09 Junho 2015
"Voltando ao quadro geral, ainda deve ser refletido o conceito de ‘dessecularização’, aliás, contestado por muitos sociólogos, com base em pesquisas e estatísticas, e nos perguntar, se o que percebemos como um "retorno" não seja antes uma recomposição do cenário religioso, e um reposicionamento (ativo e passivo) da religião na hierarquia da política.", escreve Alexander Santagata, em artigo publicado pelo jornal Il Manifesto, 29-05-2015. A tradução é de Ramiro Mincato.
Eis o artigo.
O último ensaio de Manlio Graziano (Guerra santa e santa alleanza. Religioni e disordine internazionale nel XXI secolo, Il Mulino) indaga sobre a transformação, agora em curso, da relação entre política e religiões, destruindo os cavalos de batalha da nova direita. Seu ponto de vista é o do estudioso da geopolítica das religiões. A tese é de que a "guerra santa" e a procura de uma "santa aliança", que Igreja Católica procura dirigir, são duas faces do mesmo processo de dessecularização. Com a crise da soberania dos Estados-nações - diz Graziano – as religiões estão de volta para oferecer um horizonte de sentido e, por isso, são usadas hoje para fins não-religiosos, ou seja, ganhar as eleições, mobilizar as massas e fazer guerras. As religiões começaram seu retorno pelos anos setenta, quando, no Terceiro Mundo, a rápida industrialização perturbou equilíbrios plurisseculares, e o mundo desenvolvido não foi capaz de manter as promessas do "magnífico destino de progresso".
Nos Estados Unidos e na Europa a "crise da modernidade" restituiu às religiões sua função de conforto e suplência às insuficiências do sistema público. Em alguns países islâmicos o cenário mudou radicalmente. Em meados de século XX, Bagdá era uma cidade onde jejuar no mês Ramadan era considerado uma extravagância; em Kabul, as mulheres podiam ir para universidade de minissaia. O que provocou tal transformação - continua o autor - foram os processos de urbanização em massa e a disseminação da "teologia da prosperidade" (evangélicas, islâmicas, confucionistas, etc.). Por fim, as religiões foram usadas para redefinir a identidade política, e nesta perspectiva, entrou o "choque de civilizações", na visão de Samuel Huntington, e a Jihad fundamentalista. Recusada a parábola do nacionalismo árabe, a islamização do poder saltou nos movimentos estudantis que, nos anos setenta e oitenta, inflamaram as universidades do Egito, Afeganistão e Irã.
No "Ocidente", o ocaso da ordem internacional nascida na II Guerra Mundial foi decisivo. A presença católica na política feita por João Paulo II, por um lado, e o aumento do uso da religião nas companhas presidenciais americanas, por outro, tinham marcado a mudança de ritmo. Depois de 11 de setembro, os problemas inesperados no Iraque, e a rápida ascensão da potência chinesa, sancionaram a ideia do declínio americano alimentando a síndrome do assedio. Aos olhos do Ocidente, o Islã tornou-se um perfil unitário e intransigente, funcional para a política agressiva dos EUA e a campanha da direita europeia contra os processos migratórios.
Ao mesmo tempo surgiram novos eixos estratégicos, como o iraniano-europeu, fracassado em 2003, e a "Aliança das Civilizações", promovida pela Espanha e Turquia contra a Guerra Global ao Terror.
Ao justificar essas alianças - argumenta o autor - religiões desempenharam importante função, embora apenas a Igreja Católica, a única instituição hierárquica global, consegue ainda hoje ter papel não meramente instrumental. Sob os pontificados de João Paulo II e Bento XVI, o Catolicismo propôs-se como mediador ético primário, envolvendo todas as denominações que desejam combater a "deriva antropológica." Neste quadro, o pontificado atual representa a última evolução de uma Igreja que "não se fundamenta em ganhos vantajosos para si mesma, para tornar-se "Igreja em saída”. Afirmação verdadeira, mas que não colhe a descontinuidade.
A novidade do Papa Francisco, de fato, consiste na opção de recuperar uma teologia política, que coloque, em primeiro plano, o "discernimento", em detrimento do modelo "pós-secular" registrado por Habermas-Ratzinger, um modelo que apontava o retorno da religião como instrumento de unificação política do continente europeu, e como horizonte de valores culturais partilhados, usufruíveis também na política. Como recentemente demonstrado pelo discurso do papa no Parlamento de Estrasburgo, tal impostação não foi abandonada completamente, mas certamente foi modificada em alguns pontos substanciais.
O projeto "pós-secular", deu seu lugar à "linha do testemunho" (em respeito da laicidade) e à denúncia social, provavelmente muito mais eficazes para garantir à Igreja visibilidade e consenso. Voltando ao quadro geral, ainda deve ser refletido o conceito de ‘dessecularização’, aliás, contestado por muitos sociólogos, com base em pesquisas e estatísticas, e nos perguntar, se o que percebemos como um "retorno" não seja antes uma recomposição do cenário religioso, e um reposicionamento (ativo e passivo) da religião na hierarquia da política. Da esfera pública, de fato, o credo nunca tinha saído e o seu uso instrumental foi uma constante facilmente verificável.
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Mundanismo removido da religião - Instituto Humanitas Unisinos - IHU