A Arca e os escombros. O caso Jean Vanier

Jean Vanier. | Foto: L'Arche UK/Twitter

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27 Fevereiro 2020

O caso Jean Vanier já foi todo escrito e, de modo louvável, a principal fonte das informações foi a própria L’Arche International – a entidade que coordena as diversas realidades fundadas por Vanier – que, pela boca dos seus responsáveis Stephan Posner e Stacy Cates-Carney, divulgou no dia 22 de fevereiro as conclusões de uma investigação confiada a um órgão independente britânico.

A reportagem é de Maria Elisabetta Gandolfi, publicada por Il Regno, 26-02-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A investigação envolve também os dominicanos franceses, porque o “pai espiritual” de Vanier (como ele mesmo o chamava) e cofundador da L’Arche, Pe. Thomas Philippe, foi acusado em 1950 e depois condenado em 1956 por violência sexual contra algumas mulheres (maiores de idade) [1].

Documentos inéditos do arquivo dos dominicanos da França foram consultados pelo historiador Antoine Mourges. O arquivo do próprio Vanier, que morreu em maio de 2019 aos 90 anos, também foi usado.

O que veio à tona?

1) Que Vanier também mentiu aos seus colaboradores quando negou saber das acusações contra o dominicano: a densa correspondência entre os dois e a documentação do arquivo dominicano não deixam dúvidas.

2) Que, em 1950, ele “fazia parte de um pequeno grupo clandestino que aprovava e aplicava algumas das práticas sexuais desviantes do Pe. Thomas Philippe, que se baseavam em crenças ‘místicas’ ou ‘espirituais’”. E que, pouco a pouco, Vanier permitiu que Philippe continuasse liderando o grupo, apesar da proibição que lhe foi imposta pelo ex-Santo Ofício. Condenado em 1956 a pouco mais de um ano de suspensão do ministério, Philippe retomou o ministério, mas também as violências.

3) Que Vanier, relutante, recebeu a ordem de não participar do grupo, chamado Água Viva (L'Eau Vive), que foi oficialmente dissolvido, e de passar alguns anos no seminário antes de ser ordenado padre (uma dúvida: foi por isso que ele continuou sendo leigo?).

4) Que ele mentiu uma segunda vez sobre as acusações de violência sexual, psicológica e espiritual que seis mulheres (adultas e sem deficiência), de origens geográficas diferentes e de condições de vida diferentes (leigas, casadas, consagradas), uma sem saber da outra, dirigiram contra ele a respeito dos fatos ocorridos entre 1970 e 2005: quando finalmente surgiu a primeira acusação em 2016 – diz o relatório da L’Arche International – “Jean Vanier reconheceu a relação, mas disse também que achava que fosse ‘recíproca’”.

5) Que ele iniciou um pedido de perdão em relação à mulher e que escreveu duas cartas para condenar os comportamentos do Pe. Thomas, acusado oficialmente por duas mulheres, cujo testemunho foi contado por um documentário da TV franco-alemã Arte em 2019.

6) Que as características das violências descritas pelas vítimas do Pe. Thomas eram as mesmas das vítimas de Vanier: atos sexuais impostos com motivações místico-espirituais.

Portanto, fica claro por que não são apenas os membros das 153 comunidades espalhadas em 38 países que estão profundamente perturbados e sentidos pelos resultados da investigação, mas também os bispos franceses e, em particular, Dom Ornellas, referência espiritual do grupo, os bispos do país natal de Vanier, o Canadá, e a província francesa dos dominicanos.

Agora, o ponto é o que fazer. “Embora não esteja em discussão o bem que ele fez ao longo de toda a sua vida – afirmam Posner e Cates-Carney – devemos considerar como morta e sepultada uma certa imagem que talvez tenhamos de Jean e das origens da Arca.”

Depois dos fundadores, os refundadores precisam recomeçar a partir desses escombros.

 

Nota:

[1] O Ir. Marie-Dominique fundou a Comunidade de São João em 1975. Em 2013, o superior da comunidade declarou que o fundador havia “feito gestos contrários à castidade contra diversas mulheres adultas que ele acompanhava”. Mas no dia 5 de novembro passado, esses “gestos” haviam se tornado, nas palavras do Capítulo de refundação da congregação, “graves abusos” sexuais e espirituais. Além disso, 27 religiosos da congregação foram considerados culpados de violência sexual. Depois, foi reconhecido que tanto a irmã, Cécile Philippe, prioresa do Mosteiro de Bouvines, quanto o tio, Pierre-Thomas Dehau – ambos dominicanos – tinham responsabilidade pelo comportamento do Pe. Thomas.

 

Nota da IHU On-Line:

O Instituto Humanitas Unisinos – IHU promove o seu X Colóquio Internacional IHU. Abuso sexual: Vítimas, Contextos, Interfaces, Enfrentamentos, a ser realizado nos dias 14 e 15 de setembro de 2020, no Campus Unisinos Porto Alegre.

X Colóquio Internacional IHU. Abuso sexual: Vítimas, Contextos, Interfaces, Enfrentamentos

 

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