26 Janeiro 2012
“O regime político do Estado que investe, ou pretende investir no setor, é um dos fatores mais importantes, que precisa ser considerado quando se trata do tema nuclear, já que os regimes não democráticos têm poucos indivíduos como tomadores de decisão e estes não estão submetidos ao controle e fiscalização da sociedade, das instituições e das lideranças políticas opositoras”, aponta o cientista político.
Confira a entrevista.
A preocupação com a defesa dos interesses nacionais e a constante “busca” pela paz mundial tornam as discussões acerca da indústria bélica e do armamento nuclear acirradas. Para o cientista político Marcelo Suano, os investimentos nesses setores são decorrentes da maneira como ocorrem as relações internacionais entre os Estados no mundo contemporâneo. Países como o Brasil, que investem neste segmento, o fazem por “necessidades de aparelhamento e autonomia, ganhos econômicos, por questões de segurança, para preservação de seus recursos”. Em contra partida, explica, os investimentos mundiais na área criam “um círculo vicioso que tende à desestabilização e à guerra, além da comum guerra comercial entre as empresas da área e das desestabilizações sociais dos países causadas pelas carências de políticas dos governos em outros setores essenciais para que seja suprida a demanda do setor de defesa etc”.
Segundo ele, a resolução deste dilema consiste em “olhá-lo realisticamente e transplantá-lo para o cenário internacional, pensando a sua solução a partir do equilíbrio do sistema internacional, do aumento dos investimentos em regimes internacionais, na maior interdependência das economias e na consolidação de uma governança global que pensará os critérios para se garantir a estabilidade, as trocas e gerar, por isso, condições de redução constante das necessidades de Defesa, logo a redução dos investimentos na produção de armamentos”.
Recentemente, uma cápsula de gás lacrimogêneo encontrada em Bahrein, com a descrição “made in Brasil”, e as notícias de que a Coréia do Norte está investindo em armamento nuclear, reacenderam a discussão sobre a produção e exportação de armamentos e da transparência dos Estados em relação ao investimento nuclear na comunidade internacional. De acordo com o cientista político, o Brasil não produz e tampouco exporta armamento nuclear, e cápsula de gás lacrimogêneo encontrada no país que faz fronteira com o Qatar e a Arábia Saudita durante os confrontos da Primavera Árabe não foi vendida pelo governo brasileiro. “Destaca-se que o produto não foi vendido ao Bahrein, sendo expressada a proibição de reexportação de armamentos sem a autorização (exigência explícita no contrato, em respeito à legislação brasileira), algo que foi informado pela empresa e confirmado pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Acredita-se que algumas das monarquias do Golfo para as quais o Brasil realizou a venda possa ter deixado o armamento quando mandaram tropas em apoio ao governo do Bahrein, ou chegaram a usá-lo neste território”, esclarece à IHU On-Line.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, ele diz que “o Brasil está se comportando adequadamente” em relação à exportação de armamentos, “e a única possível contradição seria a questão da inadequação do discurso diplomático à prática da política externa em alguns momentos, quando houve críticas feitas pelo governo brasileiro a algumas ditaduras, mas ocorreram comercializações de armas para o país que antes não era oponente; ou a venda a países da região na qual ele está situado, podendo tais armas ter chegado às mãos dessas ditaduras”.
Marcelo Suano é Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo – USP. Sócio e Colaborador do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais - CEIRI, onde semalmente escreve análises que podem ser lidas no site www.ceiri.com.br ( http://www.ceiri.com.br/ ) . Como professor universitário, ministrou aulas de várias disciplinas de humanas, especialmente da área de Relações Internacionais. Fundador do Grupo de Estudos de Paz da PUC/RS, do qual foi pesquisador até o final de 2006; Em 2006 foi Coordenador dos Cursos Intensivos e Avançados; Vice-coordenador do Curso de Diplomacia Empresarial e Corporativa e Vice-Diretor do curso de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM/POA).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quais são, atualmente, os países que mais investem em armamento nuclear e por quê?
Marcelo Suano - Há vários levantamentos que apontam como sendo atualmente os maiores investidores em armamentos nucleares os EUA, seguidos de Rússia, China, França, Reino Unido, Índia, Israel, Paquistão e Coréia do Norte, nessa ordem. Ressalte-se que todos aumentaram os investimentos de 2010 para 2011.
Na tabela exibida no site http://www.globalzero.org/es/page/cost-of-nukes, produzida a partir dos estudos norte-americanos do Brookings Institution’s Atomic Audit: The Costs and Consequences of U.S. Nuclear Weapons, desde 1940, e do Carnegie Endowment for International Peace’s Nuclear Security Spending: Assessing Costs, Examining Priorities, os dados estão listados e os valores são em bilhões de dólares.
No entanto, a questão tem de ser desdobrada, pois apenas a identificação dos principais investidores não traz entendimento sobre a realidade nuclear, não explica de forma ampla a postura das grandes potências nuclearizadas, podendo os simples dados estimularem o discurso reducionista de que o impedimento da aquisição de artefatos atômicos pelos países ainda não nuclearizados se configura como uma estratégia das grandes potências para manter a assimetria de poder entre Estados, tal qual tem sido visto em debates e manifestações disseminados na mídia, principalmente a latinoamericana.
Pior, este tipo de discurso acaba tornando heróis os aventureiros que apostam em investir na capacidade bélica nuclear, enfrentando a comunidade internacional e acreditando que, com isso, gerarão poder de barganha de seu país perante o sistema internacional.
Investimentos
De imediato, é necessário ressaltar a distinção entre investimento no setor nuclear e investimento na fabricação de armamentos nucleares, especificamente, que sempre traz confusão, pois o discurso do direito ao domínio da tecnologia nuclear, algo legítimo, acaba sendo usado para justificar a busca dos armamentos gerando confusão no público sobre o que significa o investimento no setor.
É uma linha difícil de demarcar quando não há clareza sobre os projetos que são desenvolvidos e transparência acerca do seu desenvolvimento. É o que está ocorrendo no caso iraniano atualmente, em que se exige principalmente transparência para a comunidade internacional.
Como há indícios de que o desenvolvimento do projeto tem por fim a produção bélica, a negação feita pelo governo iraniano à fiscalização, acrescido da falta de transparência em suas ações políticas levam à convicção de que o resultado final desejado é realmente o militar. Visto desta perspectiva, a transparência permite que quaisquer ações no campo nuclear sejam feitas de acordo com as exigência mundiais para preservar a segurança internacional, dentro de um Regime Internacional específico e das determinações do Órgão, ou Órgãos responsável(is) pela fiscalização do cumprimento dos Acordos firmados.
Para tanto, já existem a Agência Internacional de Energia Atômica - AIEA e o Tratado de Não Proliferação Nuclear - TNP. A primeira fiscaliza, por autorização de seus 137 membros, e o segundo determina as condutas dos participantes do grupo, por concordância entre os seus 189 signatários. Logo, há convergências mínimas para determinar o que está sendo considerado para fins pacíficos, ou não, e sobre as condutas que devem ser adotadas, além daquelas exigidas no caso do não cumprimento das cláusulas firmadas.
Advertências
Ainda se deve ressaltar que vários fatores estão presentes na discussão do problema nuclear para não reduzir a questão dos investimentos puramente na determinação de quem gasta mais ou menos no setor. É possível afirmar que nunca devem ser deixados de lado os seguintes aspectos quando se trata dos armamentos nucleares:
1 - A questão da configuração das relações de força mundial e regionais, já que os equilíbrios de poderes no sistema internacional e nos subsistemas regionais sempre precisam ser levados em conta quando se fala da questão da relação entre segurança internacional e segurança nacional, conceitos que ainda vigem, apesar de existirem vários intelectuais e líderes tentando de forma heróica trabalhar e desenvolver o conceito de segurança humana, mesmo contra a história violenta de muitos povos, as tradições de outros e uma discussão infinita sobre a natureza humana. Ressalte-se que a questão do desarmamento nuclear muitas vezes pode ser entendida de forma mais direta quando se percebe a dança da configuração das relações de força no grupo de atores envolvidos, regionalmente ou em escala global, levando-se em conta, claro, os antagonismos e alianças entre estes atores.
2 - A inserção do país na cadeia produtiva global, já que, na atualidade, a possibilidade de uma unidade política sofrer uma ameaça de guerra depende diretamente também do grau de interdependência de sua economia com as demais.
3 - O desenvolvimento econômico da unidade política, pois, na atualidade, este fator indica integração na sociedade internacional, bem como a necessidade de investimentos constantes em alta tecnologia e setores energéticos variados, razão pela qual, dependendo de seu potencial interno, poderá precisar do setor nuclear, apesar das criticas que normalmente esta área recebe de vários cientistas e ambientalistas. Ressalte-se que já começam a surgir grupos dentre estes que aceitam a ideia de que a energia nuclear é ecologicamente viável por causar menor impacto ambiental, desde que sejam solucionadas as questões de segurança dos reatores e os problemas tecnológicos para reduzirem o lixo radiativo, ou o extinguirem-no, tanto que já se investe atualmente bilhões de dólares nos EUA e na Europa para o desenvolvimento de reatores de quarta geração e projetos de reatores de quinta geração, nos quais o lixo seria reduzido o mais que puder.
4 - O regime político do Estado que investe, ou pretende investir no setor, é um dos fatores mais importantes, que precisa ser considerado quando se trata do tema nuclear, já que os regimes não democráticos têm poucos indivíduos como tomadores de decisão e estes não estão submetidos ao controle e fiscalização da sociedade, das instituições e das lideranças políticas opositoras. Ao inverso, estes poucos tomadores de decisão (dependendo do grau de autoritarismo, uma ou duas pessoas) dominam as instituições que tendem a se concentrar na execução das suas vontades, criando riscos constantes para a segurança interna, regional e internacional. No caso do setor nuclear, a tendência normal tem sido a de acabar se deslocando para a área militar, mesmo que os investimentos venham comumente acompanhados da declaração oficial de uso pacífico para geração de energia e produção de isótopos para uso médico. Em termos genéricos, uma das principais pretensões da AIEA, bem como do TNP é impedir estes desvios quando surge um ator com pretensão de se nuclearizar, principalmente nos países de regimes autoritários, ou em Estados com instituições instáveis, mesmo que possam ocorrer desvios e exageros na execução de sua tarefa. Apesar de eles existirem e também precisarem ser controlados e extintos, estes possíveis e reais exageros e mesmo usos políticos que ocorrem não apagam a necessidade do controle por parte da comunidade internacional sobre os países com governos autoritários e regimes antidemocráticos, por ser uma exigência lógica da segurança mundial, tanto que é legitimado pela sociedade internacional
5 - Também se deve levar em conta a legitimidade e estabilidade das instituições políticas dos Estados. Este fator é importantíssimo e difícil de ser entendido, já que tem sido comum reduzir a democracia à instituição do voto, ou a inclusão social, ou a ambos, esquecendo que ela se expressa, além da presença da inclusão social e do voto, na existência de várias outras instituições políticas e sociais, que variam de país para país, mas que têm como objetivos comuns: o respeito pela pluralidade; preservação das liberdades fundamentais; a transparência efetiva, configurada principalmente na liberdade de informação, logo de imprensa; a possibilidade de participação de vários e amplos setores nos processos de tomadas de decisão (ou seja, a inclusão dos mais variados seguimentos sociais e do maior número possível neste processo de gestão das decisões) e, principalmente, a efetiva capacidade de controle, fiscalização e substituição dos governantes (ou seja, neste ponto, significando a rotatividade no poder e o respeito pelas regras legitimadas para tanto, algo que vai além da simples existência do pleito eleitoral). Normalmente, como há uma visão reducionista da Democracia, o comum tem sido encontrar sistemas políticos ditos democráticos (e hoje, todos se afirmam como tal) em que há uma separação abissal entre a classe política e o povo, mas que não trazem em sua estrutura estes elementos, razão pela qual o grosso da sociedade não reconhece as instituições políticas como representativas dos canais para solucionar seus problemas, deslegitimando-as, embora não saiba como reformá-las, ou não tenha forças para confrontá-las, pois a tendência geral neste caso é a apatia social, a ignorância pública, a desorganização das instituições sociais, gerando constante instabilidade nas instituições políticas e nas relações entre elas, pois, normalmente, estas são apropriadas por grupos, famílias, ou pessoas. Por isso são instáveis. Se não são deslegitimadas, são ignoradas devido à apatia popular, já que se reduzem ao uso privado dos detentores da capacidade de mando como instrumentos de poder por esses grupos ou pessoas para a defesa de seus interesses particulares, contra o povo e contra concorrentes que possam esboçar alguma força. Neste sentido, a questão da estabilidade das instituições está ligada diretamente a sua legitimidade e, onde há desequilíbrio institucional, corre-se o risco de ocorrerem ebulições que destruam a segurança interna e regional, ficando no horizonte o cenário do que poderia ocorrer no caso de um Estado que vive sob estas circunstâncias desejar ser detentor de armamentos nucleares, bem como a pergunta de se é legitimo a sociedade internacional fazer o que for necessário para impedir que adquira. Eu acredito que sim.
Alternativas
É necessário fazer estes esclarecimentos para evitar que a simples identificação dos investimentos em armamentos nucleares feitos pelas grandes potências (as que mais investem, é lógico) e a constatação do trabalho para restrição do desenvolvimento de armamentos atômicos por outros atores sejam usados como elementos para a construção de um discurso justificador do acesso à produção de armamentos nucleares por parte de governos autoritários, quando não tirânicos. Ressaltando-se que todos podem e devem ter acesso à tecnologia atômica, desde que respeitem as regras acordadas pela comunidade internacional.
Sobre a justiça das regras atuais é outra questão, mas isto pode ser resolvido também dentro do regime internacional específico. O problema é que há pouco investimento da mídia mundial na disseminação e esclarecimento dessas regras, explicação dos debates, discussão sobre sua justiça e esclarecimento sobre quais seriam as regras mais adequadas para substituí-las, ou seja, quais as alternativas.
Dissemina-se o dilema, o impasse, mas não os conteúdos, nem a contextualização dos problemas para formar uma opinião pública e gerar agentes que possam atuar diretamente sobre os negociadores do assunto e sobre os tomadores de decisão acerca dos problemas do setor.
IHU On-Line – O Brasil investe em armamento nuclear?
Marcelo Suano - O Brasil não é produtor nem exportador de armamentos nucleares. É um dos poucos países do mundo que domina o ciclo do combustível e teria capacidade de desenvolver o setor militar se desejasse. Mas não é interesse do país, ao menos no discurso oficial dos governantes que surgiram após o término do período do Movimento de 64.
Também não é interesse para parte significativa dos militares e para a maioria dos cientistas, de acordo com as declarações que saem na mídia. Curiosamente, existe uma manifestação por parte da população que oscila entre a indiferença sobre a questão e o questionamento do porque o Brasil não produz armamentos atômicos, bem como a defesa explícita do direito de o país ter artefatos nucleares, acreditando que isto lhe daria status no cenário mundial, o que é uma avaliação precipitada e superficial da situação, quando não errada, feita por segmento da opinião pública, se observados os custos e benefícios de uma investida como esta, ou as consequências da simples mudança do status brasileiro para potência nuclear, sem ter base para suportar tal investida no aumento do poder, além de não apresentar objetivos estratégicos bem definidos em sua política externa e em sua política de defesa, da mesma forma que não ter determinados de forma clara quem são os inimigos concretos. Pior, poderia passar a tê-los de forma concreta e manifesta, algo que não ocorre neste momento, o que dá tranquilidade para mudar de posição na hierarquia mundial pelos vieses de maior efetividade: o econômico e o diplomático .
Na questão dos inimigos potenciais, as Forças Armadas brasileiras trabalham seriamente com hipóteses, mas elas devem responder as determinações da política, que precisa ter claro ainda o que é objetivo de Estado de objetivo de governo, além de se evitar coisas abstratas e fora do escopo profissional militar. A questão fica em aberto no caso de haver governos que não pensam na lógica do Estado, mas na necessidade do governo que, no limite se reduz, a lógica das necessidades político partidárias, ou ideológicas. Fica a pergunta, como deve trabalhar as forças Armadas nestas condições?
Voltando a tema da pergunta inicial, além de não ser produtor e exportador, o Brasil é signatário de várias Agências, Acordos e Tratados Internacionais que acompanham as pesquisas, controlam o desenvolvimento, proíbem a produção de armamentos e definem a fiscalização da exportação de tecnologias e bens sensíveis, com especial interesse na área nuclear. Podem ser listados: Agência Internacional de Energia Atômica - AIEA; Tratado de Proibição de Armas Nucleares na América Latina e Caribe - Tratado de Tlatelolco; Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares – ABACC; Acordo Quadripartite (Argentina - Brasil - ABACC - AIEA) para a Aplicação de Salvaguardas; Grupo de Supridores Nucleares - NSG ; Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares - CTBT; Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares - TNP.
Participa de todos estes Órgãos e é signatário de tantos Acordos que lhe podam o desenvolvimento de armas, apesar de ser um dos três países do mundo (EUA, Rússia e Brasil) que detém: Usinas; controle do ciclo do combustível e reservas de urânio.
Prevenção
Diretamente, a Legislação brasileira regulamenta de forma clara e transparente, o controle das operações de exportação de bens de uso área nuclear e serviços diretamente vinculados, com o objetivo de prevenir a proliferação de armamentos nucleares (DECRETO Nº 1.861, DE 12 DE ABRIL DE 1996), com Órgão específico para tanto, também definido em Lei (Comissão Interministerial de Controle de Exportação de Bens Sensíveis), no Decreto Nº 4.214, de 30 de Abril de 2002, que é coordenado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e integrado por representantes de Órgãos do Governo federal, os quais tratam da importação e exportação dos bens sensíveis definidos na Lei 9.112, de 10 de Outubro de 1995.
Tal controle conta ainda com o apoio da Agência Brasileira de Inteligência – ABIN, que atua na coleta de informações, na área operacional e na área estratégica, verificando empresas, órgãos, instituições etc. Além disso, controla a exportação de material de uso dual, definido pela Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar - PNEMEM.
Independentemente destes dados burocráticos, o importante é saber que o Brasil, além de não produzir armamentos, não participa de qualquer forma de exportação (embora possam existir grupos ilícitos no território), e se empenha de forma adequada e eficiente no controle do fluxo internacional de tecnologias sensíveis e comunga da posição assumida pela comunidade internacional. Esta avaliação é compartilhada pela maioria dos analistas, mesmo com os desvios políticos, erros de interpretação governamentais e falhas diplomáticas que ocorreram durante as aproximações com o Irã, em 2009 e 2010.
Riscos
Não se descarta a possibilidade de o Brasil desenvolver a bomba atômica, mas os ganhos seriam poucos em relação ao que poderia trazer de problemas, de inimigos e, principalmente, de custos decorrentes das responsabilidades que adviriam.
Além disso, os gastos seriam destinados ao desenvolvimento de um instrumento do setor de Defesa que corresponde ao topo de uma estrutura, sem adequada à sua realidade uma base, a qual, neste momento, está em processo de reconstrução, barganhando recursos para isso e ainda não é capaz de cumprir a tarefa de defesa imediata da totalidade do território, dos seus bens, bem como de responder prontamente às ameaças que poderiam surgir. Destaca-se ainda que estaria desenvolvendo um instrumento que não poderia ser usado, pois reverteria contra si mesmo, perdendo a oportunidade de investir nos meios corretos e de aplicação viável.
Mas isto não significa uma aceitação passiva de todas as exigências internacionais, como é o caso da inclusão imediata na Revisão do TNP, que detém cláusulas que não propiciam garantias de direitos sobre a tecnologia desenvolvida pelo Brasil. Nesta Revisão do TNP, há elementos que devem ser rediscutidos, para que se estabeleça o equilíbrio correto e o respeito adequado nas relações entre os Estados, já que as fiscalizações objetivam também isso, quando desejam evitar que governos belicosos e desrespeitosos da ordem mundial detenham instrumentos de pressão que são desestabilizadores do sistema. A regra deve ser aplicada de forma ampla e sem ambiguidades no respeito aos direitos dos Estados e ao espírito da lei.
IHU On-Line - O Brasil tem se posicionado contrário a ditaduras em alguns países do Oriente, mas, por outro lado, exporta cápsulas de gás lacrimogêneo para outros países, a exemplo da cápsula encontrada em Bahrein, utilizada contra os manifestantes que participavam da Primavera Árabe. Como explicar essa relação e a posição brasileira? Há alguma contradição?
Marcelo Suano - Não há contradição. Da perspectiva do mercado, a empresa brasileira entrou na concorrência e tem levado vantagem sobre a comercialização deste produto, destacando-se ser um armamento não letal, apesar de haver críticas ao seu uso e a classificação, o que são outras questões.
É preciso ressaltar que o acontecimento deve receber repúdio mundial pela repressão às manifestações por liberdade, pelo uso de instrumentos de força por parte de tropas armadas contra a população e, em especial, pela extinção de uma vida, catastroficamente, uma criança.
Destaca-se que o produto não foi vendido ao Bahrein, sendo expressada a proibição de reexportação de armamentos sem a autorização (exigência explícita no contrato, em respeito à legislação brasileira), algo que foi informado pela empresa e confirmado pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Acredita-se que algumas das monarquias do Golfo para as quais o Brasil realizou a venda possa ter deixado o armamento quando mandaram tropas em apoio ao governo do Bahrein, ou chegaram a usá-lo neste território.
Nesses termos, o Brasil está se comportando adequadamente e a única possível contradição seria a questão da inadequação do discurso diplomático à prática da política externa em alguns momentos, quando houve críticas feitas pelo governo brasileiro a algumas ditaduras, mas ocorreram comercializações de armas para o país que antes não era oponente; ou a venda a países da região na qual ele está situado, podendo tais armas ter chegado às mãos dessas ditaduras. Mas isso, visto de forma jurídica e lógica, não é um problema que caberia ao Brasil e sim aqueles que desrespeitaram as regras e os termos dos contratos.
Párias internacionais
Em muitos casos, as negociações foram feitas antes de terem ocorrido os contenciosos e conflitos que tornaram tais Estados párias internacionais. Um exemplo preciso é o Iraque, que durante tempo expressivo foi grande parceiro do Brasil, ao ponto de ser visto como país amigo e, posteriormente, o governo iraquiano tornou-se odioso para a comunidade internacional ou foi apenas objeto da fúria das grandes potências. É óbvio que num caso deste não se pode apontar culpabilidade na parceria do passado, quando a conjuntura era outra.
Durante o último governo do Brasil, a postura pragmática adotada teve caráter contraditório. Neste momento não existiu uma “Equidistância Pragmática” como no Período Vargas, menos ainda, como no Período Geisel, um “Pragmatismo Responsável” (nomes dados às políticas externas desses governantes, respectivamente).
Pragmatismo
Muitos analistas apontam que ocorreu sim um “Pragmatismo”, mas alguns o chamaram de “Irresponsável”, pois não calculou as relações de custo e benefício das relações estabelecidas, acrescentando-se que viram tais relações apenas pelo prisma comercial; outros de “Inconsequente”, pois não mediu os resultados da confrontação entre as aproximações e os discursos que proferia; outros ainda de “Pragmatismo Ideológico”, pois respondia às defesas e parâmetros ideológicos dos formuladores da política externa, que pensavam independente das necessidades do Estado brasileiro e sim dos determinantes ideológicos. Desejavam uma maior autonomia, mas para confrontação com as grandes potências capitalistas, utilizando percepção inadequado da realidade mundial (já que excessivamente ideologizada) e discursos anacrônicos, apesar de se desejar a ampliação da carteira de clientes e dos parceiros no cenário internacional.
Houve muitas aproximações e amizades com governos identificados mundialmente como tirânicos por motivos de abertura de mercado, ou incremento das exportações brasileiras, enquanto se discursava pró-direitos humanos. Foi algo que trouxe consequências negativas para nossa diplomacia e suspeitas sobre nossa política externa, significando mais a perda de oportunidades políticas na governança mundial, apesar da ampliação do mercado com riscos altíssimos, uma vez que, mesmo com a ampliação feita, ela foi direcionada para áreas instáveis, com os governantes questionados, tendo no horizonte o cenário de que, ocorrendo uma queda de governo, uma mudança de regime, ou uma revolução no país, o Brasil seria excluído no processo posterior, resultando no fracasso do planejamento exclusivamente comercial, que revelou limitada capacidade de construir cenários, talvez pelo fato de haver orientação ideológica, quase ideologia partidária, norteando a formulação da política externa brasileira e não as necessidades da sociedade e do Estado.
IHU On-Line O governo brasileiro recebeu muitas críticas à época em que o ex-presidente Lula recebeu o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, por causa do programa nuclear iraniano. Atualmente, Dilma parece dar outra entonação para a relação. Como o senhor avalia as relações diplomáticas entre os países? Quais as vantagens e desvantagens desta relação para o Brasil?
Marcelo Suano - O caso iraniano é exemplar, pois argumento comercial não pode ser o único, nem justificaria os investimentos e perdas em credibilidade diplomática, logo também em força política. Certamente as razões estavam além disso: parcerias em investimentos no setor do petróleo e no gás da região do Mar Cáspio, tanto que houve conversações com Rússia e China. Nesse sentido, teria valor, já que participaria de projetos gigantescos para prover a principalmente a China, a Europa e o Japão, mas foi um erro de cálculo político e estratégico, além de enfraquecer a influência brasileira no cenário mundial, pois adotou-se o discurso errado e contraditório para garantir a participação no processo.
Ficou o Brasil identificado como parceiro de um regime autoritário, com governo tirânico e recebeu de um mundo que começava a se curvar aos brasileiros a pecha de contraditório e hipócrita, tal qual afirmou o jornal espanhol El Pais.
O resultado é que a situação não caminhou, o Brasil não obteve sucesso, ficou marcado, o Irã está num crescente para a guerra com excepcional probabilidade de ser derrotado em tempo hábil, se ela ocorrer, mas prejudicará o mundo inteiro e o Brasil poderá ser citado como um dos ingênuos que contribuiu para tanto, além de o governo brasileiro ter cometido o erro político de estampar as contradições morais de suas ações. Hoje, sob a presidência Dilma Rousseff, os acontecimentos apontam que ela objetiva restaurar o discurso dos direitos humanos, que ficou tingindo com a pecha da hipocrisia, por isso as relações entre os dois países está esfriada e poderá ficar assim por algum tempo, apesar dos esforços de reaproximação.
IHU On-Line - Em 2008, durante a Convenção sobre Munições de Fragmentação, 109 países firmaram um acordo para acabar com a fabricação, compra e armazenamento de artefatos, mas o Brasil, EUA, Índia, Paquistão e Israel não assinaram o documento. Por que o Brasil resiste e insiste em investir na indústria bélica? Como a indústria bélica se posiciona por trás das relações diplomáticas entre os países?
Marcelo Suano - Primeiramente, a indústria bélica traz inovação, desenvolvimento tecnológico e ganhos econômicos para qualquer país. Mas a questão vista apenas deste prisma reduz a resposta a um ponto simplista para qualquer estudioso das relações internacionais, defensor do equilíbrio internacional e trabalhador pela paz.
Em segundo lugar, é um universo que afeta diretamente a questão da Defesa e os especialistas no tema afirmam que ela é essencial para aumentar o seu potencial e garantir a Segurança do país no cenário mundial. Emerge nesse contexto a necessidade de uma demanda constante para que a indústria bélica se mantenha, já que apenas as encomendas das Forças Armadas nacionais de qualquer Estado não são suficientes para manter a cadeia produtiva funcionando, que, por sinal gera milhares de empregos.
Assim, da perspectiva empresarial é necessário investir no mercado consumidor mundial para manter a produção e o crescimento da corporação. Da perspectiva do Estado é necessário que a indústria exista e seja forte para preencher um daqueles critérios necessários, mas não suficientes, garantidores da segurança do país: “autonomia tecnológica no setor militar, com capacidade produtiva e desenvolvimento da área”.
Investimento na indústria bélica
Se olharmos por este prisma, não apenas se justifica o investimento numa indústria bélica como ele passa a ser necessário. E é. Mas o raciocínio se desdobra para todos os demais Estados, mostrando que é criado um círculo vicioso que tende à desestabilização e à guerra, além da comum guerra comercial entre as empresas da área e das desestabilizações sociais dos países causados pelas carências de políticas dos governos em outros setores essenciais para que seja suprida a demanda do setor de defesa etc.
A forma de contornar o problema é olhá-lo realisticamente e transplantá-lo para cenário internacional, pensando a sua solução a partir do equilíbrio do sistema internacional, do aumento dos investimentos em regimes internacionais, na maior interdependência das economias e na consolidação de uma governança global que pensará os critérios para se garantir a estabilidade, as trocas e gerar, por isso, condições de redução constante das necessidades de Defesa, logo redução dos investimentos na produção de armamentos.
Indústria bélica brasileira
Assim, o Brasil insiste e precisa insistir na indústria bélica por necessidades de aparelhamento e autonomia, ganhos econômicos, por questões de segurança, para preservação de seus recursos, tudo decorrente da forma como ainda se dão as relações entre os Estados no mundo contemporâneo.
Excetuando-se os exageros, as demagogias e discursos tingidos de má-fé, o Brasil necessita desta indústria e para mantê-la terá de entrar no mercado mundial. Mas o Estadista que investir nisto deve ter consciência de que a necessidade decorre da atual natureza do sistema internacional e é neste campo que ele também terá de trabalhar, com a diplomacia, com propostas de regimes, projetos de organização, ou seja, com uma verdadeira construção da governança global.
Sem isso, no mínimo, serão culpados no futuro por omissão, quando nada restar, já que cada vez mais aponta no horizonte um esgotamento deste sistema internacional, o que geralmente significa uma guerra sistêmica, seja geral, ou suficientemente ampla para abalar o equilíbrio e produzir o caos entre os atores mundiais.
IHU On-Line - Pode-se dizer que as armas nucleares remodelaram a política internacional e a compreensão sobre as guerras?
Marcelo Suano - Sim. Da perspectiva da disciplina Relações Internacionais identifica-se a permanência da “Guerra Fria” por tanto tempo devido à existência dos armamentos nucleares, configurado na situação denominada “Equilíbrio do Terror”.
Por paradoxal que possa parecer, aquele modelo de sistema internacional (Bipolar Heterogêneo: duas grandes potências reguladoras do sistema com escassos pontos de diálogo) não deveria durar muito, pois, dentre os existentes, é o mais instável e mais propenso a gerar uma guerra, que naquela situação seria outra guerra mundial.
O que garantiu que não houvesse o confronto direto, mas combates e cooptações dentro das zonas de influência um do outro (desde que não levasse os dois grandes a se enfrentarem frontalmente) era aquilo que ficou conhecido como “Mútua Destruição Assegurada”, devido a existência do artefato nuclear. Curiosamente a “Mútua Destruição Assegurada” gera a sigla
MAD em inglês, que produz a palavra “doido”.
Guerra Fria
O interessante é que o conceito de “Guerra Fria” se constrói exatamente pela inexistência da guerra entre os principais contendores, mas a presença de conflitos constantes nas áreas de influência de ambos. Não há confronto direto, mas também não há paz, por isso a guerra é fria, seja pela disputa permanente no espaço circunvizinho, seja pela ameaça constante de confronto direto, mas não apenas por esta ameaça, o que é um erro tão grande quanto achar que “Guerra Fria” é o nome de um Período da história. Este momento histórico recebeu tal nome exatamente porque nele predominavam as características e circunstâncias do conceito de “Guerra Fria”.
Como se pode ver, teoricamente elas trouxeram uma séria de abordagens novas para a política internacional que não existiam antes de seu surgimento. Elas produziram uma nova dimensão. Além disso, obrigaram a buscar outra compreensão do fenômeno da guerra, bem como a produção de estratégias que dessem conta deste novo tipo de armamento, pensando tanto o seu uso, quanto concebendo caminhos para o uso de armamentos convencionais tendo a sombra do artefato nuclear no horizonte, ou seja, estratégias para vencer disputas e conflitos que não levassem a utilização de uma bomba atômica. Isto é uma mudança de natureza, além da mudança de forma.
IHU On-Line - Recentemente, a Coréia do Norte anunciou que está fazendo testes nucleares. O senhor acredita que hoje é possível haver uma guerra nuclear, considerando os exemplos históricos e os riscos dos armamentos nucleares, como o caso de Hiroshima? Por que os países ainda insistem em investir nesta área?
Marcelo Suano - É possível afirmar que existe a possibilidade de uma guerra nuclear, mas ela tem baixa probabilidade, sendo maior, dentro desta probabilidade difícil de ser mensurada, a ocorrência de uma guerra localizada (Oriente Médio e Península Coreana) e menor uma guerra nuclear mundial. O início de um confronto desta natureza dependeria de várias condições. De forma rápida, podem ser identificados ao menos três delas: capacidade de o governo de um destes “players” tomar decisões unilateralmente no cenário externo, concebendo que o Estado estaria isolado tanto política como economicamente, ao ponto de ter pouca inserção na cadeia produtiva global; que o regime político do “player” desencadeador do processo seja autoritário, com concentração de poder nas mãos de poucos decisores, pois teriam condições de levar a dialética da violência à extremidade lógica da guerra, uma vez que não seria obrigado a respeitar exigências de vários interlocutores aliados que interfeririam na sua decisão; estar sob forte tensão no cenário interno e externo, de forma que a guerra se configurasse como uma saída estratégica para forçar um diálogo, imaginando-se que haveria escaladas até chegar a utilização do artefato nuclear, ou, no caso extremo, que inicie o processo com a bomba para impedir resposta, mas este é cenário do desespero, do extremismo e concretizável se estabelecidas as condições da guerra absoluta clausewitziana.
Ademais deve-se acrescentar que se supõe que o confronto ocorra entre atores nuclearizados, dificilmente entre as grandes potências, pois elas retrocederiam à condição da MAD, e ocorreriam numa das regiões foco da atualidade, começando pelo Irã, talvez pela Coréia do Norte, ou circunscrita à Índia contra o Paquistão. Dentre as três, no caso do Irã alcançar o domínio da bomba, será o mais provável.
Investimento nuclear
Respeitando a distinção feita sobre os investimentos no setor nuclear, pode-se dizer que, hoje, para aqueles que querem produzir armamentos nucleares, eles o fazem por três razões principais: buscar equilíbrio de poder (são muitas as questões que esta razão suscita e não caberia neste
momento desdobrá-las); dissuasão na região (caso de Israel que tem o artefato como fator dissuasório, justificada a posse diante da condição estratégica em que se encontra, já que é cercado por inimigos que dificilmente suportaria enfrentar por muito tempo se fosse necessário fazê-lo simultaneamente; instrumento de barganha para negociar as necessidades econômicas e a tolerância mundial em relação a decisões unilaterais (casos de Coréia do Norte e Irã), sendo estes os focos mais sensíveis.
Dentro dessa perspectiva, mostra-se sem sentido buscar o armamento apenas para mudar o status político mundial, já que os ganhos com a mudança não são palpáveis, mas as perdas sim.
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Entre a paz e a defesa: os dilemas internacionais da indústria bélica e do armamento nuclear. Entrevista especial com Marcelo Suano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU