28 Novembro 2023
"O fato é que o degelo da Antártida já começou e vai se tornar inevitável nas próximas décadas. Os indicadores da crise climática e ambiental estão piores do que o esperado. Toda a vida na Terra é vulnerável ao aquecimento global e ao degelo dos polos, incluindo os ecossistemas e a civilização humana", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em Demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 27-11-2023.
“O que acontece na Antártica não fica na Antártica”. Secretário-geral da ONU” – António Guterres (24/11/2023)
A extensão do gelo marinho da Antártida estava aumentando ligeiramente até 2015. Mas a partir de meados da década passada a situação se inverteu e a área de gelo marinho começou a diminuir, bateu recorde de degelo em 2022 e alcançou baixas extremas em 2023, preocupando a comunidade científica.
O artigo “Unavoidable future increase in West Antarctic ice-shelf melting over the twenty-first century”, publicado na revista acadêmica, Nature Climate Change (Naughten et al, 23/10/2023), mostra que o derretimento das plataformas de gelo flutuantes no Mar de Amundsen, na Antártida Ocidental, está se acelerando e é o principal vetor para a subida do nível do mar. Segundo o estudo, o aumento do derretimento das plataformas de gelo da Antártida Ocidental é “inevitável” nas próximas décadas.
Utilizando um modelo oceânico regional, os autores apresentam um conjunto abrangente de projeções futuras do derretimento da plataforma de gelo no Mar de Amundsen, constatando que o rápido aquecimento dos oceanos, aproximadamente o triplo da taxa histórica, está provocando aumentos generalizados no derretimento das plataformas de gelo, incluindo em regiões cruciais para a estabilidade das plataformas geladas.
Gelo marinho da Antártida (Mapa: EcoDebate/BBC)
O volume de gelo da Antártida contém água suficiente para elevar o nível global do mar em cerca de 60 metros, caso derreta totalmente. Evidentemente, isto não vai ocorrer nos próximos séculos. Mas o derretimento de apenas 5% significa um aumento de 3 metros no nível do mar, o que seria desastroso para as cidades litorâneas e para bilhões de pessoas que vivem ou dependem da dinâmica econômica das áreas litorâneas.
O Mar de Amundsen, ao largo da costa ocidental da Antártida, está esquentando cerca de três vezes mais rapidamente do que a taxa histórica. Isto levará a um derretimento muito mais rápido das plataformas de gelo. Existe uma grande preocupação com a geleira Thwaites que deságua no Mar de Amundsen. Thwaites, por vezes referida como o “A geleira do Juízo Final” é altamente vulnerável ao aquecimento global e caso colapsasse totalmente, aumentaria o nível global do mar em cerca de 65 cm. Sua linha de aterramento – o ponto onde o gelo perde contato com a rocha e começa a flutuar – já está recuando mais de 1 km por ano em alguns lugares.
Em 2021, o Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC), divulgou as suas últimas estimativas sobre a futura subida do nível do mar. Previu uma subida média global do nível do mar entre 0,28m e 1,01m até 2100. Evidentemente, o aumento do nível do mar de cerca de um metro colocaria centenas de milhões de pessoas em todo o mundo em risco de inundações costeiras, ameaçando a infraestrutura, as benfeitorias urbanas e as áreas agricultáveis.
O gráfico abaixo mostra que o degelo da Antártida bateu todos os recordes históricos em 2023. Nunca a área de gelo marinho, na referência anual, foi tão baixa e nunca o continente meridional esteve tão ameaçado.
Anomalias no gelo marinho da Antártida | Gráfico: EcoDebate/Zack Labe
A causa principal desse rápido derretimento é o aquecimento da atmosfera e das águas oceânicas. A Antártida é um regulador importante do clima global. O derretimento do gelo sobre o mar pode ter consequências significativas, afetando habitats de muitas espécies, incluindo baleias, pinguins e focas, além de gerar mudanças na salinidade dos oceanos que afetariam toda a vida marinha. Além de aumentar o nível dos mares, o derretimento do gelo pode afetar a circulação oceânica e atmosférica, com impactos significativos no clima planetário.
Sem dúvida, o aquecimento global está contribuindo para o aumento do degelo dos polos e, devido ao efeito de retroalimentação, a redução da cobertura de gelo está elevando as temperaturas médias do planeta, acelerando uma espiral infernal de calor que tem causado um desequilíbrio climático rápido e sem precedentes ao longo da história da evolução da raça humana, incluindo os hominídeos e nossos ancestrais mais distantes.
Mapa da Antártida como centro do mundo | Mapa: EcoDebate
O artigo “Annual mass budget of Antarctic ice shelves from 1997 to 2021”, publicado na revista acadêmica Science Advances, (DAVISON, BJ et al, 12/10/2023) avaliou a massa de todas as plataformas de gelo da Antártida de 1997 a 2021. O estudo revelou que mais de 40% das plataformas de gelo encolheram, com toneladas de água doce entrando no oceano. Os cientistas da Universidade de Leeds calcularam que a Antártida perdeu 7,5 trilhões de toneladas métricas de gelo desde 1997.
Reportagem da BBC (Amos, 24/11/2023) mostra que o maior iceberg do mundo está em movimento depois de mais de 30 anos preso no fundo do oceano. O iceberg, chamado A23a, separou-se da costa Antártida em 1986. Mas encalhou rapidamente no Mar de Weddell, tornando-se, essencialmente, uma ilha de gelo, com quase 4.000 quilômetros quadrados de área, é mais de 3 vezes a área da cidade do Rio de Janeiro. No ano passado, ele se deslocou em alta velocidade e o iceberg está agora prestes a transbordar para além das águas da Antártida.
O fato é que o degelo da Antártida já começou e vai se tornar inevitável nas próximas décadas. Os indicadores da crise climática e ambiental estão piores do que o esperado. Toda a vida na Terra é vulnerável ao aquecimento global e ao degelo dos polos, incluindo os ecossistemas e a civilização humana. Mitigação e adaptação são fundamentais. Todavia, se a humanidade não alterar o estilo de vida e a maneira de produzir e consumir, as mudanças podem inviabilizar a capacidade de adaptação e o colapso ecológico poderá ser inevitável.
O relatório “State of the Cryosphere 2023 – Two Degrees is Too High” da International Cryosphere Climate Initiative (ICCI), publicado em 16 de novembro de 2023, relata que este foi um ano de desastres climáticos e de perda de gelo. Uma enchente advinda de um lago glacial devastou Sikkim, na Índia. As geleiras suíças perderam 10% do gelo existente em apenas dois anos. O gelo marinho ao redor da Antártida atingiu o nível mais baixo de todos os tempos, tanto no verão quanto no inverno. Incêndios sem precedentes ocorreram em todo o permafrost canadense. Partes do Ártico e o Atlântico Norte viram temperaturas da água 4–6°C mais altas do que o normal. Choveu no interior da Antártida e a Groenlândia viu seu segundo maior derretimento superficial de todos os tempos.
O relatório diz: “Nenhum destes trágicos acontecimentos surpreendeu os membros da comunidade científica global da Criosfera, porque – apesar de todas as promessas climáticas de Paris em 2015 até a COP do Egito em 2022 – as concentrações de gases com efeito de estufa na atmosfera continuaram sua marcha constante para cima. Este ano, 2023, as concentrações atmosféricas de dióxido de carbono (CO2) atingiram oficialmente o nível 50% acima dos níveis pré-industriais. Em maio de 2023 foi atingido 424 ppm, nível mais alto do que em qualquer momento em pelo menos 3 milhões de anos. O ano de 2023 será o mais quente já registado, provavelmente pela maior margem de sempre. A nossa mensagem – a mensagem da Criosfera – é que esta insanidade não pode e não deve continuar. A COP28, em Dubai, deve ser quando corrigiremos o atual curso que pode nos levar ao colapso”.
Em viagem para a Antártida, agora em novembro de 2023, o Secretário-geral da ONU, António Guterres, visitou as geleiras no continente mais meridional e alertou para a aceleração do derretimento do gelo, o que poderá ser catastrófico para as comunidades costeiras de todo o mundo. Ele pediu ação imediata na COP28 para sair da era dos combustíveis fósseis. O líder da ONU realizou a visita com o presidente do Chile, Gabriel Boric e teve reuniões com pesquisadores do continente gelado.
Guterres se dirigiu aos líderes que participarão na 28ª Cúpula do Clima, COP28, nos Emirados Árabes de 30 de novembro a 12 de dezembro, pedindo atenção para a crise sem precedentes na Antártida e defendeu ação imediata para limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C, acelerar a transição energética e proteger as pessoas do caos climático.
ALVES, JED. O menor nível de gelo marinho na Antártida e o alerta do IPCC, Ecodebate, 04/03/2022. Disponível aqui.
Naughten, K.A., Holland, P.R. & De Rydt, J. Unavoidable future increase in West Antarctic ice-shelf melting over the twenty-first century. Nat. Clim. Chang. (2023). Disponível aqui.
DAVISON, BJ et al. Annual mass budget of Antarctic ice shelves from 1997 to 2021, Science Advances, 12 Oct 2023. Disponível aqui.
Jonathan AMOS. A23a: World’s biggest iceberg on the move after 30 years, BBC, 24/11/2023. Disponível aqui.
ICCI. State of the Cryosphere 2023 – Two Degrees is Too High. International Cryosphere Climate Initiative (ICCI), Stockholm, Sweden. 62 pp. 16 November 2023. Disponível aqui.
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O derretimento do gelo da Antártida Ocidental já é inevitável. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU