28 Abril 2011
Massacre de Realengo. Assim ficou conhecido o episódio em que um ex-aluno de uma escola municipal na zona oeste do Rio de Janeiro matou 12 crianças e feriu outras tantas utilizando duas armas de fogo, compradas de forma rápida e fácil. Depois desse episodio, a discussão sobre o desarmamento da população voltou à tona e se levantou a possibilidade inclusive de um novo plebiscito sobre o desarmamento, num formato muito próximo daquele realizado em 2005, em que a população disse não à pergunta: "O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?"
A IHU On-Line tratou desse tema na entrevista que realizou com a coordenadora do controle de armas do Instituto Sou da Paz, Alice Ribeiro. Na entrevista, realizada por telefone, Alice fala sobre o contexto latino-americano em relação ao rearmamento mundial e analisou os debates que surgiram a partir da tragédia em Realengo. “Apesar de sermos contra a comercialização de armas e contra a posse de arma por civis, nós respeitamos a lei, respeitamos a vontade popular e a democracia e, por isso, a julgamos que, mais importante do que realizar um novo plebiscito agora, o Estatuto do Desarmamento, que é muito bom, precisa ser integralmente cumprido”, explicou.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A América do Sul lidera o rearmamento mundial. O que isso significa para o Brasil neste momento?
Alice Ribeiro – Em primeiro lugar, é importante notar que hoje estamos cada vez mais perto de ter um tratado internacional de controle do comércio de armas, que vai ser mundial, ou seja, não valerá somente para um continente. Temos condições na América Latina de conflitos, regiões onde há profundos desentendimentos entre etnias ou grupos de governos. Vemos, porém, um cenário povoado por armas de fogo que se torna cada vez mais letal; é uma forma de resolução de conflitos muito negativa, porque é letal. Existem outras maneiras. Há intervenção, diplomacia. Enfim, diversos outros instrumentos que poderiam ser utilizados para resolver conflitos, que por sinal não estão sendo muito utilizados.
IHU On-Line – Você é a favor do desarmamento?
Alice Ribeiro – A lei precisa ser implementada. É nisso que acredito. É preciso que haja o mínimo possível de armas em circulação! Isso pode acontecer por meio das campanhas de entrega voluntária. Essas iniciativas são instrumentos importantíssimos e que já tiraram de circulação no Brasil mais de meio milhão de armas. Mas também é preciso efetivar as buscas e apreensões de armas ilegais. Além disso, as armas legais existentes precisam estar em segurança. Recentemente o Conselho Nacional de Justiça – CNJ apontou que existem 752 mil armas em circulação no país. É muito importante que elas estejam muito bem guardadas para o bem da segurança nacional.
IHU On-Line – Fernando Gabeira escreveu que “se Wellington [1] tivesse sobrevivido, o grande debate hoje seria um plebiscito sobre a pena de morte”. Você concorda?
Alice Ribeiro – É bastante preocupante esta questão. Uma outra questão que podemos colocar é que se ele fosse menor de idade possivelmente a discussão também poderia estar em torno de um plebiscito em torno da maioridade penal. Por essas razões é que julgamos bastante preocupante se ter a realização de um plebiscito como uma saída de uma situação como esta. Estamos falando de uma consulta popular no calor do momento, com questões que são bastante delicadas, as quais precisam ser olhadas com cautela.
O Instituto da Paz, do qual faço parte, julga que não seja o melhor momento para discutir e organizar um plebiscito sobre armas. Já foi feita uma consulta há seis anos atrás e a resposta da população foi muito clara. Apesar de sermos contra a comercialização de armas e contra a posse de arma por civis, nós respeitamos a lei, respeitamos a vontade popular e a democracia. E é por isso que julgamos que Estatuto do Desarmamento – que é muito bom –, precisa ser cumprido integralmente, em vez de se realizar outro referendo.
IHU On-Line – O que você espera do governo agora, depois do massacre na escola em Realengo, no Rio de Janeiro?
Alice Ribeiro – O governo está tendo uma posição muito interessante e importante, que é justamente a de fazer com que as pessoas se engajem na campanha do desarmamento. Isso vai fortalecer a possibilidade de entrega voluntária de armas. Está sendo discutido no âmbito do Ministério da Justiça a criação de postos de recolhimento de armas, inclusive em lugares como igrejas e organizações não governamentais. É importantíssimo que eles estejam discutindo e que implementem o pagamento imediato das indenizações para quem entregue arma. A posição do Ministério da Justiça, por exemplo, com relação a este momento, em nossa opinião, está sendo perfeita, pois eles estão agindo rapidamente no sentido de facilitar a retirada de armas de circulação por meio da entrega voluntária.
IHU On-Line – Como funciona o controle de armas no país hoje?
Alice Ribeiro – Hoje nós temos dois órgãos responsáveis por fiscalizar as armas no país: O Exército e a Polícia Federal. Este controle de armas em circulação é regido pelo Estatuto do Desarmamento, que é de 2003. Estas duas instâncias se dividem com relação ao controle. A legislação é muito boa, e essas instituições são muito competentes. Então, a princípio, está tudo bem encaminhado.
No entanto, é preciso que tudo seja feito de acordo com a legislação. Sabemos que existem problemas e isso está relacionado à falta de recursos, falta de priorizações, como, por exemplo, a fiscalização das categorias que podem ter armas. No caso do Exército, é importante que eles cumpram ao pé da letra o que diz a lei, principalmente no que concerne à fiscalização de categorias como os caçadores, atiradores e colecionadores. Estes detêm, hoje, um arsenal imenso: 155 mil armas nas mãos destas categorias no país inteiro.
Por outro lado, no caso da Polícia Federal também é importante que eles fiscalizem categorias que podem ter armas, como as empresas de segurança privada. É importante que estes dois órgãos estejam trabalhando em sintonia, integrando os bancos de dados. É importante que a marcação de armas e de munições seja feita como manda a lei. O cenário que nós temos, a princípio, é muito positivo no sentido do que sinaliza a legislação. Todavia, la precisa ser integralmente cumprida.
IHU On-Line – Por que é tão fácil comprar armas no Brasil?
Alice Ribeiro – Realmente parece que tem sido fácil. A revista Época trouxe uma reportagem em que um jornalista conseguiu comprar uma arma 48 horas depois do massacre em Realengo. Tal tragédia mostrou que o criminoso teve acesso a armas de forma bastante fácil. Sabemos que, se mais armas forem retiradas de circulação, este quadro mudará completamente. É por isso que se torna importante desarmar a população.
IHU On-Line – Em 2005, o que fez com que as pessoas votassem contra o desarmamento?
Alice Ribeiro – O referendo de 2005 teve várias questões embutidas que levaram a população a votar para continuar com o comércio de armas. Algum desses motivos diz respeito à insatisfação com o governo. O plebiscito aconteceu bem na época do mensalão. Assim, as pessoas poderiam estar votando como um protesto, como se estivessem dando um não ao governo. Existem várias análises sobre as razões deste resultado. É muito difícil entender. Isto demanda paciência do interlocutor para que possamos mostrar que a arma traz mais insegurança do que segurança. A maior parte dos homicídios que acontecem no Brasil é por armas de fogo; a maior parte destes crimes ocorre por motivos banais, como o trânsito, brigas de torcidas, brigas de casais, desavenças simples que, com uma arma em punho, tornam-se fatais.
IHU On-Line – Depois da tragédia na escola em Realengo (RJ) o Brasil mudou de opinião?
Alice Ribeiro – Eu não sei te dizer, mas eu acredito que não. A situação está sendo analisada no calor do momento. A letalidade que o evento teve por ter duas armas de fogo envolvidas choca muito a sociedade. Por isso, uma nova consulta popular não deveria ser submetido à população em um momento de muita dor como essa.
IHU On-Line – O que essa tragédia ocorrida no RJ nos revela sobre a questão da segurança pública no país?
Alice Ribeiro – É, de fato, uma tragédia que pela sua proporção choca o país inteiro. Foi interessante uma chamada de um jornal logo após a tragédia que “12 mortos e 190 milhões de feridos”. O país ficou todo ferido com a situação. O que vale lembrar é que ela, da forma que aconteceu, foi bastante atípica. Nunca ouvimos falar em massacres dentro de escolas, com crianças, em um país como o Brasil. Vale a pena olhar a situação como um ponto fora da curva, para que não caia de cabeça em discussões envolvendo o fechamento de escolas, colocação de detector de metal. Isso não é desejável.
Nós acreditamos que a segurança ideal passa por um maior controle de armas, tirando-as de circulação. É desta forma que situações como esta podem não ocorrer novamente. A nossa preocupação é como fazer com que não haja armas em disposição para entrar no mercado ilegal. É, sim, um problema de segurança pública e precisa ser abordado sob uma visão de segurança pública, e não sobre o interesse de indústrias de armas, de colecionadores, de hobbies individuais. É importante que todos se engajem nessa ideia de tirar as armas de circulação. A campanha de entrega vai voltar com toda força.
Notas:
[1] Wellington Menezes de Oliveira é o autor do massacre ocorrido na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, no Rio de Janeiro, que vitimou 12 crianças. Ele cometeu suicídio após o ataque.
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Por um Brasil sem armas. Entrevista especial com Alice Ribeiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU