24 Março 2013
“Tenho dito – e não escuto falar sobre isso no Brasil – que seria necessário examinar os arquivos da Polícia Federal, porque ela também foi um braço da repressão”, lamenta o historiador.
Confira a entrevista.
Os novos documentos adquiridos pela Comissão da Verdade, ao investigar a Operação Condor, tendem a confirmar a hipótese de Jair Krischke: a Operação foi criada pelo Brasil e operava desde dezembro de 1970. Há mais de 40 anos dedicando-se à historiografia da ditadura militar, Krischke participou da audiência pública realizada pela Comissão da Verdade na última segunda-feira, 18-3-2013, em Porto Alegre, e apresentou novas provas da ação militar durante a ditadura brasileira. Entre elas, relata à IHU On-Line a entrevista que realizou com o único sobrevivente da Primeira Operação Condor. “A conversa com ele foi impressionante, porque eu tenho documentos que confirmam o que ele disse. Isso aconteceu em 1970 e ele tinha apenas 18 anos”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, ele diz que novos documentos confirmam a atuação da Operação Condor depois da Anistia, e a hegemonia dos militares brasileiros na América Latina. “Os militares brasileiros, com essa postura hegemônica na região, nunca quiseram estabelecer ações coletivas com os militares de outros países; eles sempre preferiram a forma bilateral, tratando cada caso com cada país em sua particularidade. Outra característica brasileira era agir de forma a não deixar impressões digitais. Os militares agiam sempre com uma cautela extrema, nunca permitindo que se vislumbrasse a possibilidade de deixar marcas para depois acusar o Brasil”, assinala.
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Jair Krischke (foto abaixo) é ativista dos direitos humanos no Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e Paraguai. Em 1979, fundou o Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, a principal organização não governamental ligada aos direitos humanos da região sul do Brasil.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são as novidades apontadas pela Comissão da Verdade em relação à Operação Condor?
Jair Krischke – Nós avançamos no sentido de obter uma documentação nova. Em meu primeiro depoimento à Comissão da Verdade, em novembro do ano passado, sinalizava que o criador da Operação Condor foi o Brasil. Venho insistindo nessa posição há algum tempo e até fui insistente naquela intervenção, dizendo que não tenho vocação para colonizado.
Digo isso porque o belíssimo livro escrito por um jornalista norte-americano aponta que a Operação Condor foi criada em Santiago do Chile, numa reunião onde participaram os países do Cone Sul, em novembro de 1975. E eu digo que não. Já em dezembro de 1970, a Operação Condor agia no Brasil, com o nome de “Busca no exterior”. Quer dizer, de 1970 a 1975 ocorreu o que chamo de fase Condor “pagão”, porque o batismo aconteceu só em 1975. Temos documentos que provam perfeitamente o que eu estou afirmando. São documentos da repressão brasileira.
A segunda operação documentada é de 1971. Então, cabe-nos também examinar o pensamento militar brasileiro, que sempre se impôs na América Latina, e só competia com a Argentina. Os militares brasileiros tratavam a Argentina de igual para igual, mas tinham uma postura de superioridade com os militares uruguaios, chilenos, paraguaios, bolivianos e peruanos, que vinham ao Brasil fazer os cursos de aperfeiçoamento.
Os militares brasileiros, com essa postura hegemônica na região, nunca quiseram estabelecer ações coletivas com os militares de outros países; eles sempre preferiram a forma bilateral, tratando cada caso com cada país em sua particularidade. Outra característica brasileira era agir de forma a não deixar impressões digitais. Os militares agiam sempre com uma cautela extrema, nunca permitindo que se vislumbrasse a possibilidade de deixar marcas para depois acusar o Brasil.
Mostrei que mesmo o Brasil tendo comparecido à reunião em Santiago do Chile, com dois representantes, os quais se disseram apenas observadores e não assinaram a ata, isso não significa que depois desse momento o país deixou de operar. Pelo contrário, continuou com parcerias muito claras.
Confirmou-se a atuação da Operação Condor em 1980, portanto, depois da Anistia. Um dos casos é de 12 de março de 1980, no Aeroporto Galeão, no Rio de Janeiro, onde, em parceria com a repressão argentina, dois argentinos foram retirados de um voo, levados para a Argentina e até hoje estão desaparecidos. Depois, em junho, quando da visita do Papa a Porto Alegre, duas pessoas foram sequestradas em Uruguaiana: o padre Jorge Oscar Artur e um jovem estudante de medicina, Lorenzo Ismael Viñas. Ainda há registro de um caso que ocorreu em 1989 no Rio de Janeiro. Diante desses casos, fica muito claro qual foi e qual tem sido a postura dos militares brasileiros.
IHU On-Line – Dados compilados pelo colegiado indicam que mais de 300 pessoas foram presas naquele período, dos quais 70 eram militantes de organizações de oposição ao regime militar. Como está o processo de identificação dessas pessoas?
Jair Krischke – Este processo foi encaminhado e está na fase final, de check-up, para que em seguida possa ser tornada pública a lista dessas mais de 300 pessoas desaparecidas.
IHU On-Line – Como aconteceu o trabalho de investigação desse período da história? Além dos documentos que o senhor havia arrecadado, conseguiu mais alguma prova da operação Condor?
Jair Krischke – Iniciei a pesquisa da Operação Condor tratando de arquivos do Serviço Secreto. Como sabemos, os arquivos militares são fechados, e seguidamente os militares dizem que eles foram queimados. Essa é uma absoluta mentira, a qual consegui provar ao analisar os arquivos do Departamento de Ordem Política e Social – DOPS, do Rio Grande do Sul, que foi o único estado a declarar publicamente que havia queimado os arquivos. Provamos que esses arquivos foram microfilmados e se encontram hoje no Comando Militar do Sul.
Tenho dito – e não escuto falar sobre isso no Brasil – que seria necessário examinar os arquivos da Polícia Federal, porque ela também foi um braço da repressão, e estes arquivos existem e devem ser buscados.
Sobrevivente da Operação Condor
A novidade em relação à Operação Condor – a qual referi também à Comissão da Verdade – é uma entrevista que realizei, no dia 16 de janeiro de 2013, com o único sobrevivente da Primeira Operação Condor. Eu estive no Rio de Janeiro e tomei um longo depoimento dele. As vítimas da Operação Condor foram o coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório, seu filho, também de nome Jefferson, e seu sobrinho. O coronel Jefferson faleceu, o sobrinho faleceu, mas o filho está vivo e mora no Rio de Janeiro. Eu o entrevistei longamente. Gravei a entrevista e a entreguei à Comissão Nacional da Verdade. Ele confirma e até amplia alguns detalhes que não estão no documento, e conta que só se salvaram porque o avião da Força Aérea Brasileira, que foi buscá-los em Buenos Aires, era um avião que serviu ao Ministro do Trabalho, Dr. Júlio Barata. Por estas coisas da vida, o Dr. Júlio Barata era casado com uma prima do coronel Jefferson, e salvou a vida deles.
IHU On-Line – O que ele relatou especificamente?
Jair Krischke – Ele confirmou a prisão e contou como foram presos: saíram de Montevidéu com a intenção de ir ao Chile juntar-se a outros brasileiros que lá estavam exilados. Mas, quando chegam ao porto de Buenos Aires, foram presos, levados pela Polícia Federal e passaram quatro dias sob tortura. Depois foram levados para o aeroporto, colocados no avião da Força Aérea Brasileira, onde também estava o então embaixador do Brasil na Argentina, Azeredo da Silveira, que depois veio a ser Ministro de Relações Exteriores. Eles foram entregues na base aérea do Aeroporto Galeão, onde ficaram presos por alguns meses e foram torturados.
A conversa com ele foi impressionante, porque eu tenho documentos que confirmam o que ele disse. Isso aconteceu em 1970 e ele tinha apenas 18 anos. Falei com ele 42 anos depois desse acontecimento. Ele mostrou documentos e chorou, porque quem passou as informações de onde eles estavam foi um espião infiltrado. Ele disse: “Esse cara vivia na nossa casa”. A informação que tenho é de que esse espião ainda está vivo, mas não posso te dar detalhes sobre o caso, porque ainda estou investigando e quero entrevistá-lo. Acertei com a Dra. Rosa Cardoso, que é encarregada da Operação Condor na Comissão Nacional da Verdade, que nós vamos procurá-lo, mas não quero agora alertá-lo.
IHU On-Line – A audiência que aconteceu na segunda-feira, 18-3-2013, além de tratar da Operação Condor, também retomou os debates sobre a morte do ex-presidente João Goulart, ainda hoje motivo de controvérsias. Quais os principais pontos dessa discussão?
Jair Krischke – Já em 2007 foi pedido ao Ministério Público Federal que investigasse a morte de João Goulart. De lá para cá, o pedido de investigação já foi arquivado duas vezes sob alegação de que é impossível investigar o caso. Mas agora ele foi reaberto com a novidade de que foi entregue, assinado e formalizado em documento à Comissão da Verdade, expressando o desejo da família de que seja feita a exumação do cadáver. Esse pedido faz algumas exigências, como a de que a equipe que fará os exames seja altamente qualificada, reconhecida nacional e internacionalmente, que disponha de equipamentos capazes de, transcorridos tantos anos, fazer uma pesquisa ampla. Segunda-feira falamos que a morte de Jango é suspeita, assim como as mortes de Juscelino Kubitschek e de Carlos Lacerda. Eram três políticos brasileiros capazes de, num processo de transição, candidatarem-se e ganharem as eleições num processo de transição.
O acidente automobilístico que matou Juscelino nunca foi investigado seriamente. Carlos Lacerda estava gripado, foi a uma clínica tomar uma injeção para gripe e morreu. Portanto, são mortes suspeitas. Nesse período, houve vários assassinatos de políticos latino-americanos importantes, como no caso do Uruguai, de Zelmar Michelini, Héctor Gutiérrez Ruiz, na Bolívia, de Juan José Torres, no Chile, do general Carlos Prats e, na Argentina, de Orlando Letelier, assassinado em Washington. Por que houve esses assassinatos de políticos na região do Cone Sul? Havia um receio de todas as ditaduras da região de que, se os norte-americanos provocassem um processo de abertura, estes políticos seriam eleitos e os militares teriam de prestar contas, o que eles não estavam dispostos a fazer. Então, essas mortes são suspeitas como a morte de João Goulart. O certificado de óbito de João Goulart dizia “Causa mortis: enfermedad”. O médico que assinou o atestado de óbito era pediatra, e as autoridades militares impediram que fosse feita uma necropsia para determinar a causa da morte. E por que impediram?
IHU On-Line – Como será realizado esse processo de investigação? Será feito em tempo hábil pela Comissão da Verdade?
Jair Krischke – O prazo de exigência do trabalho da Comissão da Verdade termina em maio do ano que vem. Portanto, todo o processo de investigação da morte de João Goulart, com exumação, exames laboratoriais, só será concluído depois. Certamente a Comissão já terá entregado o seu relatório e não terá mais poderes para nada, porque terminou aquilo que lhe foi atribuído por lei. A Dra. Rosa Cardoso se comprometeu em investigar o caso, mas também quer compartilhar essa investigação com o Ministério Público Federal, porque encerrados os trabalhos da Comissão, se for necessário, a investigação vai seguir.
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Operação Condor: novas revelações. Entrevista especial com Jair Krischke - Instituto Humanitas Unisinos - IHU