18 Outubro 2017
“As entrevistas papais existem desde 1892, quando Leão XIII se deixou entrevistar por Madame Séverine para o jornal Le Figaro. Muitos sucessores as usaram. Francisco, porém, fez da entrevista uma constante, para honrar o princípio da Evangelii gaudium que teria despertado a inveja de Wittgenstein: ‘Nunca se deve responder a perguntas que ninguém se põe’.”
A opinião é do historiador italiano Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha.
O artigo foi publicado por La Repubblica, 17-10-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Há uma atração fatal entre duas caricaturas do papado: a (autodenominada) “secular” do papado, que fareja pretensões de infalibilidade e impostura; aquela (autodenominada) “católica”, que se afeiçoa a uma ideologia papista, como demonstram hoje os antibergoglianos.
O papado moderno viveu essas caricaturas ora como uma garra, ora como uma tentação. Só desde a redescoberta da grande tradição pelo Concílio é que ele aprendeu que o ministério de unidade não precisa humilhar os bispos, as Igrejas locais, as outras Igrejas para ser efetivo, mas, ao contrário, chama a pluralidade a existir, celebra a sinodalidade.
Francisco também se defronta com esse problema, através de uma escolha de gênero literário. Francisco não inventou nenhuma nova forma de expressão do papado, mas deu um novo peso às homilias e às entrevistas. O papa prega desde sempre: porém, na homilia ferial de Santa Marta, Francisco mostra o abismo que separa a pregação do Evangelho do blá-blá-blá psicossentimental de frases prontas que, muitas vezes, cai dos púlpitos e da mídia.
As entrevistas papais existem desde 1892, quando Leão XIII se deixou entrevistar por Madame Séverine para o jornal Le Figaro (o tema, desenvolvido ambiguamente, era o antissemitismo). Muitos sucessores as usaram. Francisco, porém, fez da entrevista uma constante, para honrar o princípio da Evangelii gaudium que teria despertado a inveja de Wittgenstein: “Nunca se deve responder a perguntas que ninguém se põe”.
Responder às perguntas efetivas desenhou um “percurso” de confiança para Francisco, que comunica porque não tem estratégias comunicativas. E que aflora das entrevistas reunidas em um livro pelo padre Antonio Spadaro, diretor da Civiltà Cattolica.
Aparece claramente a distância entre as conversas “noturnas” do cardeal Martini, lúcido idoso distante dos jogos, é clara: estas são, de fato, conversas “diurnas”, de um papa no cargo, que corre de bom grado o risco de dizer o Evangelho de um modo que permitirá que o rigorista maldoso levante o seu dedo.
Reunidas em volume, as oito entrevistas “jesuítas” de Francisco mostram que, em Bergoglio, há tudo aquilo que lhe parece faltar e que, às vezes, algum teólogo afetuoso o repreende por não ter: há uma teologia fundamental (basta seguir o uso do adjetivo “pastoral”, de memória roncalliana), há uma eclesiologia (a infalibilidade das páginas 46-47 é a do povo de Deus, que existe na doutrina católica assim como a pessoal do Romano Pontífice), há uma ideia precisa da liturgia (por exemplo, sobre a ideologização do missal tridentino).
Quando, na Assunção de 1222, Francisco de Assis pregou em Bolonha, ele começou dirigindo-se a todos os presentes: “Anjos! Homens! Demônios!”. E, como recorda uma crônica da época, essa sua forma de se expressar chamou a atenção, porque ele falava non modus predicantis, mas quasi concionandi. Desse “concionar”, encontramos um exemplo nas entrevistas do Papa Francisco: que falam a anjos, homens e demônios.
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Francisco, falando a anjos, homens e demônios. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU