05 Junho 2021
Velhas feridas francesas foram reabertas no fim de semana passado, quando uma procissão católica em homenagem aos reféns assassinados pela anticlerical Comuna de Paris foi atacada por manifestantes “antifa” vestidos de preto e gritando slogans de apoio ao levante proletário da capital de 150 anos atrás.
A reportagem é de Tom Heneghan, publicada por The Tablet, 03-06-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Uma missa comemorativa celebrada pelo arcebispo de Paris, Michel Aupetit, no dia seguinte, domingo, 30 de maio, em Notre Dame des Otages (Nossa Senhora dos Reféns), transcorreu sem incidentes. “Esses mártires foram assassinados por uma raiva cega. Mas, até o fim, nunca proferiram uma palavra de ódio, raiva, rancor ou mesmo vingança”, disse Aupetit em sua homilia.
A igreja foi construída no local onde os 52 reféns, incluindo 10 padres, foram mortos a tiros por comunardos em 1871.
A tensão em torno do aniversário do fim do episódio de 11 semanas, desencadeado pela derrota do país na guerra franco-prussiana e por uma subsequente vitória conservadora nas eleições gerais, revelou uma divisão social e política na França que continua relevante até hoje.
A cidade e a sua esquerda política saudaram principalmente a comuna como o nascimento das reformas sociais modernas. A Arquidiocese de Paris relembrou o seu lado mais sombrio, incluindo os assassinatos do então arcebispo Georges Darboy e de 18 outros clérigos, a prisão de mais de 200 padres, monges e freiras, e o confisco e buscas em muitas propriedades da Igreja.
Por mais chocante que tenha sido a violência dos comunardos sob o lema “nem Deus nem mestre”, ela pode desaparecer em meio aos horrores da semaine sanglante (semana sangrenta), quando o governo conservador, que se refugiara nas proximidades de Versalhes, voltou impiedosamente para esmagar a Comuna no fim de maio de 1871.
Muitos foram mortos tão rapidamente que não há um total acordado de mortos durante aquela semana, e as estimativas variam de 6.000 a 30.000. Prédios incluindo o Palácio das Tulherias e a prefeitura foram saqueados e queimados.
“Estávamos focados na oração e na comemoração, sem fazer qualquer tipo de declaração ou exigência política”, afirmou o bispo auxiliar Denis Jachiet, que liderou a procissão reconstituindo a marcha dos reféns desde perto do cemitério de Père Lachaise até a sua morte perto da Porte des Lilas.
“Não estávamos celebrando a vitória de um lado sobre o outro”, disse ele sobre a procissão no sábado, 29 de maio.
Embora a procissão através de um antigo reduto da Comuna no leste de Paris tenha sido autorizada, não foi nenhuma surpresa que ela atraiu os rebeldes radicais que frequentemente interrompem as manifestações locais. Alguns manifestantes gritaram “abaixo os Versalheses” enquanto insultavam os manifestantes.
A polarização daquela época, que equivalia a uma guerra civil, também ecoa nas discussões locais sobre a vizinha Basílica de Sacré Coeur, construída no fim do século XIX no topo da colina de Montmartre, onde a insurreição começou. A icônica igreja com vista para Paris só agora está a caminho de ser declarada um monumento nacional.
A Comuna, que Marx e Engels saudaram como o primeiro exemplo de poder proletário, é frequentemente lembrada como um laboratório para muitas reformas que mais tarde se tornaram a política dominante.
Isso incluía a separação entre Igreja e Estado, as leis de proteção do trabalho, as escolas gratuitas, as cozinhas populares e o início da igualdade de gênero. A lembrança dessas reformas dominou os eventos organizados pela prefeitura para marcar o aniversário.
“A história da Comuna é muito mais complexa do que se diz, e a Igreja Católica, especialmente, não tenta abusar desse fato”, escreveu Jean-Pierre Denis, ex-editor-chefe da revista católica La Vie.
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Comemorações da Comuna de Paris reabrem velhas feridas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU