29 Setembro 2015
Francisco simplificou a normativa sobre os processos de nulidade matrimonial e envia agora, da Filadélfia, a mensagem de que o verdadeiro desafio não será jogado dentro da Igreja, mas na realidade concreta da sociedade contemporânea e não diz respeito às disputas doutrinais, mas aos processos históricos.
A análise é do historiador italiano Agostino Giovagnoli, professor da Università Cattolica del Sacro Cuore, em Milão, e diretor do Departamento de Ciências Históricas da mesma instituição. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 28-09-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O Papa Francisco sai fortalecido da sua difícil viagem a Cuba e aos Estados Unidos. As expectativas da véspera eram incertas. Previa-se que ele passaria de uma excessiva sintonia com o povo e os governantes cubanos a um encontro problemático com os políticos e a opinião pública estadunidenses, confirmando a imagem de um líder do Terceiro Mundo em dificuldades diante da primeira potência mundial.
Não foi assim. Embora em clima de grande cordialidade, em Cuba, Francisco destacou que "servem-se as pessoas e não as ideologias" e, principalmente, denunciou aqueles que "abusam dos próprios concidadãos".
Nos Estados Unidos, no entanto, ganhou o aplauso bipartidário do Congresso, embora abordando assuntos incômodos como a venda de armas e a pena de morte, enquanto o seu discurso à ONU teve um grande impacto, mesmo criticando a inércia das Nações Unidas.
Ele se fez apreciar largamente pela sua humildade, mas falou com autoridade aos seus interlocutores. Até ontem, prevalecia a imagem de um papa das periferias, que vem da América do Sul e que fala principalmente aos excluídos. Durante essa viagem, no entanto, Francisco alavancou as suas origens de "migrante" e a dignidade dos pobres, para propor uma perspectiva universal, capaz de falar com todos e de interrogar até mesmo as elites.
Ele falou, de fato, dos excluídos, mas também de uma casa comum para toda a humanidade, dos mais pobres que sofrem mais os desastres ambientais, mas também do interesse de todos por um ambiente vivível.
Essa viagem expressa a "maturidade" do pontificado bergogliano e a estatura alcançada pelo papa como líder global. Se, na emocionante primeira vez de um papa na ONU, em 1965, Paulo VI apresentou a si mesmo e a Igreja Católica ao mundo, definindo-a como "perita em humanidade", a 50 anos de distância, Francisco entrou diretamente na discussão sobre as prioridades da agenda mundial.
No Palácio de Vidro, ele lembrou que não há verdadeira paz sem justiça social e econômica e sem liberdade, acima de tudo espiritual. No Marco Zero, ele sublinhou que a paz não é buscada com o choque de civilizações, mas construindo uma convivência multicultural e multirreligiosa.
Ele fez, em suma, as grandes questões da igualdade, da liberdade e da fraternidade, já enfatizadas há dois séculos pela Revolução Francesa. Não mais, porém, no horizonte do Estado-nação, mas no de um mundo cada vez mais globalizado.
Os reflexos dessa viagem também dizem respeito à Igreja Católica. O encontro com o episcopado norte-americano era marcado, na véspera, como um dos momentos mais problemáticos. Embora no respeito às Igrejas locais, Francisco mostrou um forte sentido da universalidade do seu ministério. Observando "as tentações de se fechar no recinto dos medos, de lamber as próprias feridas, lamentando um tempo que não volta e preparando respostas duras", ele indicou a urgência, também nos Estados Unidos, não de transformar a "Cruz em um estandarte de lutas mundanas", mas de uma "Igreja em saída".
É uma indicação que encontrou confirmação no afetuoso encorajamento às irmãs norte-americanas, objeto, no passado, de censuras severas, e no desejo de uma maior responsabilidade dos leigos na Igreja.
Nessa viagem, em suma, Francisco mostrou a imagem de uma Igreja que não se curva "ad intra", mas se dirige "ad extra", como queria o Vaticano II. Percebe-se isso também a partir da última etapa da sua viagem, o Encontro Mundial das Famílias na Filadélfia, onde ele falou – de improviso – sobre a família como "fábrica de esperança e de vida", particularmente importante para os mais fracos, como as crianças e os idosos.
Em vista do já iminente Sínodo sobre a Família, já começaram as polêmicas entre os favoráveis e os contrários à comunhão para os divorciados, entre os defensores de uma visão jurídica do casamento e os de uma visão teológica etc. Trata-se, mais uma vez, de discussões, em grande parte, "ad intra".
Mas Francisco, por um lado, redimensionou a questão mais controversa, simplificando a normativa sobre os processos de nulidade matrimonial e, por outro, envia agora, da Filadélfia, a mensagem de que o verdadeiro desafio não será jogado dentro da Igreja, mas na realidade concreta da sociedade contemporânea e não diz respeito às disputas doutrinais, mas aos processos históricos.
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As lições norte-americanas de Francisco. Artigo de Agostino Giovagnoli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU