18 Junho 2020
Sobre a perspectiva ambiental no combate à pandemia do novo coronavírus, o Centro Sabiá conversou com Iara Pietricovski, ativista, cientista política, antropóloga e atriz com atuação há 30 anos na causa socioambiental. Iara é codiretora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e integrante da Abong - Associações em Defesa dos Direitos e Bens Comuns. Iara também é, atualmente, presidenta da Articulação Internacional Forus.
A entrevista é do Núcleo de Comunicação do Centro Sabiá, publicada por Articulação do Semiárido, 17-06-2020.
“Interessante observar realmente o que vem ocorrendo com a pandemia. O fato de que nunca a humanidade viveu uma situação tão singular como essa. De repente você ter praticamente a humanidade inteira restringida na sua mobilidade e tendo que se cuidar por conta de um inimigo invisível, que é o chamado coronavírus, do tipo Covid-19.... e que tem causado impacto muito importante no clima mundial. Muito comum a gente observar fotografias e artigos de jornais com cenas de animais ocupando espaço urbano, coisa que impossível de se assistir nos tempos da antiga normalidade, antes de todo esse fato acontecer... As praias e o mar mais limpos e transparentes. O Nepal, por exemplo, que sempre foi criticado por uma excessiva poluição, hoje está com as montanhas sendo possíveis de se enxergar à distância. Na China e outros tantos lugares onde a poluição já se encontrava em níveis, assim, insuportáveis, insustentáveis, retomando a possibilidade de olhar o céu e respirar um ar mais limpo”, afirma a estudiosa.
Iara Pietricovski. (Foto: Youtube/Reprodução)
Para a pesquisadora, este é um aspecto interessante porque nos faz refletir, em especial, quando a gente compara com as necessidades que a gente tem de rever o nosso modelo de desenvolvimento, a maneira como se produz e se comercializa as coisas, o consumo excessivo e o uso de combustíveis fósseis para muitas das nossas atividades e mobilidade, por exemplo.
Ainda segundo ela, é preciso rever todos esses padrões porque o que está por trás dessa grande pandemia, na verdade, é uma grande crise ambiental e climática. Uma crise de modelo, de maneiras de como a gente funciona. Assim, se estaria vendo, num percentual bem pequeno ainda, o que que seria necessário fazer para realmente equacionar a questão da crise climática no país e no mundo. “É interessante observar que toda essa mudança, esse aprisionamento das nossas casas para poder evitar que o vírus se espalhe ou contamine mais gente está nos mostrando que, não só é possível a gente fazer uma mudança de padrão de comportamento, que não é uma coisa impossível de ser realizada, e ao mesmo tempo que tem um impacto na natureza importante”, destaca.
A cientista reflete ainda que, com todo esse isolamento agora, é interessante observar também que ainda se impacta muito pouco o que seria necessário para manter os tais 1,5º de temperatura da Terra conforme definido no Acordo de Paris Sobre Mudança Climática. Assim, estamos vivenciando uma situação atípica, difícil, lamentavelmente de uma maneira trágica porque implica em mortes, implica em redução de liberdade, de mobilidade etc. Mas que mostra, por outro lado, “que a gente pode ter uma natureza deslumbrante e diversa como ela é se a gente mudar a nossa maneira de atuar sobre a natureza e sobre as nossas vidas. A gente tem que mudar as formas de viver para poder ter mais equilíbrio com essa natureza. Esse para mim é o grande aprendizado desse momento”, afirma.
Para Iara, existe uma relação quase direta entre o aquecimento global e o coronavírus. Porque a pandemia é resultante da destruição do meio ambiente, que tem uma implicação direta no aumento da temperatura da Terra, no nosso modo de produção e no nosso modo de consumo e também tem uma implicação direta no aquecimento do planeta. A gente está vendo como a Covid vem matando gente no mundo inteiro. Então, a questão climática e a questão do coronavírus estão ligadas a uma questão maior que é um modelo de desenvolvimento dentro de um sistema capitalista que prevê e que tenta cada vez mais obter lucros num pensamento que a natureza ela é infinita, portanto, pode ser explorada e pode-se lucrar com ela. “Esse raciocínio, para mim, está no centro da tragédia mundial. Porque o ser humano não é o centro do universo. E é o contrário, o ser humano tem que viver em harmonia e equilíbrio com a natureza sem a qual não existe o ser humano. Seguramente a natureza sobreviverá aos seres humanos. Agora, os seres humanos eu não sei se sobrevivem a um modo de produção tão predatório, que vem produzindo, por conta de seu esgotamento, situações e tragédias ambientais terríveis, furacões, chuvas torrenciais e a pandemia é mais uma dessas consequências de um modelo de depredação ambiental como a gente vem vivendo nas últimas décadas”, conclui a antropóloga.
Informação - Nas pesquisas que são feitas aqui no Brasil, a população brasileira é muito atenta à questão ambiental, em geral. Existe muita atenção à questão ambiental no país, existe uma sensibilidade da população. Iara afirma que: “o que nós não temos é um exercício da cidadania de uma maneira mais efetiva e integrada a esses temas de tal maneira que impeça que qualquer doidivano que ocupe o poder possa destruir e desmantelar todas as estruturas institucionais e as políticas públicas e a orçamentação dessas políticas para a preservação e para a instalação de um modelo sustentável de vida. Acho que existe uma sensibilidade muito grande da população brasileira, porém existe pouca informação. Então, acho que precisamos ampliar a informação, precisamos dar mais informações consistentes, combater as informações falsas e que muitas vezes, por má fé ou às vezes nem por má fé, mas que não contribuem para uma compreensão efetiva dos riscos que significa a gente não defender o meio ambiente na centralidade da nossa vida cotidiana”.
Movimentos do campo – A antropóloga ainda ressaltou que os movimentos sociais do campo são os movimentos dos mais importantes da história do país, junto com os movimentos dos trabalhadores. “São os movimentos e famílias de camponeses e camponesas que sempre se engajaram na luta por terra, pela reforma agrária, pelo direito à aposentadoria rural... enfim, são os movimentos que vêm colocando a pauta e a agenda social à frente e ela é de fundamental importância. E não existe luta social ou transformação social no Brasil que se faça só pela dimensão urbana. Urbano e rural são intrinsecamente ligados, eles estão unidos pela condição de interdependência”, afirma Iara.
Embora o Brasil ainda seja um país hoje fundamentalmente urbano, onde mais de 80% da população se encontra nas grandes cidades, o alimento dessa população toda vem dos pequenos agricultores, são esses que alimentam, em especial a grande maioria das mesas e dos pratos dos brasileiros e brasileiras. “Esses agricultores têm uma importância fundamental na vida cotidiana de cada pessoa do país, assim como eles são historicamente agentes e sujeitos de grandes transformações políticas progressistas, importantes no campo dos direitos sociais, econômicos, ambientais. Eu acho fundamental ampliar cada vez mais e mais o engajamento desses movimentos e as famílias agricultoras estão cada vez mais envolvidos na defesa do meio ambiente, na defesa da vida digna de todos os cidadãos e cidadãs desse país”, finaliza.
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“A humanidade nunca viveu uma situação tão singular como essa”, afirma Iara Pietricovski - Instituto Humanitas Unisinos - IHU