05 Agosto 2014
"No mês de junho, a Comissão Teológica Internacional publicou um documento inovador: “‘O Sensus Fidei’ na vida da Igreja”. Seu texto surpreendeu muita gente, pois reconhece o papel desempenhado por católicos comuns no crescimento e desenvolvimento (também conhecido por “mudança”) do ensino da Igreja ao longo da história e nos dias de hoje", escreve a Christine Schenk, Irmã da Congregação de São José, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 31-07-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
No mês de junho, a Comissão Teológica Internacional publicou um documento inovador: “‘O Sensus Fidei’ na vida da Igreja”. Seu texto surpreendeu muita gente, pois reconhece o papel desempenhado por católicos comuns no crescimento e desenvolvimento (também conhecido por “mudança”) do ensino da Igreja ao longo da história e nos dias de hoje.
Por incrível que pareça, o documento também valida a experiência frequente de católicos que não acabam não aceitando certas doutrinas “caso não reconheçam nelas a voz de Cristo, o Bom Pastor”. Sugere também ações a serem tomadas por parte tanto dos leigos quanto do clero para resolver este impasse potencial.
Ainda que considere o magistério como tendo necessariamente a palavra final, o documento também reconhece publicamente a realidade de dissidência na Igreja através da negação do assentimento. (Cf. § 6 abaixo). Mais surpreendente ainda é que o texto diz que o próprio magistério pode ter tido um papel a desempenhar: “Em alguns casos [dissidentes, esta situação] pode indicar que certas decisões foram tomadas por aqueles que têm autoridade sem considerarem a experiência e o ‘sensus fidei’ dos fiéis, ou sem uma consulta prévia deles pelo magistério”.
A doutrina atual da Igreja sobre o papel das mulheres, sobre os direitos das pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros e sobre o controle de natalidade são, a meu ver, exemplos óbvios de decisões tomadas sem consulta aos fiéis. Embora faça uma distinção cuidadosa entre a opinião pública e o “sentido dos fiéis”, o documento valoriza, não obstante, o papel da opinião pública e lista critérios úteis para os católicos avaliarem as disposições importantes necessárias para participar no “sensus fidei” [sentido da fé].
Pôr em prática o que diz o texto parece-me um desafio enorme para os leigos bem como para o clero. Porém devemos tentar. Devemos tentar porque isto pode nos ajudar a descobrir novas estruturas que integram o “sensus fidei” nas tomadas de decisão da Igreja, até então de domínio exclusivo do clero masculino. Estruturas inclusivas novas têm o potencial de fazer nascer uma nova comunidade eclesial, uma comunidade que respeite a dignidade humana de todo o povo de Deus, desde o maior ao menor.
Por falar em estruturas mais inclusivas, os católicos que apoiam as irmãs americanas criaram recursos especiais de oração para a Irmã Elizabeth Johnson e para a Conferência de Liderança das Religiosas (Leadership Conference of Women Religious – LCWR) a serem usados durante a assembleia de 12 a 15 de agosto da LCWR. Apesar das críticas do cardeal Gerhard Müller, a organização irá presentear Johnson, teóloga internacionalmente reconhecida, com seu Prêmio Liderança em Destaque. As orações estão disponíveis em inglês aqui.
Terei mais a dizer sobre este novo documento da Comissão Teológica Internacional em meu próximo artigo. Por enquanto, ficamos com as “Top 10” listadas a seguir. (Os números entre parênteses correspondem à citação original do documento.)
1. “Deve-se recordar que (...) às vezes a verdade da fé tem sido conservada não pelo empenho dos teólogos ou pelo ensinamento da maioria dos bispos, mas no coração dos que creem” (119).
2. “O ‘sensus fidei fidelis’ [sentido da fé dos fiéis] é uma espécie de instinto espiritual que capacita o crente a julgar espontaneamente se um ensino ou prática particular está ou não em conformidade com o Evangelho e com a fé apostólica” (49).
3. “Em cada crente há uma interação vital entre o ‘sensus fidei’ e a vivência da fé nos vários contextos de sua vida pessoal. (...) Pôr a fé em prática na realidade concreta das situações existenciais nas quais se é colado através relações de família, profissionais e culturais (...) capacita o crente a ver mais precisamente o valor e os limites de uma dada doutrina e a propor formas de aperfeiçoar a sua formulação. É por isso que os que ensinam em nome da Igreja deveriam dar plena atenção à experiência dos crentes, especialmente os leitos, que se esforçam para pôr em prática o ensino da Igreja” (59).
4. “O ‘sensus fidei fidelis’ capacita os crentes individuais a:
1) discernir se um ensino ou prática em particular que encontram na Igreja está ou não coerente com a verdadeira fé pela qual vivem na comunhão da Igreja;
2) distinguir o entre o essencial e o secundário naquilo que se prega; e
3) determinar e pôr em prática o testemunho de Jesus Cristo que devem dar no contexto histórico e cultural em que vivem” (60).
5. “O ‘sensus fidei fidelis’ também capacita os crentes a perceberem qualquer desarmonia, incoerência ou contradição entre um ensino ou prática e a fé cristã autêntica pela qual vivem (...). Em tais casos, os crentes resistem internamente aos ensinos ou práticas concernentes e não os aceitam nem participam deles” (62).
6. “Alertados pelo seu ‘sensus fidei’, os crentes podem negar assentimento até mesmo ao ensino de pastores legítimos caso não reconheçam nele a voz de Cristo, o Bom Pastor. (...) Exige-se uma ação apropriada de ambos os lados em tais situações. Os fiéis devem refletir sobre o ensino que é dado, esforçando-se de todo modo para compreender e aceitá-lo. A resistência, como uma questão de princípio, ao ensino do magistério é incompatível com o ‘sensus fidei’ autêntico. O magistério deve também refletir sobre o ensino (...) e considerar se ele precisa de esclarecimento ou reformulação no intuito de se comunicar, de forma mais efetiva, a mensagem essencial” (63 e 80).
7. “O ‘sensus fidei’ dá intuições quanto ao caminho certo perante as incertezas e ambiguidades da história, e uma capacidade para escutar com discernimento ao que a cultura humana e o progresso das ciências estão dizendo” (70).
8. “Os problemas surgem quando a maioria dos fiéis permanecem indiferentes às decisões doutrinais ou morais feitas pelo magistério ou quando as rejeitam positivamente. Esta falta de recepção pode indicar uma fraqueza ou carência de fé por parte do povo de Deus. (...) Em alguns casos, porém, pode indicar que certas decisões foram tomadas por aqueles que têm autoridade sem considerarem a experiência e o ‘sensus fidei’ dos fiéis, ou sem uma consulta suficiente deles pelo magistério” (137).
9. “Desde o começo do cristianismo todos os fiéis tiveram um papel atuante no desenvolvimento da crença cristã. (...) O que se conhece menos, e que geralmente recebe menos atenção, é o papel desempenhado pelos leigos com relação ao desenvolvimento do ensino moral da Igreja”.
A abertura da Igreja aos problemas sociais, manifesto “especialmente na carta encíclica ‘Rerum Novarum’ (1896), do Papa leão XIII, foi o fruto de uma preparação lenta na qual os ‘pioneiros sociais’ leigos – ativistas e pensadores – desempenharam um papel importante”.
O movimento de distanciamento da “condenação das teses ‘liberais’ na seção 10 do ‘Syllabus errorum’, do Papa Pio IX, para a declaração sobre a liberdade religiosa ‘Dignitatis Humanae’ (1965), do Vaticano II, não teria sido possível sem o comprometimento de muitos cristãos na luta pelos direitos humanos” (73ii e 73iii).
10. “Os católicos deveriam ter plena consciência da liberdade real de expressarem seus pensamentos, o que decorre de um ‘sentido da fé’ [isto é, o ‘sensus fidei] (...).
“Aqueles que exercem autoridade na Igreja terão o cuidado de garantir que haja uma troca legítima de opiniões, graças à liberdade de expressão e de pensamento, entre o povo de Deus. Mais do que isso, irão estabelecer normas e condições para que isso aconteça” (124).
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As 10 citações principais do documento “Sensus Fidei” do Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU