19 Setembro 2009
Joseph Chittilapilly, secretário internacional da Union Catholique Internationale de la Presse (UCIP), é jornalista indiano. Atualmente mora em Genebra, na Suíça. E esteve, recentemente, visitando a Unisinos, ocasião em que foi entrevistado pessoalmente pela IHU On-Line sobre os desafios da imprensa católica no mundo. Joseph explica, em primeiro lugar, o que podemos entender por jornalismo católico, cuja ideia “poderia ser inspirada nos bons valores do catolicismo como religião, entre eles o amor e a amizade”. Para ele, os jornalistas deveriam ter pelo menos 10% do tempo de trabalho livre para que possam inventar, criar com liberdade, sem as amarras institucionais. “Deveríamos ter jornalistas formados, que fazem seu trabalho no dia-a-dia, para que possam refletir sobre temas concretos, e não para dizer ‘sim senhor’ o tempo todo”. Chittilapilly acrescenta que, muitas vezes, “o problema das universidades (...), é que elas são pagas para fazer algo. Certamente vemos grandes ideais por trás de tudo o que fazem”, o que interfere diretamente no trabalho dos jornalistas que trabalham para essas instituições.
Sobre a questão da narrativa de Deus em nossa sociedade, Joseph Chittilapilly tem uma opinião convicta: “Se quisermos ter um discurso intelectual com as pessoas sobre Deus, então deveríamos colocar tudo sobre a mesa e ver o que é o melhor. Nós podemos até trocar ideias sobre o que cada um acredita numa sociedade pós-metafísica ou pós-moderna. Mas precisamos respeitar as pessoas, não podemos dizer a elas ‘eu sei tudo’. (...) Se pudermos deixar as pessoas pensarem, buscarem, descobrirem o que pensam, estaremos no caminho da única solução. Do contrário, as pessoas vão escutar e ir embora. Elas se cansam, estão cansadas por mais de 2000 anos. Precisamos ser mais humildes. Às vezes é bom saber que não sabemos. Porque isso nos ajuda a abrir horizontes. Penso que não só no tocante a Deus, até mesmo nas coisas simples da vida”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como o senhor define a situação da imprensa católica no mundo, hoje? Quais são seus limites e desafios?
Joseph Chittilapilly - Antes de dizer “imprensa católica”, talvez eu deva utilizar a expressão “jornalistas católicos”. A diferença é que a imprensa católica é um setor pequeno. São as pessoas que trabalham com a Igreja, nas congregações católicas, ou que pertencem a instituições católicas. A “União Católica Internacional de Imprensa” também abrange jornalistas católicos que trabalham na imprensa secular. Logo, temos um alcance maior. Filiados a nós, temos pessoas da imprensa católica e também da imprensa secular. Então, os desafios, obviamente, variam de continente para continente. Temos muitos que são da imprensa católica da América do Norte, no caso, Estados Unidos e Canadá; da América Latina; da Europa e das outras partes do mundo. A maioria é da imprensa secular. Há alguns casos de católicos que são proprietários de jornais seculares, dirigindo a imprensa comum. Eles não dizem que são imprensa católica, mas que são imprensa em geral. As pessoas perguntam: existem jornalistas realmente? Ainda há jornalistas em existência hoje em dia? Ou somos uma espécie em extinção? Por que todos estão fazendo certa atividade, por que ele ou ela foi solicitado para fazer aquela tarefa? Não é necessariamente a própria criatividade que comanda o trabalho? Jornalismo é muito associado com a palavra liberdade. As pessoas têm que ser livres para serem jornalistas. Se você for livre, não poderá dizer que é um jornalista norte-americano, ou que é um jornalista cristão, não pode dizer que é um jornalista brasileiro, você é: jornalista. Simples assim. Então, será um jornalista pronto para trabalhar no assim chamado desenvolvimento integral da formação do ser humano. Não podemos definir a pessoa humana dentro das fronteiras geográficas do Brasil ou dos Estados Unidos, por exemplo. Esses desafios muitas vezes não são levados em consideração porque as pessoas não têm tempo. Todos os dias nós temos algo para fazer e estamos ocupados. Por causa disso, o jornalismo foi inventado. Quando andamos por aí como jornalistas, em diferentes lugares do mundo, vemos muitos estereótipos. As pessoas são vistas e valorizadas de acordo com a nacionalidade ou a região da qual vêm. É preciso tempo para ser jornalista no mundo.
IHU On-Line – Como é essa relação entre liberdade e jornalismo?
Joseph Chittilapilly - Na qualidade de jornalistas e comunicadores, sempre estamos tentando passar uma mensagem, de um ou outro modo. E se podemos criar com liberdade, se isto nos é permitido, penso que isso será mais interessante do que o objetivo de quanto dinheiro conseguimos ganhar, embora isso também seja muito importante. Liberdade, para nós, jornalistas, significa ser totalmente livre, inclusive para inventar o próprio deus. Porque num lugar como a Índia temos milhões de deuses, todos os dias se pode criar algo novo. Se a pessoa tiver condições de fazer isto, se tiver essa liberdade como indivíduo, nosso trabalho provavelmente seja mais interessante. Quando começamos no jornalismo, geralmente, somos obrigados a cumprir determinadas tarefas, caso contrário não teríamos o emprego ou não receberíamos o dinheiro, o que é lamentável. Mas se pudéssemos ser livres pelo menos 10% do nosso tempo para inventar, seria muito bom. Deveríamos ter jornalistas formados, que fazem seu trabalho no dia-a-dia, para que possam refletir sobre temas concretos, e não para dizer “sim senhor” o tempo todo.
IHU On-Line – Aqui no Instituto Humanitas Unisinos somos entre quatro jornalistas, trabalhando para uma universidade católica. Nós tentamos ser plurais, mas isso não é tão fácil...
Joseph Chittilapilly - Sim, esse é o problema. Infelizmente nos encontramos debaixo de tantos rótulos: somos brasileiros, somos indianos, suíços, católicos, muçulmanos. Com o tempo, constatei que é muito importante dizer apenas os nomes: você é Joana, você é José, ponto. Mas isso é quase impossível. O que nós fazemos, em alguns programas que organizamos na UCIP, especialmente com pessoas jovens, é ajudar as pessoas a, pelo menos, refletirem um pouco, pois os jovens ainda pensam que podem mudar o mundo ou fazer os outros pensarem de forma diferente. Mesmo que não consigamos mudar as coisas da noite para o dia, podemos pelo menos tentar ir nessa direção. E, muitas vezes, o problema das universidades, como você disse, tanto universidades católicas quanto muçulmanas, brasileiras ou universidades internacionais, é que elas são pagas para fazer algo. Certamente vemos grandes ideais por trás de tudo o que fazem. E achamos isso maravilhoso. Esta manhã, o padre Pedro Gomes me dizia que a Unisinos é uma universidade onde se tenta praticar o diálogo inter-religioso, pois sabemos que existe um mundo além do cristianismo. Então, isso significa muito mais do que conectar católicos com metodistas ou luteranos. Isto já é um grande desafio; ir além disso é um desafio ainda maior. Na Índia, temos civilizações ou culturas que cresceram com sistemas de classe ou castas. É a mesma coisa, de certa forma.
IHU On-Line - Qual deve ser a principal missão da imprensa católica hoje?
Joseph Chittilapilly - Eu voltaria à raiz, ao verdadeiro significado da palavra “católica”. Se você olhar no dicionário, “católico” significa universal, originalmente, algo que toca todo o mundo. Não significa que se trata de um grupo pequeno de pessoas ou uma seita fechada. Então, talvez, a ideia do jornalismo católico poderia ser inspirada nos bons valores do catolicismo como religião, entre eles, o amor e a amizade. A única coisa é que deveríamos aplicar isso a todas as pessoas. E, neste caso, penso que o jornalismo católico tem sentido, porque quando a UCIP foi iniciada oficialmente, há 81 anos, a ideia original foi a seguinte: ela começou na Europa como um grupo católico de jornalistas; eles constataram que havia guerra por toda a parte, todo mundo estava brigando. Portanto, não poderiam confiar nos políticos, nem nos líderes de negócios, porque esses só queriam ganhar dinheiro. Não podiam confiar sequer nos líderes religiosos, porque eles também estavam contribuindo para a guerra em nome da religião. Então, disseram: por que nós, jornalistas, não dizemos às pessoas as coisas como elas são? Aquele grupo de jornalistas sabia que tinham uma função especial – eram jornalistas católicos. Eles pensaram: temos o papel de dizer às pessoas que elas podem confiar em nós, já que não podem confiar nos outros. Portanto, nós, como católicos, precisamos ser aqueles em quem a população pode confiar. Então, penso que esta seja nossa principal tarefa. Se não se pode confiar em nós, não deveríamos ser jornalistas. E se é que pode confiar em nós como católicos, ou seja lá o que for, que seja por esses valores, que produzirão necessariamente um bom jornalismo. Neste caso, podemos chamá-lo de jornalismo católico, que pode ajudar a todos, não só a um grupo. Não se trata de apenas promover uma ideia que lhe foi dada por um padre ou por um bispo. Isto você pode fazer se ajudar a comunidade inteira. Caso contrário, não deveríamos fazê-lo.
IHU On-Line - Qual a sua opinião sobre o jornalismo praticado nas universidades, católicas ou não?
Joseph Chittilapilly - Quando as universidades iniciaram seus departamentos de jornalismo, pensaram em uma área responsável, uma profissão. Falar em departamento de Comunicação é diferente. Qualquer um pode comunicar, de qualquer forma. Não há nada de errado com isto, é algo que precisa ser feito e as pessoas estão se comunicando o tempo todo. Mas jornalismo significa um trabalho mais elaborado, é uma profissão que envolve questões bem mais profundas. Ouvi dizer que alguns dias atrás o Brasil entrou numa fase em que não há mais necessidade de se formar como jornalista.
IHU On-Line – Essa é uma longa história...
Joseph Chittilapilly - Isto aconteceu em outros países também. Antigamente, quando foram iniciados os departamentos de jornalismo nas universidades, havia alguns ideais a serem alcançados. Jornalismo é considerado o quarto poder, e por isso ele exige a prática da ética. Agora, nos últimos 25 anos, as universidades mudaram o currículo do jornalismo, como na medicina, no direito etc., especializando as áreas, como comunicação digital e fotojornalismo. Você pode ser um jornalista para ter a função de relações-públicas, e essa é uma espécie de jornalismo. Você pode ser um jornalista fazendo relatórios para certas empresas etc., mesmo quando estiver combinado com publicidade, de modo que as pessoas não decidem mais onde é que está o limite entre publicidade e jornalismo ou informação. Depois, naturalmente, sobra muito pouco espaço para a investigação, embora ela também aconteça. Mas hoje o objetivo é: o jornalista que sai da universidade quer achar um emprego. E o que está faltando é: estamos lidando com como fazer as coisas, mas não o quê, raramente estamos discutindo o conteúdo das coisas. Discutimos que se pode apresentar uma determinada matéria muito bem de tal e tal forma, com tal e tal tecnologia, mas o quê estamos apresentando e qual é o objetivo de apresentar é algo discutido muito raramente. Cada vez mais ouço coisas do gênero: temos um bom programa, você pode usar isto, o efeito fica muito melhor; mas não discutimos o conteúdo verdadeiro. Há 25 anos, olhava-se mais para o conteúdo nos currículos dos cursos de jornalismo. Essa mudança no sentido da especialização, a fim de achar empregos, também é necessária. A universidade é avaliada de acordo com o número de empregos que procura encontrar para seus estudantes. Se você for para a universidade de Harvard, eles dizem que todos que estudam ali acham emprego; se você não achar emprego, a universidade não presta. Então, se você quiser achar emprego, você não deve buscar só o que é ideal.
IHU On-Line – Na semana passada, organizamos aqui, na Unisinos, o simpósio "Narrar Deus numa sociedade pós-metafísica”. Pensando em como podemos falar sobre Deus e descrevê-lo nesta sociedade contemporânea, como Ele pode ser narrado por intermédio do jornalismo em nossa sociedade atual?
Joseph Chittilapilly - Novamente, penso que deveríamos começar com o contexto do qual viemos. Provavelmente o problema é que, quando falamos sobre Deus, partimos da concepção de tudo o que já aprendemos sobre Ele, felizmente ou infelizmente. Ou seja, estamos condicionados. Para isso, precisamos olhar para algumas sociedades orientais, onde, em princípio, exige-se que você não esteja condicionado ou pré-condicionado; você precisa estar livre. Então, se você contar para alguém, especialmente alguém jovem, que há um Deus que ama, que é bom, essa pessoa pode dizer “oh, que legal”; ou pode ficar indiferente. É como se você estivesse lhe entregando um panfleto sem sentido. O problema é se, ao falar sobre o conceito de Deus ou sobre Deus, partirmos da posição de sabermos do que se trata. Então estamos perdidos. Tudo que conseguiremos é o que vemos na televisão brasileira: gente falando sobre Deus, vendendo discos, e outras coisas do gênero. Isto poderia até funcionar. Mas se quisermos ter um discurso intelectual com as pessoas sobre Deus, então deveríamos colocar tudo sobre a mesa e ver o que é o melhor. Nós podemos até trocar ideias sobre o que cada um acredita numa sociedade pós-metafísica ou pós-moderna. Mas precisamos respeitar as pessoas, não podemos dizer a elas “eu sei tudo”. Penso que isso é o mais importante. É preciso haver oportunidade para a busca, e ela está acontecendo. Se pudermos deixar as pessoas pensarem, buscarem, descobrirem o que pensam estaremos no caminho da única solução. Do contrário, as pessoas vão escutar e ir embora. Elas se cansam, estão cansadas por mais de 2000 anos. Precisamos ser mais humildes. Às vezes é bom saber que não sabemos. Porque isso nos ajuda a abrir horizontes. Penso que não só no tocante a Deus, até mesmo nas coisas simples da vida.
IHU On-Line - Qual a importância do filme Quem quer ser um milionário no sentido de retratar a história e as diferentes realidades do povo indiano?
Joseph Chittilapilly - Talvez um filme possa captar alguns aspectos de um país, mas não retrata a nação real. Claro, isso é muito difícil. Infelizmente este em questão mostra que as pessoas simplesmente são pobres, e que todas estão atrás do dinheiro. Mas, na Índia, existe muito mais sentido. Penso que as pessoas estão levando uma vida muito mais significativa até mesmo naquelas favelas retratadas, mesmo que não tenham dinheiro para viajar pelo mundo. A outra questão é a dignidade humana, que está faltando. Ao mesmo tempo, o que é interessante nesse filme, que fez muito dinheiro e ganhou prêmios no Oscar, é que a menina e o menino que contracenaram, agora, estão voltando para as favelas para levar a mesma vida de antes. Disseram que não havia astros nesse filme. Esta é uma das tragédias. Como você pode dizer que não há astros, quando você tem um filme tão bom? Há astros de qualquer maneira, mas eles não têm o mesmo status de astros de Bollywood ou Hollywood, porque são das favelas. Quem fez o filme ganhou muito dinheiro. E ganhou com a exposição da pobreza. Se foi uma exposição bem-feita, talvez também tenha significado. E penso que foi uma boa exposição. Não é problema mostrar que as pessoas são pobres. Mas qual é o sentido que as pessoas fazem da sua pobreza? Qual o sentido da sua vida? Isto não aparece. Só se mostra que essa pessoa queria ficar milionária indo para o jogo “Quem quer ser milionário?”. Provavelmente este é o sonho de 10% das pessoas na favela. Mas lá há tantas pessoas cuidando das outras. Não estão correndo atrás do dinheiro. O interessante é que este filme não é um sucesso na Índia. Ele só faz sucesso aqui, no estrangeiro.
IHU On-Line - Você saberia dizer por quê?
Joseph Chittilapilly - Porque não faz sentido lá, provavelmente. Há, inclusive, muitos processos judiciais contra esse filme. Ele não pode ser um filme famoso porque não mostrou a realidade, e as pessoas da Índia conhecem a real situação.
IHU On-Line - Você gostou do filme?
Joseph Chittilapilly - Gostei do talento de alguns jovens atores. Este aspecto sim. Mas o conteúdo do filme, a sua mensagem, não. Até um filme monótono pode dar uma mensagem. Acontece que este não tem nenhuma. Provavelmente ele queira dar a mensagem: vá lá, jogue e torne-se um milionário. Esta é a mensagem. E então, se você ficar milionário, o que você vai fazer? Com US$20.000 ou com um milhão de dólares, o que você vai ser? Então a mensagem é: vá lá e ganhe dinheiro, jogue no bingo. Mas não penso que seja uma mensagem que tenha muito apelo na Índia. No entanto, ela tem muito apelo nesta parte do mundo, por isso recebeu tantos prêmios por aqui. Não recebeu prêmio algum na Índia.
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Os desafios da imprensa católica no mundo. Entrevista especial com Joseph Chittilapilly - Instituto Humanitas Unisinos - IHU