03 Fevereiro 2015
Longe de ser irreversível, a secularização está no caminho do declínio, junto com o Estado laico filho do Iluminismo. Esse julgamento, do qual Manlio Graziano (foto) parte no livro de geopolítica Guerra santa e santa alleanza [Guerra santa e santa aliança] (Il Mulino), aparentemente lembra o cenário no qual se desenrola o romance Submissão, de Michel Houellebecq.
A reportagem é de Antonio Carioti, publicada no jornal Corriere della Sera, 01-02-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas o estudioso italiano, embora vivendo e lecionando em Paris, destaca-se claramente do escritor francês. De fato, ele não pensa que o Islã vai dominar a Europa, ao contrário, prevê uma reconquista da Igreja Católica em escala mundial.
Os intelectuais laicos, explica Graziano, cometeram, no passado, uma grande asneira: "Nos anos 1970, eles estavam convencidos de que a fé em Deus estava desaparecendo. Ainda em 1994, o longo livro de Henry Kissinger Diplomacy ignorava o fator religioso e nem mesmo citava Khomeini. O mesmo erro da esquerda iraniana, que, em 1979, havia esnobado os aiatolás como uma peça de museu e, depois, foi derrubada por eles. No entanto, Karl Marx deixou claro que a religião é um produto das condições sociais: se o homem vive na incerteza, é inevitável que se dirija a Deus para encontrar conforto".
Fornecer segurança, continua Graziano, seria precisamente a principal tarefa do Estado, mas que cada vez menos consegue isso: "A sua soberania é corroída pelas finanças globais e pelas organizações internacionais. Além disso, a crise fiscal o obriga a cortar os serviços sociais nos quais se baseia o consenso. Ele oprime os cidadãos comuns com os impostos e não os ajuda a resolver os problemas. Assim, criou-se um vazio que as religiões tendem a preencher, oferecendo uma referência identitária, mas também benefícios assistenciais. A vida social não pode se fundamentar apenas na busca do lucro: a fé torna-se, assim, um corretivo em relação ao individualismo exagerado".
Porém, causa perplexidade a ideia de que a Igreja Católica seja a máxima beneficiária desse processo. Não é o renascimento islâmico o fenômeno mais visível e, infelizmente, também violento? "O afluxo às grandes cidades de massas agrícolas ligadas ao culto tradicional alimentou o fundamentalismo islâmico, que vários aprendizes de feiticeiro, líderes locais e potências estrangeiras tentaram usar para os seus fins, para depois, talvez, encontrarem-nas como seu inimigo. Um efeito bumerangue do qual foram vítimas, por exemplo, o estadista egípcio Anwar al-Sadat e o paquistanês Ali Bhutto. Mas não devemos superestimar os defensores da guerra santa, cujas posições extremas não derivam do Islã original, mas da imitação de movimentos revolucionários modernos. O enfurecimento do Califado, na Síria e no Iraque, é um efeito da rivalidade geopolítica entre Irã, Arábia Saudita e Turquia. O Boko Haram, na Nigéria, é um grupo tribal, que enobrece a sua sede de poder com a referência ao Islã. E é preciso lembrar que o fanatismo sanguinário se encontra também entre os seguidores de outras religiões: em âmbito muçulmano, ele tem mais espaço, porque o islamismo sunita, largamente majoritário, não tem autoridade religiosa investida com a tarefa de delimitar o perímetro da lei divina, a sharia, e de condenar os desviantes".
A força da Igreja Católica, defende Graziano, ao contrário, reside justamente na sua estrutura centralizada e hierárquica, que começou novamente a se fazer valer com João Paulo II: "O Papa Wojtyla não se limitou a combater o comunismo (além disso, ele mesmo negava que tenha feito cair o império soviético) e a dar novamente prestígio ao Vaticano. A sua obra vai muito além da Guerra Fria, porque ele opôs ao 'choque de civilizações', teorizado por Samuel Huntington, o projeto de uma 'santa aliança' entre todas as grandes religiões para fazer recuar o secularismo e restaurar a fé ao centro da esfera pública, contra aqueles que gostariam de reduzi-la a um assunto privado".
Mas o seu sucessor, Bento XVI, com o discurso de Regensburg, não abriu um conflito com o Islã? "No máximo, eu acho que ele tentou atrair as autoridades religiosas muçulmanas para encontrar interlocutores para dialogar, não no plano teológico, onde as posições são inconciliáveis, mas justamente na necessidade de dar à religião novamente um papel público. Além disso, o debate é difícil mesmo com os cristãos ortodoxos, que estão divididos e são desconfiados em relação à Santa Sé."
Por outro lado, não parece que a Igreja Católica esteja colhendo sucessos. As vocações caem, e as pessoas não vão mais à missa. "Na realidade, em escala global – responde Graziano –, de 1978 a 2012, os seminaristas duplicaram, e os sacerdotes também têm aumentado, embora não muito, enquanto os diáconos passaram de menos de oito mil para 41 mil. E, em diversos países, até na Grã-Bretanha, registra-se um crescimento da prática religiosa católica. Não se deve confundir a Europa com o mundo."
No entanto, a batalha de Ratzinger em torno dos "valores inegociáveis" parece ter fracassado, tanto que o Papa Francisco a arquivou. "Mas, na Índia, a Suprema Corte, com o aplauso dos católicos, restaurou em 2013 as sanções penais para os homossexuais. E a campanha ratzingeriana também serviu para mobilizar grupos militantes, as 'minorias criativas', que deram nova visibilidade e influência à Igreja. Na França, os bispos não conseguiram impedir o casamento gay, mas, contra a lei, levaram às ruas multidões que nenhum partido ou sindicato conseguiriam mover. E assumiram uma posição hegemônica no conselho dos responsáveis de culto, que reúne expoentes de todas as confissões e tornou-se interlocutor do Parlamento. O próprio Bergoglio atenuou os tons sobre a bioética, mas relançou o espírito missionário, que permite que os católicos enfrentem a concorrência dos grupos evangélicos na América Latina. A Igreja de Roma tem muitos problemas, mas ela me parece ser a instituição religiosa mais bem equipada para aproveitar as oportunidades oferecidas pelo definhamento do Estado."
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A Santa Aliança que virá - Instituto Humanitas Unisinos - IHU