16 Abril 2015
"O genocídio dos armênios pôs a nu diversas responsabilidades, aquelas diretas de quem massacrou e aquelas indiretas de quem nada fez para frear o massacre e torná-lo conhecido. Poucos anos após, com a Liga das Nações falida miseramente, a humanidade teria assistido, inerme, ao genocídio dos etíopes por obra do exército italiano", escreve Nadia Urbinati, cientista política italiana e professora da Columbia University, em artigo publicado pelo jornal La Repubblica, 15-04-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis o artigo.
“É sempre assim. Para que um fato nos interesse, nos comova, se torne uma parte de nossa vida interior, é necessário que ele ocorra perto de nós, junto a pessoas das quais temos ouvido falar e que estão, por isso, dentro do círculo de nossa humanidade”. Começava assim o artigo que Antonio Gramsci dedicava ao massacre dos armênios, publicado em Il Grido del Popolo [O Grito do Povo] de 11 de março de 1916 (e traduzido agora ao inglês por Ara H. Merjian). Nós nos comovemos por aquilo que ocorre perto de nós e somos indiferentes a todo o resto. Por isso o papel do jornalismo é importante: para tornar público e conhecido de todos o que ocorre em cada canto da terra e não deixar, como escrevia Kant, que nenhuma ofensa à vida de um ser humano passe sem eco. A indiferença, escrevia Gramsci, é filha da ignorância. “É um grande problema não ser conhecidos”. Quer dizer, permanecer isolados, fechados na própria dor, sem possibilidade de ajuda, de conforto. Para um povo, para uma raça, significa a lenta dissolução, o aniquilar-se progressivo de todo vínculo internacional, o abandono a si mesmos, inermes e míseros diante de quem não tem outra razão senão a espada e a consciência de obedecer a uma obrigação religiosa, destruindo os infiéis”. O mal de não serem conhecidos tinha decretado a sorte dos armênios, uma premonição de outros massacres cobertos pelo esquecimento. “Assim a Armênia não teve jamais, nos seus piores momentos, senão alguma afirmação platônica de piedade por ela ou de desdenho para os seus carnífices; “as estratégias armênias” se tornaram proverbiais, mas eram palavras que somente soavam, que não conseguiam criar fantasmas das imagens vivas de homens de carne e osso”. Se estava no início da Primeira Guerra Mundial.
E a guerra tinha retirado o véu ao massacre do povo armênio; antes de então, “nada mais foi feito”, embora os Países europeus tivessem podido “constringir a Turquia, ligada por tantos interesses a todas as nações europeias, a não afligir de tal modo a quem não solicitava outra coisa, no fundo, do que ser deixada em paz”.
O genocídio dos armênios pôs a nu diversas responsabilidades, aquelas diretas de quem massacrou e aquelas indiretas de quem nada fez para frear o massacre e torná-lo conhecido. Poucos anos após, com a Liga das Nações falida miseramente, a humanidade teria assistido, inerme, ao genocídio dos etíopes por obra do exército italiano. O genocídio dos armênios era um sinal daquilo que a Primeira Guerra teria trazido consigo. Gramsci tocava um nervo sensibilíssimo da política europeia, o das responsabilidades da comunidade internacional na violação dos direitos humanos.
“A guerra europeia colocou de novo sobre o tapete a questão armênia. Mas, sem muita convicção. À queda de Erzurum na mão dos russos, à provável retirada dos turcos em todo o país armênio não foi dado nos jornais sequer o mesmo espaço do que à aterrissagem de um “Zepelim” na França”. Gramsci se dirigia aos membros da comunidade armênia disseminados nos Países europeus até que fizessem, eles por primeiro, conhecer “sua pátria, sua história, sua literatura”, confiando no fato de que o conhecimento os fizesse tornar-se um objeto de congenial solidariedade. Informar com vívidas descrições e palavras para mover as emoções e fazer nascer um juízo de condenação. Saber e fazer conhecer, não silenciar ou censurar (como ainda hoje parece solicitar o governo turco com suas representações para as palavras pronunciadas domingo pelo Papa Francisco). Quando Gramsci escrevia o seu artigo, a Itália entrara a alguns meses em guerra contra os ex-aliados austro-alemães. Era previsível que, contra os novos inimigos alemães, e os impérios aliados a eles como o turco-otomano, os italianos fossem convidados a simpatizar com os sofrimentos armênios.
Mas Gramsci não se prestou a este uso instrumental da simpatia pelas vítimas. Sua “ativa e operante” ação jornalística queria ter a função de denunciar as atrocidades turcas sem usá-las para instigar sentimentos anti-germânicos. O que lhe interessava acima de tudo era a “solidariedade desinteressada” internacional com os armênios e outras potenciais vítimas de massacres coletivos.
E, de fato, a carnificina dos armênios por obra do exército conduzido pelo Sultão Abdul Hamid tinha despertado a admiração do rei Leopoldo II da Bélgica, empenhado na eliminação de milhões de congoleses. A tragédia do povo armênio era, portanto, como Gramsci havia entendido bem, premonição e representação ao mesmo tempo do epílogo trágico daquilo que, vista de dentro da Europa, aparecera como uma longa era de paz, e que, ao invés, havia aprontado as condições para os massacres e os genocídios do século vinte, a começar por aqueles que com um eufemismo os nossos livros escolares chamam ainda hoje de “guerras coloniais”. A constelação de implicações que o massacre armênio trazia consigo tornava ainda mais necessário que, portanto, se falasse dele. “Os armênios deveriam fazer conhecer a Armênia – concluía Gramsci – tornava viva na consciência de quem ignora, não sabe, não sente”.
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Gramsci e a Armênia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU