08 Mai 2015
“Uma diferença importante é que a greve dos professores paranaenses não foi motivada por questões salariais. Foi uma greve contra o ‘pacote de maldades’ do governo estadual”, afirma o professor.
“O governo estadual elegeu abocanhar o Fundo Previdenciário dos servidores como única forma de sanar a crise financeira em que se meteu”, critica João Stefaniak, ao comentar as razões que motivaram o início da greve dos professores no Paraná, na semana passada. Segundo ele, os professores são contrários à lei que propõe mudanças na Previdência, porque “os valores que existem no Fundo Previdenciário - FP, cerca de oito bilhões de reais, nunca receberam a contribuição patronal devida, portanto pertencem exclusivamente aos servidores. Ao realizar a segregação de massa, com a transferência do pagamento de aposentados que nunca contribuíram para o FP, o governo coloca em risco a solvência da Paraná Previdência”. Na avaliação do professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa, a “lei aprovada pela Assembleia Legislativa do PR formaliza um verdadeiro crime de apropriação indébita do patrimônio dos servidores”.
Na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Stefaniak esclarece ainda que outras razões motivaram a greve dos professores, como “o não pagamento de 1/3 de férias; a rescisão de contrato de professores temporários, sem o pagamento de verbas rescisórias; a tentativa de acabar com direitos históricos como o quinquênio dos servidores públicos; a suspensão de liberação de verbas de custeio das universidades públicas; a suspensão de atendimento médico aos servidores, pela falta de pagamento aos médicos, entre outras”. Para ele, a atual situação dos servidores públicos no estado do Paraná representa “um processo já manjado de sucateamento do serviço público para depois privatizá-lo e entregar às grandes corporações que já dominam o mercado do ensino privado brasileiro”.
Stefaniak também comenta os atos de violência que marcaram as manifestações na semana passada, e as tentativas do governo Beto Richa de justificar a situação. “O governo tentou primeiramente justificar a ação da polícia como resposta a ação de supostos ‘black blocs’ infiltrados no movimento e agora culpa o comando da PM pela violência. (...) As polícias militares no país podem ser ineficazes e inoperantes para o combate ao crime organizado, mas elas são bem treinadas para reprimir os movimentos sociais.”
João Stefaniak é graduado em Direito, especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho e mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quais as alterações que o governo estadual do Paraná deseja fazer na Paraná Previdência e que geraram indignação dos professores estaduais?
Foto: fotospublicas.com
João Stefaniak - O governo estadual deseja se apropriar da poupança previdenciária dos servidores do Paraná para cobrir rombos no caixa do Estado. Os valores que existem no Fundo Previdenciário - FP, cerca de oito bilhões de reais, nunca receberam a contribuição patronal devida, portanto pertencem exclusivamente aos servidores. Ao realizar a segregação de massa, com a transferência do pagamento de aposentados que nunca contribuíram para o FP, o governo coloca em risco a solvência da Paraná Previdência. A lei aprovada pela Assembleia Legislativa do PR formaliza um verdadeiro crime de apropriação indébita do patrimônio dos servidores. Apesar da conivência dos juízes paranaenses, que foram agraciados com o auxílio-moradia concedido por Beto Richa, acredito que é possível que seja declarada a ilegalidade da lei aprovada pela Assembleia Legislativa.
IHU On-Line - Que outras razões motivaram a greve dos professores? Que reivindicações os professores estão fazendo durante a greve?
João Stefaniak - Foram muitas razões que motivaram a greve no seu início: o não pagamento de 1/3 de férias; a rescisão de contrato de professores temporários, sem o pagamento de verbas rescisórias; a tentativa de acabar com direitos históricos como o quinquênio dos servidores públicos; a suspensão de liberação de verbas de custeio das universidades públicas; a suspensão de atendimento médico aos servidores, pela falta de pagamento aos médicos, entre outras. Posteriormente ficou claro que muitas das medidas anunciadas pelo governo eram moeda de troca na negociação, pois a principal intenção do governador era se apropriar dos valores do Fundo Previdenciário para tentar salvar as finanças do Estado, que ele quebrou após uma administração desastrosa.
IHU On-Line - A imprensa noticiou casos de violência e confronto entre professores e policiais. Pode nos explicar como a política reagiu às manifestações?
João Stefaniak - As imagens que proliferam na mídia e nas redes sociais retratam o verdadeiro massacre imposto aos professores, alunos e servidores que protestavam no dia 29 de abril, data que ficará tristemente marcada na história do Paraná. O governo tentou primeiramente justificar a ação da polícia como resposta à ação de supostos “black blocs” infiltrados no movimento e agora culpa o comando da PM pela violência. O comandante da PMPR foi exonerado e saiu atirando contra o secretário Francischini, da Segurança Pública. Alguns políticos se afastaram do desgastado governador e sua base aliada na Assembleia Legislativa do Paraná - ALEP foi reduzida. Muitos municípios estão votando a revogação da lei que concedeu a cidadania honorária ao Beto Richa. A reação da sociedade civil foi muito forte, se colocando ao lado dos professores.
"As imagens que proliferam na mídia e nas redes sociais retratam o verdadeiro massacre imposto aos professores, alunos e servidores que protestavam no dia 29 de abril" |
IHU On-Line - Como analisa a cobertura da imprensa ao episódio?
João Stefaniak - Parte da chamada “grande imprensa” se limitou a reproduzir a versão do governo, que era obviamente falaciosa, como, por exemplo, a rede de televisão de propriedade de Ratinho Massa. O seu filho Ratinho Junior é secretário e um dos principais aliados de Beto Richa no Paraná. No entanto, a grande diferença da cobertura jornalística daqui em relação ao resto do país é a rixa da RPC — que é a repetidora da Globo e dona da Gazeta do Povo, principal jornal do Paraná — com o Richa (desculpe o trocadilho). Em consequência disso podemos afirmar que a cobertura do movimento dos professores pela imprensa foi relativamente imparcial.
IHU On-Line - Enquanto no Brasil ocorria esse episódio de repressão ligado aos professores do Paraná, nos EUA, em Baltimore, a polícia reprimia duramente as manifestações da população contra o assassinato de um jovem negro. Vê relação entre o modus operandi policial em ambos os casos? Por quê?
João Stefaniak - A repressão aos movimentos sociais é articulada globalmente. A PM do Paraná durante o governo Jaime Lerner foi treinada em Israel. Ela incorporou em seu protocolo de procedimentos as mesmas táticas que são adotadas contra a rebelião palestina pelas forças armadas daquele país. As polícias militares no país podem ser ineficazes e inoperantes para o combate ao crime organizado, mas elas são bem treinadas para reprimir os movimentos sociais.
IHU On-Line - Como a população paranaense se manifestou em relação à greve dos professores?
João Stefaniak - A população paranaense ficou estarrecida e chocada com as cenas que viram. As pessoas identificaram nas imagens da TV ou divulgadas nas redes sociais professores e alunos que eram delas conhecidos. Ver pessoas que você convive no seu dia a dia serem covardemente agredidas deixa qualquer um abalado. E o povo paranaense manifestou toda a sua indignação em eventos públicos: nos jogos do campeonato estadual, nas apresentações artísticas e em diversas manifestações de apoio espontâneas que foram convocadas pelas redes sociais. O apoio à greve dos professores, que era tímido, virou uma grande onda de solidariedade. O povo do Paraná grita uníssono: Fora Beto Richa!
"As polícias militares no país podem ser ineficazes e inoperantes para o combate ao crime organizado, mas elas são bem treinadas para reprimir os movimentos sociais" |
IHU On-Line - Como Beto Richa sai desse confronto com os professores? É possível contornar a crise educacional no estado do Paraná?
João Stefaniak - Avalio que Beto Richa sai politicamente morto desse episódio. Nós tivemos um episódio em 1988, em que o atual senador Álvaro Dias também mandou a cavalaria da PM para cima dos professores. No entanto, a conjuntura atual é outra. As imagens do ataque de Álvaro Dias contra os professores mal chegaram ao conhecimento da população e a “grande imprensa” abafou o episódio. Hoje quem tem acesso à internet pode ver as fotos e vídeos do massacre nas redes sociais, e a Globo deu uma grande cobertura ao evento. O desgaste de Beto Richa é enorme e não existe perspectiva de que o quadro, principalmente financeiro, de seu governo melhore.
Além das medidas contra os servidores públicos, o governo também aprovou um conjunto de leis que aumentaram substancialmente os impostos pagos pelo conjunto da população. A insatisfação é generalizada. Em relação à crise da educação, nós temos que entender que ela é provocada pela gestão neoliberal do Estado. O secretário da Educação indicado para o segundo governo de Richa, e que já caiu depois do massacre dos professores, foi Fernando Xavier Ferreira, que não entende absolutamente nada de educação. Ele foi braço direito do ex-ministro Sérgio Motta no governo FHC e um dos principais artífices do processo de privatização das teles e desde então foi executivo da Telefônica. Foi colocado neste posto para comandar a privatização da educação no Estado do Paraná. Então a “crise” da educação é proposital. É um processo já manjado de sucateamento do serviço público para depois privatizá-lo e entregar às grandes corporações que já dominam o mercado do ensino privado brasileiro. Se o povo tirar estes governos que aplicam estas políticas privatistas, a crise começará a acabar.
IHU On-Line - Qual a situação de Francischini, secretário de Educação, após os eventos do último dia 29?
João Stefaniak - O secretário Francischini é conhecido aqui no Paraná pelo singelo apelido de Batman. Como nos seriados antigos, ele está naquele momento crucial onde o herói é preso pelo vilão do dia e está prestes a ser executado em um daqueles planos mirabolantes. Mas acredito que o Batman, desta vez, não vai ser salvo pelo menino prodígio. O Robin do Francischini, no caso, é Beto Richa, que está tentando de todas as formas repassar o desgaste do episódio do massacre dos professores para outras costas. Se precisar fritar o secretário de Segurança, ele fará.
"As PMs são controladas pelos governadores estaduais com o principal papel de reprimir a sociedade" |
IHU On-Line - Há relação entre as manifestações dos professores paranaenses e as paralizações dos professores nos outros estados?
João Stefaniak - Uma diferença importante é que a greve dos professores paranaenses não foi motivada por questões salariais. Foi uma greve contra o “pacote de maldades” do governo estadual. Então a greve foi capitaneada pelos professores e docentes das universidades estaduais, mas teve a adesão importante de outras categorias de servidores: agentes penitenciários, da saúde, do Detran, etc. Como citado anteriormente, a postura do grupo midiático que retransmite a Globo no estado também foi um diferencial, pois, no caso das outras greves, como a de São Paulo, tomamos conhecimento quase que exclusivamente pelas redes sociais. Mas acredito que existe um elemento unificador que pode dar um novo contorno às greves docentes em curso, que é a reivindicação de defesa da educação pública e de boa qualidade. É uma pauta que aproxima as reivindicações da categoria com as demandas da população.
IHU On-Line - Quais as expectativas em relação à continuidade da greve? Como os professores devem agir nas próximas semanas?
João Stefaniak - Os professores da rede pública e das universidades estaduais continuam mobilizados. No caso da universidade daqui de Ponta Grossa, a adesão de professores e o apoio dos alunos ao movimento grevista aumentou. Existe um sentimento geral de indignação. Não tem sentido você apanhar covardemente da PM num dia e no outro voltar para a sala de aula. Seria uma capitulação vergonhosa.
IHU On-Line - Como percebe a intensa repercussão nas redes sociais acerca da repressão policial aos manifestantes?
João Stefaniak - As redes sociais transmitiram em tempo real o que ocorria no Centro Cívico de Curitiba, alimentadas por material enviado por quem estava lá sofrendo a repressão da polícia militar. Foi graças às redes sociais que se consolidaram a indignação e o apoio da população aos professores.
IHU On-Line - Como analisa a conduta policial no acompanhamento das manifestações contra Dilma, em 15 de março e 12 de abril, e aquela feita pelos professores paranaenses? Por que houve um tratamento tão diferenciado aos manifestantes?
João Stefaniak - Por duas razões. A primeira diz respeito à radicalidade das reivindicações e o estremecimento do cenário político. Na greve dos professores e demais servidores públicos está em jogo seus direitos previdenciários, pois é evidente que a aprovação do pacote do Beto Richa colocaria em risco a própria possibilidade de os atuais e futuros aposentados receberem seus benefícios. Por outro lado, o governo estadual elegeu abocanhar o Fundo Previdenciário dos servidores como única forma de sanar a crise financeira em que se meteu. A ausência de diálogo por parte do governo, que apostava todas as fichas na subserviência, tanto dos deputados como dos desembargadores estaduais, foi o ingrediente explosivo deste contexto. A prepotência de Beto Richa impediu que ele calculasse os efeitos da ação repressiva contra os professores.
Já os movimentos de 12 de abril e 15 de março, apesar de serem expressivos quantitativamente, não tiveram esta mesma radicalidade. A maioria das pessoas que participaram destes atos queria apenas extravasar sua indignação, no caso do dia 15 contra o governo federal, e depois ir para casa. O dia 13 de março, ao contrário, na minha avaliação foi um ato “chapa branca” que mal disfarçou a sua real finalidade de tentar dar apoio à presidente Dilma e ao governo do PT.
A outra questão diz respeito ao papel das polícias militares. Acompanhei a ocupação das Forças Armadas na Favela da Maré, no Rio de Janeiro, e o que me impressionou foi que quando a PM retomou as APPs, o número de mortes de pessoas não envolvidas com o tráfico aumentou. As PMs são controladas pelos governadores estaduais com o principal papel de reprimir a sociedade, em especial os movimentos sociais. Quando o governador manda bater, eles batem e muitas vezes matam. Nos protestos dos professores paranaenses, Beto Richa mandou a PM reprimir os professores e eles assim fizeram. No nosso 15M, os PMs tiraram foto ao lado dos manifestantes. Esta militarização dos policiais estaduais tem que ser melhor discutida.
"O governo também aprovou um conjunto de leis que aumentaram substancialmente os impostos pagos pelo conjunto da população. A insatisfação é generalizada" |
IHU On-Line - Em que se assemelha e em que se diferencia a ação da polícia no Paraná e a ação do Exército na favela da Maré, no RJ?
João Stefaniak - Em nada. Parafraseando Vandré, os integrantes das Forças Armadas aprendem nos quartéis a morrer pela pátria e viver sem razão. Já as polícias militares são treinadas principalmente para reprimir a população. Elas têm uma razão para existir. E repassam estes ensinamentos aos seus colegas militares quando vão atuar junto às comunidades carentes a mando dos governos federais. A lógica é a mesma. Só mudaram os comandantes, na favela da Maré foi a Dilma; no Centro Cívico de Curitiba, o Beto Richa.
A semelhança está ligada ao modo como a polícia do PR e do RJ tratam os trabalhadores, como se estivessem em guerra, combatendo os inimigos. Bombas lançadas por helicóptero, atiradores em telhados dos prédios vizinhos, polícia de choque, operação de guerra, é assim que se pode descrever essas ocorrências.
Como afirmei anteriormente, a repressão aos movimentos sociais e as manifestações populares são articuladas globalmente. Todas as PMs obedecem a um mesmo protocolo de procedimento.
Nota: A fonte da primeira imagem que ilustra esta página é: www.ler-qi.org
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Greve dos professores do Paraná: a luta pela defesa da educação pública e de boa qualidade. Entrevista especial com João Stefaniak - Instituto Humanitas Unisinos - IHU