco. Falamos a respeito com François Becker, professor de Física teórica, secretário geral da Rede ‘European Church on the move’ [Igreja europeia em movimento] e coordenador de Council50.
A entrevista é de Basilio Buffoni, publicada por Adista, 01-10-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis a entrevista.
Professor Becker, o que é o projeto Council50?
Council 50 é um processo que põe em prática um dos aspectos-chave do pensamento teológico do Papa Francisco – o sensus fidelium/sensus fidei [sentimento dos fiéis – sentimento de fé] – e que quer dar à comunidade, aos movimentos, grupos, associações e paróquias, que no decurso dos últimos 50 anos fizeram germinar em todo o mundo as sementes do Concílio Vaticano II e desenvolveram novos modos de ser Igreja, a oportunidade de explicitar o seu ponto de vista sobre reformas de atuar na Igreja, inspirados nos Evangelhos e no espírito do Concílio Vaticano II. Um processo que terá um dos seus momentos fundamentais no encontro de Roma, organizado por um comitê promotor internacional que está preparando uma declaração a encaminhar ao Papa Francisco.
De que modo se pode participar do Council 50?
Sobretudo enviando ao comitê organizador experiências, reflexões e análises que contribuirão à elaboração da declaração, a Carta Council 50, que se propõe indicar como se Igreja e o que dizer e fazer como Igreja, para permitir aos seus membros iluminarem com o Espírito de Jesus o mundo em mudança e contribuir à sua transformação num mundo de paz, justiça e solidariedade. Depois, construindo e dando a própria contribuição a uma rede de correspondentes em todo o mundo, que permitirá trocas e confrontos fraternos, necessários para o discernimento e para uma vida autêntica da Igreja e dos cristãos no nosso mundo em evolução. E, naturalmente, tomando parte do encontro de Roma, bem como da convenção organizada de 11 a 17 de novembro, na mesma sede, pelo Institut für Theologie und Politik, em colaboração com o Council 50, para renovar e atualizar os empenhos do Pacto das Catacumbas.
Durante estes encontros, os delegados e todos os participantes compartilharão as suas experiências e as suas reflexões, para conhecer-se melhor e refletir sobre o futuro da Igreja e sobre o envolvimento dos seus membros na transformação do mundo. O encontro prevê uma “feira” para as associações, os grupos e as comunidades que lhes permitirá apresentar-se e fazer conhecer as atividades que levam em frente.
O encontro será aberto por um relatório da teóloga africana Nontando Hadebe e pelas apresentações dos delegados provenientes de diversas partes do mundo sobre os temas, as expectativas e as propostas relativas à reforma da Igreja. São previstas depois duas séries de ‘workshop’ sobre os pontos da Carta Council 50, sua atualização e sua adoção. A iniciativa será concluída com um encontro na Praça São Pedro, por ocasião o Angelus de domingo, dia 22 de novembro. A Carta será apresentada ao Papa durante a celebração do 50º aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II.
Por que o projeto Council 50 e por que agora?
Poucos dias antes do fim do Concílio Vaticano II, aos 16 de novembro de 1965, uns quarenta padres conciliares, guiados por Hélder Câmara, se encontraram nas catacumbas de Domitila para firmar o Pacto das Catacumbas, com o qual se empenharam em remediar “as carências de sua vida de pobreza segundo o Evangelho”, sublinhando uma “opção pelos pobres”, alinhada com o espírito do Concílio. Mas, este pacto foi rapidamente esquecido.
Não obstante os numerosos progressos no modo de sr Igreja consequentes ao Concílio, que revitalizou a Igreja e ajudou os cristãos a porem em prática a Palavra de Jesus, a maior parte destas carências infelizmente ainda estão na ordem do dia. Embora o Concílio tenha mudado a Igreja católica, tornando algo bastante diverso da Igreja que o Concílio de Trento havia instituído quatro séculos antes, muito da Igreja tridentina sobreviveu. O caminho de reforma, a fim de expressar a mensagem evangélica num modo que os homens e as mulheres contemporâneas possam entender, tem sido bloqueado.
Como assim?
Faltou uma adequada reflexão ante as exigências dos tempos, bem como o discernimento das novas correntes de pensamento: prevaleceram a pusilanimidade ante o futuro e os seus riscos, e simultaneamente as colusões com os poderosos do mundo. A luta contra o erro assumiu um caráter exclusivamente negativo. A atenção pelos “sinais dos tempos”, que para o Papa João XXIII significava uma atenção positiva e paterna às mudanças em ato no mundo, se tornou com frequência um comportamento negativo com o mundo. O papel dos leigos na Igreja, como povo de Deus, foi rapidamente limitado e restrito; a universal dignidade sacerdotal de todos os cristãos foi de fato negada e as comunidades de base que começaram a praticá-la foram marginalizadas e excluídas. A liberdade de religião e o primado da consciência pessoal têm sido afirmados como elementos centrais, mas com frequência têm sido contraditos pelo comportamento prático da Igreja.
A autonomia das igrejas locais tem sido limitada e contradita pela crescente centralização do poder nos escritórios da Cúria e pelo papel na mídia do próprio Papa. A instituição do sínodo dos bispos não foi seguida por uma efetiva distribuição dos poderes. A recusa da guerra – que está no centro da encíclica Pacem in Terris que o Papa João XXIII publicou durante a primeira fase do Concílio – foi com frequência amortecida. A opção pelos pobres e suas consequências políticas tem sido contradita pelo comportamento da hierarquia e pela condenação do desenvolvimento teológico nesta direção, como no caso da Teologia da Libertação. A busca de novas soluções e escolhas pastorais, como o fim da obrigação do celibato para o clero e a valorização do papel das mulheres na Igreja, tem sido freada.
Depois chegou o Papa Francisco... A eleição do Papa Francisco e o espírito que inspirou sua ação desde os primeiros dias do seu pontificado, sua renovada atenção ao Sínodo, os seus gestos, sua conduta com as outras religiões e o diálogo com o mundo contemporâneo, sua proveniência “das periferias do mundo” suscitaram grande esperança e encorajaram esta parte da Igreja a apoiá-lo nos seus esforços para transformar a Igreja, conduzindo-a a uma conduta dogmática de aproximação pastoral e evangélica, confiando que também a hierarquia contribuirá para esta mudança, respondendo às exortações do Papa Francisco, em particular à Evangelii Gaudium, onde se recomenda aos Pastores “em determinadas circunstâncias, de caminhar atrás das ovelhas, porque a grei possui uma intuição para encontrar novos caminhos”.
E, neste contexto, a ideia de lançar Council 50 foi se aperfeiçoando... Council 50 foi lançado para reavivar as esperanças desiludidas e reacender a chama do Concílio Vaticano II, para renovar o impulso para o futuro que o Concílio havia introduzido. Council 50 quer responder ao convite feito aos leigos de “mostrar os seus sentimentos referentes ao bem da Igreja”, para tornar visível, para “trazer para fora das catacumbas” esta parte com demasiada frequência escondida e desconhecida da Igreja; para dar a todo o povo de Deus a oportunidade de fazer conhecer, ao Papa e à Igreja, as experiências, as ações e as reflexões feitas no espírito do Concílio Vaticano II, a demonstração da força do Evangelho que traz a libertação aos oprimidos, a paz e a justiça no mundo. Para exprimir, compartilhar e discutir o futuro da nossa Igreja e propor como renová-la, de modo que possa inspirar o mundo, no seu caminho de vida, no espírito de Jesus.
Quem são os promotores deste projeto, quem está envolvido, que o mantém e com que fundos?
São movimentos, comunidades e associações ativas em diversas partes do mundo – cada um com suas próprias especificidades, ligados à cultura e ao contexto socioeconômico e político de referência- que têm dado vida a redes para compartilhar as próprias ideias e experiências e para desenvolver reflexões e práticas. Em 2008 duas destas redes, o Movimento internacional Nós Somos Igreja (Imwac) e a Rede europeia Church on the move [Igreja em movimento] pensaram num projeto por ocasião da celebração do 50° aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II. A eleição do Papa Francisco e o espírito de seu pontificado fizeram com que o projeto Council 50 fosse coerente com a direção na qual a Igreja está se movendo.
Entre as associações que participam ou contribuem ou sustentam o projeto podemos citar: Articulación Continental de Comunidades eclesiales de base, Amerindia, Forum Mondiale della Teologia e Liberazione, Kairós / Nós também Somos Igreja – Brasil, International Federation for a Renewed Catholic Ministry, American Catholic Council, Corpus, Redes Cristianas, Pax Romana, Australian Coalition for Church Renewal, Coordinamento delle Comunità di Base europee, We Are Also Church Sud Africa, Réseau des Anciens Jecistes d’Afrique, Forum Europeo dei gruppi cristiani LGBT, l’Institut für Theologie und Politiks, Wijntgaards Istituto per la Ricerca cattolica, o Centro para a Paz da Ásia e a Solidariedade (CAPS), a Associação dos Teólogos João XXIII.
Além disso, há personalidades individuais que sustentam este projeto e que têm decidido constituir um comitê de garantias. Entre outros: Giovanni Franzoni, Ranierio La Valle, Leonardo Boff, Luis Carlos Susin (Fórum Mundial de Teologia e Libertação), Herman Häring, Paul Hwang (Centro per l’Asia la Pace e la Solidarietá), Germaine Lipeb (Réseau des Anciens Jecistes d’Afrique), Juan José Tamayo, Jacques Gaillot, Maria Castillo, Paul Collins (Coalizione australiana per Rinnovamento della Chiesa), Douglas Irvine, Anthony Padovano (Corpus, USA).
Na Italia: Chiesadituttichiesadeipoveri que, de setembro de 2012 ao passado mês de maio, organizou quatro encontros muito participados por ocasião dos cinquenta anos do Concílio, oferendo aspectos e reflexões na mesma direção de Council 50. As aproximadamente 100 entre associações e revistas que têm convocado estes encontros foram convidadas a aderir ao Council 50.
A partir do momento em que este projeto se refere à Igreja no seu conjunto, por que se associa a Igreja institucional neste projeto?
Desde o início se procurou envolver a Igreja institucional. Temos convidado muitos bispos de diversos Países, mas não obtivemos resposta. Estamos em contato com a Secretaria de Estado, à qual enviamos todos os documentos referentes ao desenvolvimento do projeto.
Solicitamos uma audiência ao Papa porque estamos ansiosos por encontrá-lo para apresentar o projeto Council50 e solicitar o seu conselho. Mas, não obstante as nossas repetidas solicitações, recebemos por ora poucas respostas. Lastimamos esta situação, mas continuamos a esperar que aceite o diálogo que estamos procurando. Confiamos nisto, e queremos trabalhar na reforma da nossa Igreja, de modo que se torne uma Igreja do século XXI, inspirada no Evangelho, em condições de iluminar o mundo a viver segundo o espírito de Jesus.
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A reforma da Igreja no tempo do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU