04 Outubro 2008
Para o economista Carlos Lessa, a falência de bancos tradicionais revela que a crise norte-americana irá extravasar as fronteiras dos Estados Unidos, prejudicando a economia mundial
Entre altos e baixos, o cenário econômico norte-americano tem deixado o mundo em alerta. Será que o capitalismo chegou ao fim? Não. Ele tem “recursos para minimizar a crise”, afirma Carlos Lessa, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, na última semana. Mas com tanta turbulência, aponta, o capitalismo vai “negar a sua ideologia de livre mercado, porque sofrerá uma intervenção do Estado para superar essa crise”.
Ainda não há como medir os estragos dessa tensão, mas uma coisa é certa: “O Brasil já foi atingido”, garante Lessa, que justifica: “A bolsa de valores caiu violentamente, o real se desvalorizou, a taxa de câmbio subiu, e as empresas brasileiras que têm empréstimos no exterior estão com muitas dificuldades de renová-los”. Segundo ele, esses indicativos já estão comprometendo a economia brasileira de 2009, e, se medidas não forem tomadas, os brasileiros correm o risco de assistir a “uma bolha interna”. “Duvido que seja possível manter o crescimento explosivo de vendas a crédito às famílias brasileiras. Elas se endividaram de maneira assustadora nos últimos dois anos, e agora, como vão segurar o pagamento de suas prestações com os juros subindo?”, questiona. O momento é cauteloso e o Brasil deve “desenvolver políticas de controle de câmbio e de regulação das exportações”, aconselha.
Ex-presidente do BNDES, Lessa é formado em Ciências Econômicas, pela antiga Universidade do Brasil, e doutor em Ciências Humanas, pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas (Unicamp).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como o senhor vê a crise financeira internacional? Acredita que ela pode provocar mudanças no capitalismo?
Carlos Lessa – Toda e qualquer crise provoca danos no capitalismo. Obviamente, esse tem recursos para minimizar a crise, mas, em última instância, negará a sua ideologia de livre mercado, porque sofrerá uma intervenção do Estado para superar essa crise.
O capitalismo já enfrentou muitas anormalidades e deu a volta por cima. Só que a superação não é instantânea. As crises sempre têm efeitos prolongados e de difícil enfrentamento. Então, nesse caso, a especulação financeira desenfreada comandada pelos bancos norte-americanos debilitou o sistema financeiro mundial e acabou com o papel do dólar como reserva mundial. O problema é que não tem um instrumento alternativo à moeda americana. Em torno desse instrumento alternativo, ocorrerá uma discussão geopolítica poderosíssima. Como o mundo agora é monopolar, não acredito que teremos uma guerra, como aconteceu no passado. Mas, de qualquer modo, passaremos por uma intensidade diplomática incrível. França, Alemanha e Rússia já disseram que é necessária uma reunião para reformular o sistema financeiro mundial. Por trás disso, esses países querem dizer que é preciso substituir o dólar por uma outra regra para estabilizar o sistema financeiro.
Crise abalou países conservadores
Impressionei-me ao ver que o principal banco Suíço, o UBF, extremamente conservador, perdeu 40 bilhões de dólares até agora. Isto é um indicador de que os bancos do mundo inteiro se moveram em direção aos derivativos norte-americanos, e por isso estão perdendo.
Com certeza, a turbulência não ficará restrita aos Estados Unidos, mas eu diria que a extensão dessa crise será medida pelo impacto dela sobre a China. Não tenho nenhuma informação atualizada do que está acontecendo com o país. Porém, certamente os Estados Unidos, principal mercado para a China, vai reduzir as compras, fazendo com que a crise se estenda até lá. As repercussões da crise no continente Asiático vão demonstrar a extensão de como e quanto o Brasil será abalado nas exportações. Nós somos exportadores de produtos primários que, nos últimos anos tiveram os preços melhorados, devido à presença chinesa. Se a crise norte-americana chegar até a China e os chineses reduzirem o ritmo das suas compras, isso será muito preocupante para o Brasil.
IHU On-Line – Qual o risco do Brasil ser atingido? Concorda com a postura do presidente Lula em demonstrar tranqüilidade?
Carlos Lessa – O Brasil já foi atingido pela crise de alguma maneira, pois a bolsa de valores caiu violentamente, o real se desvalorizou, a taxa de câmbio subiu, e as empresas brasileiras que têm empréstimos no exterior estão com muitas dificuldades de renová-los. Assim, a reserva internacional brasileira começou a diminuir. Por isso, nesse momento, o Brasil deveria desenvolver políticas de controle de câmbio e de regulação das exportações. Lula procura passar a idéia da tranqüilidade, mas tem medo de uma mudança na classificação de risco brasileiro, o que agora seria uma coisa muito ruim para o país. Isso explica o discurso otimista.
IHU On-Line – Como o senhor avalia a economia brasileira, a partir do sentimento ufanista de crescimento econômico?
Carlos Lessa – O que aconteceu com a crise já comprometeu o ano de 2009. Quer dizer, os 5% que o Brasil cresceu em 2007 e 2008 ficarão na história como um “vôo de galinha”. 2008 já está comprometido por uma razão muito simples: os empresários sabem ler os sinais, e vão reduzir os projetos de investimentos. Por outro lado, duvido que seja possível manter o crescimento explosivo de vendas a credito às famílias brasileiras. Elas se endividaram de maneira assustadora nos últimos dois anos, e, agora, como vão segurar o pagamento de suas prestações com os juros subindo? Se não houver novos empregos e se os empregos atuais ficarem abalados, as pessoas terão dificuldades para pagar as dívidas. Poderá acontecer o que eu chamo de uma bolha interna.
IHU On-Line – Acredita que, caso a crise atinja o Brasil, o país tem condições de controlar a situação?
Carlos Lessa – O Brasil é um dos poucos países que têm condições de controlar uma situação dessas. Porém, é necessário mudar a política econômica, principalmente em sua dimensão monetária e cambial. A política atual do Banco Central nos arrastou para esse precipício, e não acredito que eles mudem significativamente a política. Pelo contrário, vão insistir em atrair dólares para o país. No entanto, os dólares estão saindo do Brasil, apesar de o país ter indicadores muito melhores que os dos Estados Unidos.
IHU On-Line – Qual sua avaliação sobre o capital estrangeiro investido no Brasil? O que pode acontecer com a política de juros considerando o novo cenário financeiro internacional?
Carlos Lessa – Considero nefasta a presença desse capital especulativo dentro do Brasil. Há muito tempo, defendia controles na entrada desses investimentos no país, devido à insegurança desses capitais. Se depender do Banco Central, o juro será elevado, porque eles vão querer reter os dólares no Brasil de qualquer maneira, já que têm medo de uma desvalorização cambial. Se o país elevar mais os juros, o que poderia haver ainda de projeto de investimento privado em ampliação de produção, será paralisado.
IHU On-Line – Qual sua opinião sobre o uso do FGTS para a compra de ações de Petrobras?
Carlos Lessa – Não tenho nada contra a compra dessas ações através do uso do FGTS, porque os brasileiros compram pouco, cerca de 2, 2%. Não penso que seja ruim para os brasileiros, a longo prazo, serem donos de um pedaço da Petrobras. O que me deixou extremamente irritado foi a venda de mais de 30% das ações da Petrobras na Bolsa de Nova Iorque. Isso foi criminoso. Em 1983, 87% do capital da Petrobras era do tesouro nacional. Hoje, o valor se reduziu a menos de 40%. A maior parte do capital da Petrobras foi vendida ou na bolsa de Nova Iorque ou para estrangeiros na Bolsa de São Paulo.
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"O Brasil já foi atingido pela crise". Entrevista especial com Carlos Lessa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU